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sexta-feira, 6 de maio de 2011

O FIM DO MUNDO

Cecília Meireles

A primeira vez que ouvi falar no fim do mundo, o mundo para mim não tinha nenhum sentido, ainda; de modo que não me interessava nem o seu começo nem o seu fim. Lembro-me, porém, vagamente, de umas mulheres nervosas que choravam, meio desgrenhadas, e aludiam a um cometa que andava pelo céu, responsável, pelo acontecimento que elas tanto temiam. 


Nada disso se entendia comigo: o mundo era dela, o cometa era para elas: nós crianças, existíamos apenas para brincar com flores da goiabeira e as cores do tapete.


Mas, uma noite, levantaram-me da cama, enrolada num lençol, e, estremunhada, levantaram-me à janela para me apresentarem à força ao temível cometa. Aquilo que até então não me interessava nada, que nem vencia a preguiça dos meus olhos pareceu-me, de repente, maravilhoso. Era um pavão branco, pousado no ar, por cima dos telhados?  Era uma noiva, que caminhava pela noite, sozinha, ao encontro da sua festa? Gostei muito do cometa. Devia sempre haver um cometa no céu, como a lua, o sol, estrelas. Por que as pessoas andavam tão apavoradas? A mim não me causava medo nenhum.



Ora, o cometa desapareceu, aqueles que choravam enxugaram os olhos, o mundo não se acabou, talvez eu tenha ficado um pouco triste - mas que importância tem a tristeza  das crianças?


Passou-se muito tempo. Aprendi muitas coisas, entre as quais o suposto sentido do mundo.
Não duvido de que o mundo tenha sentido. Deve ter mesmo muitos, inúmeros, pois em redor de mim as pessoas mais ilustres e sabedoras fazem cada coisa que bem se vê haver um sentido do mundo peculiar a cada um.


Dizem que o mundo termina em fevereiro próximo. Ninguém fala em cometa, e é pena, porque eu gostaria de tornar a ver um cometa, para verificar se a lembrança que conservo dessa imagem do céu é verdadeira ou inventada pelo sono dos meus olhos naquela noite já muito antiga.


O mundo vai acabar, e certamente saberemos qual será o verdadeiro sentido. Se valeu a pena que uns trabalhassem tanto e outros tão pouco. Por que fomos tão sinceros ou tão hipócritas, tão falsos e tão leais? Por que pensamos tanto em nós mesmos ou só nos outros?
Por que fizemos votos de pobreza ou assaltamos os cofres públicos - além dos particulares?
Por que mentimos tanto, com palavras tão judiciosas? Tudo isso saberemos e muito mais do que cabe enumerar numa crônica.


Se o fim do mundo for mesmo em fevereiro, convém pensarmos desde já  se ultilizamos este dom de viver na maneira mais digna.


Em muitos pontos da terra há pessoas, neste momento, pedindo a Deus - dono de todos os mundos - que trate com benignidade as criaturas que se preparam para encerrar a sua carreira mortal. Há mesmo alguns místicos - segundo leio - que na Índia, lançam flores ao fogo, num rito de adoração.


Enquanto isso, os planetas assumem os lugares que lhe competem, na ordem do universo, neste universo de enigmas a que estamos ligados e no qual por vezes nos arrogamos posições que não temos - insignificantes que somos, na tremenda grandiosidade total.

Ainda há uns dias a reflexão e o arrependimento: por que nao ultilizamos? Se o fim do mundo não for em fevereiro, todos teremos fim, em qualquer mês...

 Texto extraído do livro '' Quatro vozes", Distribuidora Record de Serviços de Imprensa - Rio de Janeiro, 1998, pág.73


  ''Viva como se tivesse de morrer amanhã. Aprenda  como se tivesse de viver para sempre.''
            Gandhi

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