Citações
Contestando a ordem internacional da economia e da
comunicação, o novo sujeito histórico “Terceiro Mundo” traz a público os
múltiplos prolongamentos do desequilíbrio comercial. [99]
A ideia de “multinacionais” daria a impressão que estas
empresas eram ao mesmo tempo a soma de várias nacionalidades e cada
nacionalidade em particular. Em resumo, que elas estavam profundamente
ancoradas no território anfitrião. Ao preferir o termo “empresas
transnacionais”, eles pretendem provocar uma apreciação política
diferente. [99]
A palavra “multinacional” neutraliza o caráter polêmico da
expansão dessas novas unidades do capital supranacional transformando a
economia mundial num mosaico de economias locais. [99]
A empresa é etnocêntrica (ou monocêntrica) quando as filiais
estrangeiras estão estreitamente ligadas à identidade nacional da sede
central. A empresa “geocêntrica” é
aquela cujas filiais estão “fortemente envolvidas na pesquisa de uma estratégia
‘optimal’ numa perspectiva cosmopolita”. A empresa “´policêntrica” tem poucas
filiais no exterior, bem integradas mas com administração descentralizada.
[102-103]
As empresas trasnacionais da comunicação estão entre as
primeiras a conscientizar-se da relação conflituosa entre o local, o nacional e
o transnacional. Atuando no campo ultra-sensível das identidades particulares,
ora se esquivam, ora adaptam-se às mesmas, aprendendo rapidamente a tornar-se
dóceis adeptas do darwinismo. [103]
A segunda geração das redes internacionais aparece nos anos
70. [105]
O crescimento dos mercados internos estabelece novas
relações de força entre os profissionais locais e as agências americanas. [105]
[...] governos começam a baixar uma série de medidas de
contenção das agências estrangeiras em nome da proteção do mercado de emprego,
da preservação da língua e cultura nacionais, e mesmo da moral. [105]
É somente com as “redes globais” dos anos 80 que se dá
início a um plano de conjunto. Esta terceira geração merece de fato o nome de
rede e personagem geoestratégico. [106]
O despertar da consciência planetária
“Os anos 70 marcam uma virada histórica da aproximação
simultânea entre os mecanismos industriais que governam a produção da
informação e da cultura de massa, e a dos desequilíbrios internacionais dos
fluxos e dos intercâmbios. [110]
A ideia básica subjacente à iniciativa no campo das
comunicações é de que existe um “imperialismo cultural” e a situação de
“dependência cultural” que ele ocasiona não é fruto de manipulação ou complô,
mas um fato estrutural. Os efeitos de dominação estão na raiz do princípio do
desequilíbrio dos intercâmbios entre o centro e a periferia. [111]
Em outubro de 1981, na Conferência Norte/Sul em Cancum
(México), o presidente francês afirmou que “o livre mercado não permite nenhum
crescimento a não ser o das empresas multinacionais que criam no Terceiro Mundo
fluxos de riqueza em meio a um oceano de miséria”. [117]
Os países do Terceiro Mundo que podem e querem, criam os
meios para uma política autêntica em matéria de transferência de
tecnologias. [118]
[...] fazem alianças com empresas que aceitam negociar a
transferência de seu know-how em vista de um encaminhamento progressivo rumo à
independência tecnológica da nação.
[118]
“O saber [...] terminará sendo modelado, como sempre
aconteceu, sobre os estoques de informações. Deixar a outros, ou seja, aos
bancos de dados americanos, a tarefa de organizar essa “memória coletiva”,
tornando-se simples cliente seu, equivale a aceitar a alienação cultural; a
formação de banco de dados constitui, portanto, um imperativo da soberania
nacional”. [119]
Em 1968 [...] a comunidade que se reencontra na telinha está
a caminho, [...] de reduzir a zero as ameaças
de guerra, de acabar com a divisão entre militares e civis, e de fazer
progredir a grandes passos todos os territórios não industrializados, como a
China, Índia e África”. [121]
[...] em 1969, a nova “interdependência” provocada pela
“revolução das comunicações”. A “diplomacia da força”, cede lugar à “diplomacia
das redes”. [121]
O conceito de imperialismo torna-se assim insuficiente para
explicar as relações entre os Estados Unidos e as outras nações. Se as coisas são assim, é porque a
superpotência americana tornou-se, ao contrário da outra superpotência atolada
em dificuldades e na penúria, a “primeira sociedade global da história”. [121]
A globalização é, primeiramente, um modelo de administração
de empresas que, respondendo à crescente complexidade do ambiente da
concorrência, procede da criação e da exploração de competências em nível
mundial, objetivando maximizar os lucros e consolidar suas fatias de
mercado. A globalização é, de alguma
maneira, a grade de leitura do mundo própria dos especialistas em administração
e marketing. A palavra de ordem que rege esta lógica empresarial é a
integração. [...] indica uma visão cibernética da organização funcional das
grandes unidades econômicas. [125]
A implicação total do empregado convertido em seu próprio
patrão e marketer, e a elevação do consumidor à qualidade de
“pró-somador” ou “co-produtor” são duas de suas ramificações mais
importantes. [126]
A estratégia da empresa-malha deve ser ao mesmo tempo global
e local. [126]
[...] a adaptabilidade das ferramentas de produção às
demandas particulares graças às tecnologias flexibilizadas permite a produção
de séries mais reduzidas de produtos, e portanto, de sua diferenciação, e
permite acompanhar seu ciclo de vida
cada vez mais curto. [127]
A segmentação do mercado de consumo aumenta na medida do
aperfeiçoamento dos bancos e das bases de dados e de outras técnicas
informatizadas de mapeamento socioeconômico dos públicos-alvos. [128]
Na transição para o modelo de gerenciamento global, a
multiplicação de riscos transformou a função “comunicação” em uma das
ferramentas da gestão estratégica. [128]
A criação de um mercado único de imagens é um dos desafios
da busca de uma cultura dita global.
