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segunda-feira, 15 de abril de 2019

A luta pelo direito - Rudolf von Jhering



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Jurista alemão do Século XIX, Rudolph von Jhering, foi doutor pela Universidade de Berlim e professor catedrático de Direito Romano em universidades da Suíça, Alemanha e Áustria. Um de seus trabalhos mais debatidos até hoje foi inicialmente apresentado em uma conferência, e posteriormente publicado sob o título de A luta pelo Direito, no qual o jurista apresenta suas contribuições e destaca a busca pelo direito como um dever individual e da sociedade.

Citações 

6 - "O direito não é um conceito lógico, mas sim um conceito de força" [...] um conceito prático, um conceito de poder e de luta [...]
o direito que parte da realidade social nasce "sempre acompanhado pelas fortes do parto" [...] Essas imagens ilustram a formulação de Jhering do direito como um conceito relativo a fins, em que a luta contra a injustiça seria o meio para atingir a finalidade do direito.

7 - A exigência se justifica pela ideia que o abandono de uma causa jurídica, de um direito legalmente reconhecido, é, ao mesmo tempo, uma afronta ao direito de forma geral. 

8 - No Brasil, a influência de Jhering foi especialmente importante na Escola do Recife - Tobias Barreto e Clóvis Beviláqua, redator do Código Civil de 1916, eram leitores de Jhering e recepcionaram parte de suas ideias principalmente para criticar o formalismo do pesamento jurídico brasileiro.

11 - No conceito de direito estão reunidos, em iguais proporções, os opostos luta e paz - a paz como meta, a luta como meio do direito, e ambos inseparáveis de seu conceito.


12 - Todo direito no mundo foi conquistado. Cada princípio jurídico que é hoje válido teve primeiro de ser extraído à força daqueles que se lhe opunham. E todo direito, seja de um povo ou de um indivíduo, pressupõe a constante prontidão para reafirmá-lo. O direito não é um conceito lógico, mas sim um conceito de força. Daí a justiça, que em uma mão segura a balança com que pesa o direito, carrega na outra a espada com que o defende. A espada sem a balança é crua violência; a balança sem a espada é a impotência do direito. Elas pertencem uma à outra, e um estado perfeitamente jurídico só vigora onde a força com que a justiça emprega a espada equivale à habilidade com que manobra a balança.


13 - Tato a propriedade como o direito são como uma cabeça de Janus de dupla face: a uns ele mostra apenas um dos lados, a outros, o outro lado, donde a diversidade do quadro que cada um leva consigo. No que diz respeito ao direito, isto vale tanto para indivíduos como épocas inteiras. A vida de uma é a guerra, a da outra é a paz; e os povos, através dessa diversidade na divisão subjetiva de ambos, são levados ao mesmo equívoco dos indivíduos. Um longo período de paz, e com ele a crença na paz perpétua, atravessam um rico florescimento até que o primeiro tiro de canhão afaste o lindo sonho, e, no lugar de uma geração que somente fruiu a paz, entra uma outra que terá que merecê-la novamente, conquistando-a no duro labor da guerra.

14 - São duas as direções em que podemos investigar a luta pelo direito, e elas nos são indicadas pelo duplo sentido da palavra "direito": o direito em sentido objetivo o direito em sentido subjetivo. Na primeira direção, ele é a luta que acompanha o surgimento, a formação e progresso do direito abstrato na história; na segunda, ele é a luta pela realização dos direito concretos. [...] A luta pelo devir do direito!

15 - [...] negociação e ciência - é um poder limitado: eles podem regular o movimento nos canais disponíveis, ou mesmo fomentá-lo, mas não podem derrubar os diques que impedem a corrente de tomar um novo curso. Só quem pode fazê-lo é a lei, i.e., a ação intencional do poder público, dirigida a esse fim: e não é o acaso, portanto, mas uma necessidade profundamente enraizada na essência do direito material. É verdade que uma modificação produzida pela lei sobre o direito existente poderia limitar-se a esse último, [...] a modificação só é alcançada à custa de um severo ataque ao direito existente e aos interesses privados.

16 - Questionar as instituições ou o princípio do direito significa declarar guerra a todos esses interesses, destroçar um pólipo que defende com mil braços. Cada tentativa desse tipo suscita, portanto, como uma natural reação do instituto de conservação, a mais forte resistência dos interesses ameaçados e, com isso, uma luta que, como toda luta, é decidida não pelo peso dos argumentos, mas pela relação de poder entre as forças conflitantes. 

