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sexta-feira, 23 de maio de 2014

A transnacionalização e a razão geocêntrica

Citações

Contestando a ordem internacional da economia e da comunicação, o novo sujeito histórico “Terceiro Mundo” traz a público os múltiplos prolongamentos do desequilíbrio comercial.  [99]

A ideia de “multinacionais” daria a impressão que estas empresas eram ao mesmo tempo a soma de várias nacionalidades e cada nacionalidade em particular. Em resumo, que elas estavam profundamente ancoradas no território anfitrião. Ao preferir o termo “empresas transnacionais”, eles pretendem provocar uma apreciação política diferente.  [99]

A palavra “multinacional” neutraliza o caráter polêmico da expansão dessas novas unidades do capital supranacional transformando a economia mundial num mosaico de economias locais.  [99]

A empresa é etnocêntrica (ou monocêntrica) quando as filiais estrangeiras estão estreitamente ligadas à identidade nacional da sede central.  A empresa “geocêntrica” é aquela cujas filiais estão “fortemente envolvidas na pesquisa de uma estratégia ‘optimal’ numa perspectiva cosmopolita”. A empresa “´policêntrica” tem poucas filiais no exterior, bem integradas mas com administração descentralizada. [102-103]


As empresas trasnacionais da comunicação estão entre as primeiras a conscientizar-se da relação conflituosa entre o local, o nacional e o transnacional. Atuando no campo ultra-sensível das identidades particulares, ora se esquivam, ora adaptam-se às mesmas, aprendendo rapidamente a tornar-se dóceis adeptas do darwinismo.  [103]

A segunda geração das redes internacionais aparece nos anos 70.  [105]

O crescimento dos mercados internos estabelece novas relações de força entre os profissionais locais e as agências americanas.  [105]

[...] governos começam a baixar uma série de medidas de contenção das agências estrangeiras em nome da proteção do mercado de emprego, da preservação da língua e cultura nacionais, e mesmo da moral.  [105]

É somente com as “redes globais” dos anos 80 que se dá início a um plano de conjunto. Esta terceira geração merece de fato o nome de rede e personagem geoestratégico.  [106]
O despertar da consciência planetária
“Os anos 70 marcam uma virada histórica da aproximação simultânea entre os mecanismos industriais que governam a produção da informação e da cultura de massa, e a dos desequilíbrios internacionais dos fluxos e dos intercâmbios.   [110]

A ideia básica subjacente à iniciativa no campo das comunicações é de que existe um “imperialismo cultural” e a situação de “dependência cultural” que ele ocasiona não é fruto de manipulação ou complô, mas um fato estrutural. Os efeitos de dominação estão na raiz do princípio do desequilíbrio dos intercâmbios entre o centro e a periferia.  [111]

Em outubro de 1981, na Conferência Norte/Sul em Cancum (México), o presidente francês afirmou que “o livre mercado não permite nenhum crescimento a não ser o das empresas multinacionais que criam no Terceiro Mundo fluxos de riqueza em meio a um oceano de miséria”.  [117]

Os países do Terceiro Mundo que podem e querem, criam os meios para uma política autêntica em matéria de transferência de tecnologias.  [118]

[...] fazem alianças com empresas que aceitam negociar a transferência de seu know-how em vista de um encaminhamento progressivo rumo à independência tecnológica da nação.  [118]

“O saber [...] terminará sendo modelado, como sempre aconteceu, sobre os estoques de informações. Deixar a outros, ou seja, aos bancos de dados americanos, a tarefa de organizar essa “memória coletiva”, tornando-se simples cliente seu, equivale a aceitar a alienação cultural; a formação de banco de dados constitui, portanto, um imperativo da soberania nacional”.  [119]

Em 1968 [...] a comunidade que se reencontra na telinha está a caminho, [...] de reduzir a zero as ameaças  de guerra, de acabar com a divisão entre militares e civis, e de fazer progredir a grandes passos todos os territórios não industrializados, como a China, Índia e África”.  [121]

[...] em 1969, a nova “interdependência” provocada pela “revolução das comunicações”. A “diplomacia da força”, cede lugar à “diplomacia das redes”.  [121]

O conceito de imperialismo torna-se assim insuficiente para explicar as relações entre os Estados Unidos e as outras nações.  Se as coisas são assim, é porque a superpotência americana tornou-se, ao contrário da outra superpotência atolada em dificuldades e na penúria, a “primeira sociedade global da história”.    [121]

A globalização é, primeiramente, um modelo de administração de empresas que, respondendo à crescente complexidade do ambiente da concorrência, procede da criação e da exploração de competências em nível mundial, objetivando maximizar os lucros e consolidar suas fatias de mercado.  A globalização é, de alguma maneira, a grade de leitura do mundo própria dos especialistas em administração e marketing. A palavra de ordem que rege esta lógica empresarial é a integração. [...] indica uma visão cibernética da organização funcional das grandes unidades econômicas.  [125]

