Quando:
tudo for branco dentro dos olhos; não existir mais a visão e
seus domínios, predomínios; a imagem não valer mil palavras, nem a palavra
valer mil palavras; falar for uma ferramenta de correção política, limpa,
esterilizada; formos todos surdos e nossos ouvidos abrigarem vazios e nossas
orelhas forem pouso para vespas; tivermos os narizes entupidos de cimento, e o
olfato perder suas funções de corporificar o invisível; esgotos e jardins
existirem sem diferença; rosas e urubus exalarem o mesmo perfume; o paladar não
distinguir o travo de um beijo com o de uma fruta verde; nunca mais existir
amargor ou doçura, nunca mais sentir-se sal ou vinagre; o tato não nos der
sobrevida e nossa pele for áspera e dura e as pontas dos dedos nada sentirem além
de si mesmas; o calor do corpo do outro não fizer mais sentido.
Até:
sermos um corpo-máquina perfeito, sem suores, lágrimas e
demais dejetos líquidos e sólidos; fazermos curvas e amor em segurança; não
cairmos, não esbarrarmos, não desculparmo-nos ou perdoarmo-nos; não errarmos
mais as ordens; sermos todos uniformizados pela dor; anestesiados pela
felicidade empacotada dos livros bonitos; árvores serem adeus; desertos
decorarem os arredores dos palácios e palafitas; misérias comporem suas sonatas
em todos, principalmente dentro dos helicópteros; os rios desistirem; erosão,
assoreamento serem palavras tão comuns quanto futebol e dinheiro; geleiras,
tigres, baleias e a poesia serem belezas esquecidas; que qualquer fé,
divindade, mistério, possam ser explicados à luz da razão.
No dia em que:
crianças souberem ioga, natação, judô, inglês,
contabilidade, esculturas em mármore, porque é preciso se preparar para o
futuro; os pais escolherem os filhos em vitrines; viermos com uma etiqueta iso
9000 genética; formos identificados com códigos de barras; não soubermos lidar
com emoções, animalidades, egoísmos; o amor for um tufo de pêlos na garganta;
tudo for amaciado com um comprimido a cada oito horas; o instinto, desejo,
tesão se despedirem cabalmente de nosso corpo; cabermos num palmtop; não lermos
mais os clássicos, as listas de compras, os gibis do Pato Donald; o abraço
inexistir; vasculharem nossas retinas, carteiras, fantasias com scanners de
última geração; o sorriso inexistir; sermos apenas números de identificação e
crédito; a vida inexistir.
Então:
Saberemos exatamente o que estamos fazendo aqui.
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