[133]
A construção destes grupos e redes globais de comunicação
exigiu uma radical desregulamentação das estruturas comunicacionais nacionais,
o que afetou igualmente os sistemas do âmbito do serviço público e do setor do
comércio. [134]
Os dois exemplos clássicos são o grupo brasileiro Globo (o
nome lhe calha bem) e o grupo mexicano Televisa, cujos seriados e telenovelas
são exibidos muito além de seus países de origem. [134]
Como todo produto traduzido em linguagem digital pode
circular em qualquer transportador, operou-se uma convergência nos Estados
Unidos ente operadores de cabo e estúdios de cinema, companhias telefônicas e
grupos de comunicação. [134]
Apostam no poder de digitalização que permite multiplicar as
capacidades de retransmissão dos satélites, ultrapassando as fronteiras
nacionais. [139]
Ao problema da dependência das indústrias da imagem somou-se
rapidamente o das novas redes de informação e dos serviços multimídia. Ao retirar a imagem do reino da indústria do
lazer, as redes digitais projetam-na bem no coração da reorganização dos modos
de produção e de distribuição das sociedades humanas. [140]
Da União Europeia ao GATT; da OMC ao G7. O novo sistema
global da filosofia administrativa fez deslizar o centro da grávida das
negociações internacionais para os fluxos de dados imateriais. Este deslocamento de lugares encobre outro: o
deslocamento da própria definição de “liberdade de expressão”. A liberdade de
expressão dos cidadãos ganha um outro concorrente direto com a “liberdade de
expressão comercial”, apresentada como um novo “direito humano”. Começa-se a
assistir a uma tensão constante entre o “poder do consumidor” e a vontade dos
cidadãos garantida pelas instituições democráticas. [142]
A ideia central é a necessidade de não colocar entraves à
livre concorrência num mercado livre onde indivíduos têm liberdade de escolha.
Ela poder basicamente exprimida assim: “Deixem as pessoas procurarem o que lhes
interessa. Deixem-nas livres para apreciarem o que quiserem. Confiemos em seu
bom senso. A única lei a ser aplicada a um produto cultural deve ser fracasso
ou seu sucesso no mercado”. Daí a
legitimar a subordinação cultural de certos povos e culturas, o que
habitualmente era conhecido até o final dos anos 780 como “imperialismo
cultural” é só um passo, que será dado tão mais rapidamente quanto esta ideia
fizer causa comum com uma outra. A liberdade de expressão comercial, novo eixo
de ordenamento do mundo é, com efeito, indissociável do velho princípio do Free Flow of Information. Além disso, ao
reciclar este princípio, a doutrina da globalização, dá nova legitimidade, em
nome da fluidez da era da informação à concepção, estritamente economista e
anglo-saxônica, de que o copyrigth inclui somente os direitos do produtor,
negligenciando-se assim o direito moral mais que legítimo do autor. [144]
Mascarando as causas das lutas pelo controle da arquitetura
e dos conteúdos das redes de saber, a geopolítica retoma os discursos
messiânicos sobre as virtudes democráticas da tecnologia. [144]
“Dar nome errado às coisas torna o mundo mais infeliz”,
costumava dizer Albert Camus. A globalização é uma destas expressões insidiosas
a integrar o jargão das noções instrumentais que, em virtude das lógicas
mercantis e à revelia dos cidadãos, adquiriram direito de cidadania a ponto de
tornar-se indispensáveis para a comunicação entre pessoas de culturas
diversas. Esta linguagem funcional
constitui um prêt-à-porter ideológico que mascara os desvios da nova ordem
mundial. [149]
[...] surge a ruptura entre sistemas sociais específicos e
um campo econômico unificado, entre culturas singulares e as forças
centralizadoras da “cultura global”.
[149]
Mattelart, Armand. A globalização da comunicação. Tradução
Laureano Pelegrin. 2. Ed. Bauru, SP: EDUSP, 2002.
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