A implicação total do empregado convertido em seu próprio patrão e marketer,  e a elevação do consumidor à qualidade de “pró-somador” ou “co-produtor” são duas de suas ramificações mais importantes.  [126]

A estratégia da empresa-malha deve ser ao mesmo tempo global e local.  [126]

[...] a adaptabilidade das ferramentas de produção às demandas particulares graças às tecnologias flexibilizadas permite a produção de séries mais reduzidas de produtos, e portanto, de sua diferenciação, e permite acompanhar seu ciclo  de vida cada vez mais curto.  [127]

A segmentação do mercado de consumo aumenta na medida do aperfeiçoamento dos bancos e das bases de dados e de outras técnicas informatizadas de mapeamento socioeconômico dos públicos-alvos.  [128]

Na transição para o modelo de gerenciamento global, a multiplicação de riscos transformou a função “comunicação” em uma das ferramentas da gestão estratégica.  [128]

A criação de um mercado único de imagens é um dos desafios da busca de uma cultura dita global.  [133]

A construção destes grupos e redes globais de comunicação exigiu uma radical desregulamentação das estruturas comunicacionais nacionais, o que afetou igualmente os sistemas do âmbito do serviço público e do setor do comércio.  [134]
Os dois exemplos clássicos são o grupo brasileiro Globo (o nome lhe calha bem) e o grupo mexicano Televisa, cujos seriados e telenovelas são exibidos muito além de seus países de origem.  [134]

Como todo produto traduzido em linguagem digital pode circular em qualquer transportador, operou-se uma convergência nos Estados Unidos ente operadores de cabo e estúdios de cinema, companhias telefônicas e grupos de comunicação.  [134]

Apostam no poder de digitalização que permite multiplicar as capacidades de retransmissão dos satélites, ultrapassando as fronteiras nacionais.  [139]

Ao problema da dependência das indústrias da imagem somou-se rapidamente o das novas redes de informação e dos serviços multimídia.  Ao retirar a imagem do reino da indústria do lazer, as redes digitais projetam-na bem no coração da reorganização dos modos de produção e de distribuição das sociedades humanas.  [140]

Da União Europeia ao GATT; da OMC ao G7. O novo sistema global da filosofia administrativa fez deslizar o centro da grávida das negociações internacionais para os fluxos de dados imateriais.  Este deslocamento de lugares encobre outro: o deslocamento da própria definição de “liberdade de expressão”. A liberdade de expressão dos cidadãos ganha um outro concorrente direto com a “liberdade de expressão comercial”, apresentada como um novo “direito humano”. Começa-se a assistir a uma tensão constante entre o “poder do consumidor” e a vontade dos cidadãos garantida pelas instituições democráticas.  [142]

A ideia central é a necessidade de não colocar entraves à livre concorrência num mercado livre onde indivíduos têm liberdade de escolha. Ela poder basicamente exprimida assim: “Deixem as pessoas procurarem o que lhes interessa. Deixem-nas livres para apreciarem o que quiserem. Confiemos em seu bom senso. A única lei a ser aplicada a um produto cultural deve ser fracasso ou seu sucesso no mercado”.  Daí a legitimar a subordinação cultural de certos povos e culturas, o que habitualmente era conhecido até o final dos anos 780 como “imperialismo cultural” é só um passo, que será dado tão mais rapidamente quanto esta ideia fizer causa comum com uma outra. A liberdade de expressão comercial, novo eixo de ordenamento do mundo é, com efeito, indissociável do velho princípio do Free Flow of Information. Além disso, ao reciclar este princípio, a doutrina da globalização, dá nova legitimidade, em nome da fluidez da era da informação à concepção, estritamente economista e anglo-saxônica, de que o copyrigth inclui somente os direitos do produtor, negligenciando-se assim o direito moral mais que legítimo do autor.  [144]

Mascarando as causas das lutas pelo controle da arquitetura e dos conteúdos das redes de saber, a geopolítica retoma os discursos messiânicos sobre as virtudes democráticas da tecnologia. [144]

“Dar nome errado às coisas torna o mundo mais infeliz”, costumava dizer Albert Camus. A globalização é uma destas expressões insidiosas a integrar o jargão das noções instrumentais que, em virtude das lógicas mercantis e à revelia dos cidadãos, adquiriram direito de cidadania a ponto de tornar-se indispensáveis para a comunicação entre pessoas de culturas diversas.  Esta linguagem funcional constitui um prêt-à-porter ideológico que mascara os desvios da nova ordem mundial. [149]

[...] surge a ruptura entre sistemas sociais específicos e um campo econômico unificado, entre culturas singulares e as forças centralizadoras da “cultura global”.  [149]

Mattelart, Armand. A globalização da comunicação. Tradução Laureano Pelegrin. 2. Ed. Bauru, SP: EDUSP, 2002.


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