16-17 - [...] o caminho atravessado pelo direito fiou marcado por correntes de sangue, e sempre por direitos esmagados. Pois, "o direito é o Saturno que devora seus próprios filhos"; o direito só pode rejuvenescer-se quando se livra de seus próprio passado. Um direito concreto que, por ter um dia surgido, demanda duração ilimitada, portanto, eterna, é a criança que ergue o braço contra a própria mãe; ele despreza a ideia do direito apelando a ela, já que a ideia do direito é eterno devir, e aquilo que já veio a ser tem de ceder espaço ao que está vindo a ser. Afinal, 
Tudo o que surge
Está fadado a perecer.
[...] Mas o direito, como conceito relativo a fins, tem de tatear e procurar, em meio à agitação caótica dos anseios, fins e interesses humanos, para encontrar o caminho correto; e, uma vez que o tenha encontrado, precisa lutar e empregar a força para efetivamente trilhá-lo.

19  - [...] o nascimento do direito, omo o do ser humano, é sempre acompanhado pelas forte dores do parto.

20 - Um direito adquirido, sem esforço é como a criança trazida pela cegonha: o que cegonha trouxe pode ser levado embora pela raposa ou pelo abutre. Mas da mãe que pariu a criança eles não a tomam, assim como do povo não se tomam os direitos e instituições que eles conquistaram com trabalho duro, difícil, sangrento. Pode-se afirmar com segurança: a energia do amor com que um povo se prende a seu direito e o afirma determina-se pela quantidade de esforço e trabalho que despenderam para conquistá-lo. O firme laço que amarra um povo a seu direito não são os costumes, mas o sacrifício; e por mais que Deus ame um povo, ele não lhe presenteia com o direito, nem lhe facilita o trabalho, mas antes o endurece. A luta que o direito exige não é uma maldição, mas uma bênção. [...]
a luta pelo direito concreto, om o fim de afirmá-lo, pelo ângulo do pleiteante. Nesse caso, o direito e reivindicado quando houve violação, impedimento do exercício ou desrespeito por parte de outrem. Como nenhum direito, seja dos indivíduos ou dos povos, está assegurado contra esse risco, essa luta pode repetir-se em todas as esferas do direito: tanto nas miudezas do direito privado como nas alturas do direito público e internacional. 

21 - A grandiosidade do espetáculo em que se mostram as mais elevadas forças e sacrifícios humanos captura inexoravelmente a todos, elevando-nos às alturas do julgamento ideal. 

21-22 - [...] Para que um que tenha seu direito violado [...] ou o sacrifício do direito pela paz, ou o da paz pelo direito.

23 - [...] não se trata do insignificante objeto disputado, mas de um fim ideal: a afirmação da própria pessoa e de seu senso de justiça.

24 -  [...] o direito faculta ao lesado decidir se faz valer seu direito ou se o deixa de lado.

25 - A luta pelo direito é um dever do indivíduo lesado para 
consigo mesmo.

26 - [...] tenho o dever de combater essa violação do direito na minha pessoa com todos os meios de que dispuser; ao passo que, se tolerar essa violação, estabeleço um momento de ausência do direito em minha vida em relação ao qual ninguém deve ajudar-me.
[...] se abro o processo e dele desisto ou se faço um acordo. Este ultimo é o ponto em que se juntam os dois lados, após cada um calcular as probabilidades: é segundo as premissas que estou aqui pressupondo, o modo correto de solucionar o conflito. 

29 - O devedor está, para mim no mesmo plano que o ladrão, já que busca conscientemente extrair-me o que é meu: o arbítrio que se volta contra o direito é o mesmo, ainda que apareça sob outra roupagem perante o juiz; e é contra ele que devo lutar, omo se fosse na pessoa do ladrão. 

34 - De onde quer que venha, contudo, essa fraqueza do ânimo que por amor ao conforto, descarta a luta pelo direito quando o valor do objeto não a justifica, o que nos interessa aqui é conhecê-la e caracterizá-la como ela é. O que é a filosofia de vida que a prega, porém, senão a política da covardia? O covarde que foge da batalha salva algo que os outros sacrificam: sua vida. Mas ele a salva ao preço de de sua honra.

35 - O direito mesmo não passa, segundo minha própria definição, de um interesse juridicamente protegido. A partir do momento, porém, em que o arbítrio levanta sua mão contra o direito, corrompendo-o, aquele ponto de vista materialista perde toda a sua legitimidade.

