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sexta-feira, 15 de março de 2013

A IDÉIA DE CULTURA - TERRY EAGLETON


Uma das palavras mais inflacionadas dos últimos tempos, “cultura”
tornou-se um conceito que pode definir as mais diferentes e até contraditórias
idéias. Partindo desse pressuposto, Terry Eagleton, em A idéia de
cultura, procura não só classificar os diferentes usos do conceito, mas também
mostrar que, apesar de seu uso indiscriminado, cultura é uma idéia
extremamente importante para a interpretação do mundo atual, sempre salientando
sua relação com a política.
Depois de uma descrição do desenvolvimento histórico da palavra,
Eagleton coloca-a em três categorias: cultura como civilidade, como identidade
e como algo comercial ou pós-moderno. Ou ainda: como excelência, ethos e
economia (p. 96). No geral, essas categorias correspondem a outros termos já
bem conhecidos: alta cultura (ou Cultura), cultura popular e cultura de massa.
A novidade está na maneira como esses conceitos se inter-relacionam. Na verdade,
Eagleton se refere a essa relação como “guerras culturais”.

Para ele, a cultura como civilidade não é apenas um assunto estético.
A importância do cânone não se deve a um mérito inerente, mas porque
ele é “a pedra de toque da civilidade em geral” (p. 96). É a arte indicando
um refinamento de vida a ser alcançado pela sociedade. Esse sentido de
cultura vem sendo bastante desafiado pelo de cultura como identidade. A
relação entre esses dois sentidos prenuncia o conflito entre estética e antropologia,
“agora não apenas uma rixa acadêmica mas um eixo geopolítico”
(p. 97). Não se trata aqui de diferenças relativas ao Sul e o Norte, ou a
regiões desenvolvidas e subdesenvolvidas, mas principalmente ao Ocidente
e seus Outros. De modo mais geral, as diferenças entre civilização e formas
mais corporativas: “nacionalismo, nativismo, política de identidade, neofascismo,
fundamentalismo religioso, valores da família, tradições comunitárias,
o mundo dos combatentes ecológicos e dos adeptos da New Age
(p. 97). Embora essa classificação possa parecer maniqueísta, o autor lembra
que a batalha travada por esses dois sentidos de cultura tornou-se agora
uma questão global. Por outro lado, os princípios liberais e emancipatórios
que marcam as políticas de identidade estão incluídos também na cultura
como civilidade. Para Eagleton, qualquer emancipação política na época
atual estará de alguma forma em dívida com o iluminismo, “não importa
o quão indignada possa estar a respeito dessa origem” (p. 98).
A cultura pós-moderna ou cosmopolita constitui-se também como
outra ameaça à cultura como civilidade, pois as fronteiras entre a arte de
minoria e seus correlatos de massa ou popular foram progressivamente
erodidas. Paradoxalmente, ocorre cada vez mais uma fusão entre a alta
cultura e a pós-moderna “para proporcionar o ‘dominante’ cultural das sociedades
ocidentais” (p. 105), o que pode ser ilustrado pelo fato de que a
alta cultura é hoje extremamente moldada pelas prioridades capitalistas. Se
a cultura pós-moderna é antielitista, ela também endossa valores conservadores.
Tutelada pelo mercado, a sociedade pode ser tanto liberada quanto
reacionária. A cultura comercial preserva portanto muitos dos valores da
alta cultura, embora os despreze como elitistas. A diferença é que ela consegue
embrulhar esses valores em uma atraente embalagem antielitista enquanto
a alta cultura não.
Eagleton salienta que a disputa entre os três conceitos de cultura
não se restringe ao conflito cosmopolita versus local, ou entre “alta” e “baixa”
cultura ou ainda entre diferentes regiões geográficas, pois esses conceitos
se combinam de diferentes maneiras. No mundo pós-moderno, a cultura
e a vida social voltam a estar estreitamente aliadas na forma da estética da
mercadoria, da espetacularização da política e da centralidade da imagem,
entre outros aspectos. Inicialmente um termo aplicado à percepção cotidiana,
a estética, após haver se tornado especializada para a arte, volta assim
à sua origem mundana.
Mas o principal conflito político entre Cultura e cultura é, como
discutido anteriormente, entre a civilidade ocidental e tudo aquilo com que
ela se defronta, tanto em outros lugares como em seu próprio interior. A
marca maior do conflito está na relação entre um falso universalismo e identidades
específicas, que tendem a se afirmar tanto mais inflexivelmente quanto
mais esse falso universalismo as desrespeitar. “Cada posição, assim, coloca
resolutamente a outra contra a parede.” (p. 121) O que aparentemente está
faltando nessa análise é o fato de que há uma desigualdade de poder nessa
relação que favorece amplamente a chamada civilidade ocidental.
A questão encontra eco em outra passagem do texto, quando o
autor sugere que o pluralismo liberal e o comunitarismo são imagens
refletidas um do outro (p. 182). Como reação defensiva às ações predatórias
do capitalismo, surge uma multidão de culturas fechadas, celebradas
pela ideologia pluralista do capitalismo como uma rica diversidade de
formas de vida. Como aponta Sérgio Bellei, é uma ordem política e econômica
que atualmente promove a diferença como meio de manutenção de
sua hegemonia. Trata-se, mais precisamente, do capitalismo “celebrandose
a si mesmo”.1


 Trad. Sandra Castello Branco. São Paulo: Unesp,
2005. 204 p.
1 BELLEI, Sérgio L. P. Pós-colonialismo: culturas em diálogo. Ilha do Desterro,
Florianópolis, n. 40, p. 117, jan./jun. 2001.
Fonte:  REVISTA LETRAS, CURITIBA, N. 70, P. 333-335, SET./DEZ. 2006. EDITORA UFPR. 335

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