36 - Essa conexão do direito com a pessoa confere a todos os direitos, seja de que tipo forem, aquele valor incomensurável que, por oposição ao valor substancial que eles têm do ponto de vista do interesse, caracterizei como valor ideal. Dele provêm aquela devoção e energia da afirmação do direito.

37  - A consciência do direito e a convicção jurídica são abstrações da ciência que o povo não conhece; a força do direito reside no sentimento, assim como aquela do amor, e o entendimento não pode substituir o sentimento faltante. [...] O direito é a condição existencial moral da pessoa, e a sua afirmação é a autoconservação moral dela mesma. A força e a resistência com que o senso de justiça reage contra uma lesão por ele experimentada é a pedra de toque de sua saúde. Não se trata da mera sensação de dor - o grau de dor que alguém sente apenas lhe mostra qual o valor por ele atribuído ao bem ameaçado. 

40 - O direito concreto não apenas recebe vida e força do abstrato, como também lhe devolve o mesmo. A essência do direito é a sua realização prática. Um princípio jurídico que não realiza, ou que deixou de realizar-se, já não faz jus a esse nome: é a mola gasta que não funciona no maquinário do direito, podendo ser retirada sem que isso ocasione qualquer prejuízo. 

41 - [...] depende de que as autoridades e os funcionários do Estado cumpram o seu dever, [...] façam valer o seu direito. Se, em uma determinada circunstância, isso deixa de acontecer de maneira duradoura e geral, seja qual for a razão para tal - se por comodidade ou medo -, o próprio princípio jurídico se torna obsoleto. 

42 - Quando o arbítrio e a ilegalidade ousam levantar a cabeça sem pudor, este é um sinal claro de que aqueles que eram chamados a defender a lei não cumpriram o seu dever.

43 - [...] será muito dizer que a defesa do direito violado, por parte do indivíduo lesado, não é somente um dever para consigo mesmo, mas também com relação à comunidade?

43 - O direito e a justiça não podem prosperar em um país apenas porque o juiz se mantém alerta em sua cadeira, ou porque a polícia vai atrás dos criminosos, mas é preciso que cada um faça a sua parte: todos têm a missão e o dever de destruir a cabeça da hidra do arbítrio e da ilegalidade, onde quer que ela se erga.

45 - Quem quer que sinta indignação ou raiva quando vê uma injustiça, praticada sem qualquer pudor, certamente o possui. Pois, enquanto o sentimento despertado pela violação do direito se origina na lesão à própria pessoa, esse outro sentimento tem sua raiz no poder da ideia moral sobre a mente humana: ele é o protesto da natureza moral contra a frivolidade no direito, o testemunho mais belo e vivo que o senso de justiça pode dar de si mesmo - um fenômeno moral que é tão empolgante e fértil para o psicólogo como para o poeta.

46 - [...] trabalhar pelo direito em nome do direito apenas, sem nenhum interesse próprio, é um dever moral. 

47 - Se a lei não for um jogo vão de palavras, ela tem de afirmar-se; e é ela que vem abaixo quando do direito de um indivíduo é violado.

52 - Abandonado pelo poder que deveria protegê-lo, o senso de justiça deixa o terreno da lei e procura conseguir, através de suas próprias forças, aquilo que lhe é recusado pela ignorância, pela má vontade, pela impotência. 

53 - Uma nação, no fim das contas, é tão somente a soma de todos os seus indivíduos particulares, e a nação, assim como os indivíduos, sente, pensa e age. 

54 - A verdadeira escola do desenvolvimento político de um povo é o direito privado, não o direito público. E se quer saber como um povo, em caso de necessidade, defenderá os seus direitos políticos e a sua posição no concerto das nações, basta observar como os indivíduos desse povo defendem seus próprios direitos na vida privada. [...] Um povo em que cada qual tem o hábito de defender seu direito, mesmo nas mais íntimas questões, não aceitará que lhe tomem o que tem de mais elevado. 

55 - O que é decisivo, na resistência que ele opõe a esse ataque, não é a pessoa do agressor, mas a força moral com que ele procura defender-se. Por isso é tão verdadeira a frase: "Os direitos políticos e a postura externa de u povo são proporcionais à sua força moral".

56 - [...] não há bem maior a guardar e a proteger do que o senso nacional de justiça. [...] A força destrutiva que as leis injustas e as más disposições jurídicas exercem sobre a força moral do povo atua sob a terra, naquelas regiões a que muitos políticos não dão a devida atenção por estarem preocupados somente com a copa - eles não fazem ideia do veneno que sobe pela raiz até a copa.

57 - A força de um povo é equivalente à força de seu senso de justiça - cultivar o senso nacional de justiça é cultivar a saúde e a força do Estado. 


57 - 58 - Ainda não houve um senso de justiça tão saudável que fosse capaz de resistir, no longo prazo, a um direito ruim: ele se enfraquece, para de reagir, paralisa-se. Pois a essência do direito, como já foi muitas vezes dito, é a ação - o que o ar é para a chama, é a liberdade de agir para o senso de justiça, se ele lhe é tomada ou sufocada, ele morre.

68 - Pode-se ter a impressão de que vivemos em uma sociedade de castrados morais! O homem ameaçado por um perigo ou um ataque à honra tem de recuar, fugir - o direito tem o dever, portanto, de abrir espaço para a injustiça -, e os sábios só discordavam no seguinte: se oficiais, nobres e pessoas de elevado nível social deveriam fugir.

72 - Mas não é a estética e sim a ética, que constitui o solo do direito; e a ética, longe de rejeitar a luta pelo direito, exige a sua elevação à condição de dever. [...] A luta é o trabalho do direito, e a proposição "No suor do teu rosto deves comer teu pão" não é menos verdadeira que esta: Na luta deves encontrar o teu direito. A partir do momento em que o direito abdica de sua prontidão para a  luta, ele abdica de si mesmo.


Breve análise

Obra do final do século XIX, A luta pelo direito, de Rudolf von Jhering retrata a formulação do conceito de direito para o autor, que construído pelo viés social, é apresentado como dever particular de cada sujeito, como o meio mais plausível de alcançar a justiça.

Embora aponte a dicotomia entre manter a paz e abdicar do direito ou lutar por ele e abraçar a justiça, tendo então, finalmente paz; o autor expressa que é somente pela luta contra as injustiças que o direito se faz.

Apresenta espaço para reflexão sobre o papel de cada um frente à busca por seus direitos, afirmando que a condição de força moral dos indivíduos pode ser estabelecida pela proporção na qual luta para validar, ainda que, por mais particulares sejam, os seus direitos. E, estabelece o conceito de direito, como algo prático, de poder e de luta, retratando de forma ímpar o despertar pelo senso de justiça, que segundo o autor, deve ser uma busca incansável. 

De cunho filosófico, Jhering reconhece em seu texto a essência do direito como o enfrentamento às desigualdades, às injustiças, e até mesmo às micro-violências perpetradas ao longo dos tempos. Em resumo, embora complexo, conceitua direito como a ação de resistência que, exercida pelos indivíduos, deixam a impotência de lado e levantam-se para lutar pelo que lhes é devido, garantido; pois o direito só faz sentido quando se faz exercido, se assim não for, será apenas lei, fadada a perecer por falta de uso.

De linguagem simples, sarcástica por vezes, mas de fácil entendimento, A luta pelo direito é um dos textos mais difundidos de Jhering, tendo íntima relação com a sociologia e de mãos dadas com a filosofia, o texto apresentado na Conferência de 1872 traça um panorama sobre o direito subjetivo, retratando-o como a essência mais pura do direito, capaz de exigir do Estado a manutenção da ordem jurídica.  A sucumbência do direito por parte dos indivíduos é comparada ao suicídio moral; e por outro lado, o exercício do mesmo, talvez em uma visão um tanto quanto romantizada, é comparado a dor do parto, pois o direito, para o autor não nasce sem luta, sem derramamento de sangue; e portanto, para a concretização do direito, Jhering ainda faz alusão ao texto bíblico, Gênesis 3:19, "No suor do teu rosto comerás o teu pão" no qual essa luta deve ser diária e incessante. E, encerra citando Goethe "É a última conclusão da sabedoria: Só merece a liberdade, como a vida, quem tem de ganhá-la todos os dias.", deixando com maestria, forte sensibilização para que se mantenha sempre acesa a chama do senso de justiça e da luta pelo direito, garantindo assim que justiça continue empunhando a espada e equilibrando a balança, apesar da mutabilidade constante no fator social.

Rosilda Silva


Tradução - Fernando Costa Matos. Ano 2015. Editora Saraiva. 72 páginas. 

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