1905 a 1918: a formação do
escritor
Jean-Paul Sartre era filho de
Jean-Baptiste Marie Eymard Sartre, oficial da marinha francesa e de
Anne-Marie Sartre (Nascida Anne Marie Schweitzer). Quando seu filho nasceu,
Jean-Baptiste tinha uma doença crônica adquirida em uma missão na Cochinchina.
Após o nascimento de Jean-Paul, ele sofreu uma recaída e retirou-se com a
família para Thiviers,
sua terra natal, onde morreu em 21 de
setembro de 1906. Jean-Paul,
órfão de pai, e então com 15 meses, muda-se para Meudon com
sua mãe, onde passam a viver na casa de seus avós maternos. O avô de Sartre,
Charles Schweitzer nasceu em uma tradicional família protestante alsaciana da
qual faz parte, entre outros, o famoso missionário Albert Schweitzer, sobrinho de Charles. Ao
fim da guerra franco-prussiana, Charles optou
pela cidadania francesa e tornou-se professor de alemão em Mâcon onde
conheceu e casou-se com Louise Guillemin, de origem católica, com quem teve três
filhos, George, Émile e Anne-Marie.
Após o regresso de Anne-Marie, os
quatro viveram em Meudon até 1911. O pequeno "Poulou", como Jean-Paul era
chamado, dividia o quarto com a mãe. Em seu romance autobiográfico "As
Palavras" (Les Mots) confessa que desde cedo a considerava mais como uma
irmã mais velha do que como mãe. De sua infância ao fim da adolescência,
Sartre vive uma vida tipicamente burguesa, cercado de mimos e proteção. Até
os 10 anos foi educado em casa por seu avô e por alguns preceptores contratados.
Com pouco contato com outras crianças, o menino tornou-se, em suas próprias
palavras, um "Cabotino" e aprendeu a usar
a representação para atrair a atenção dos adultos com sua precocidade.
Sartre conta em "As
Palavras" que escrevia histórias na infância também como uma forma de
mostrar-se precoce. Suas primeiras histórias eram cópias de romances de
aventura, em que apenas alguns nomes eram alterados, mas ainda assim faziam
sucesso entre os familiares. Era incentivado pela mãe, pela avó, pelo tio (que
o presenteou com uma máquina de escrever) e por uma professora, a sra. Picard,
que via nele a vocação de escritor profissional. Aos poucos, o jovem Sartre
passou a encontrar sua verdadeira vocação na escrita.
Apenas seu avô o desencorajava da
escrita e o incentivava a seguir carreira de professor de letras. Sem enxergar
nele o talento que os demais viam, mas conformado com o fato de que seu neto
"tinha a bossa da literatura", incentivou Sartre a tornar-se
professor por profissão e escrever apenas como segunda atividade. Assim,
Sartre atribui ao avô a consolidação de sua vocação de escritor: "Perdido,
aceitei, para obedecer a Karl, a carreira de escritor menor. Em suma, ele me
atirou na literatura pelo cuidado que desprendeu em desviar-me
dela".Em 14 de abril de 1917 sua mãe casa-se
novamente, com Joseph Mancy, que passa a ser co-tutor de Sartre. Livre da
dependência dos pais, Anne-Marie muda-se com Sartre para a casa de Mancy em La Rochelle.
Nesta cidade litorânea, Sartre toma contato pela primeira vez com imigrantes
árabes, chineses e negros. Mais tarde ele reconheceria esse período como a raiz
de seu anticolonialismo e o início do abandono dos valores burgueses.
1921
a 1936: a formação do filósofo
Em 1921 retorna ao Liceu Henri
IV, agora como interno. Encontra Paul Nizan e
os dois tornam-se amigos inseparáveis. De 1922 a 1924, ambos estudam no
curso preparatório do liceu Louis-le-Grand, onde se preparam para o concurso
da École Normale Superieure. Nessa época despertou seu interesse
pela filosofia.
Sua primeira influência importante foi a obra de Henri Bergson.
Em 1924 ingressou
na École Normale Supérieure na mesma turma de Nizan, Daniel Agache
e Raymond Aron. Músico
e ator talentoso e sempre disposto a participar de brincadeiras e eventos
sociais, Sartre torna-se muito popular entre os colegas. Os alunos da
escola se dividem em grupos de afinidades religiosas ("ateus" e
"carolas"), e facções políticas: Socialistas, comunistas,
reacionários, pacifistas. Sartre adere aos ateus e aos pacifistas e
enquanto Aron e Nizan aderem aos círculos socialistas e comunistas e começam a
participar da vida política francesa, Sartre mantém o individualismo e o
desinteresse pela política que conservaria até o fim da Segunda
Guerra. No campo filosófico, além de Bergson, passou a lerNietzsche, Kant, Descartes e Spinoza.
Já na escola começa a desenvolver as primeiras ideias de uma filosofia da
liberdade leiga, da oposição entre os seres e a consciência, do absurdo e
da contingência que ele viria a desenvolver
posteriormente em suas grandes obras filosóficas. Seu principal interesse
filosófico é o indivíduo e a psicologia.
Em 1928 presta o exame
de mestrado e é reprovado. Durante o ano de preparação para a segunda
tentativa, estuda com Nizan e René Maheu na Sorbonne.
Conhece a namorada de Maheu, Simone de Beauvoir que mais tarde se
tornaria sua companheira e colaboradora até o fim da vida. Maheu havia
apelidado Simone de Beauvoir de "Castor", devido à semelhança de seu
nome com Beaver (Castor em inglês) e também "porque ela
trabalhava como um castor". Sartre assume o apelido e passa a
chamá-la de Castor pessoalmente e em todas as cartas que lhe escreveu. Na
segunda tentativa do mestrado, Sartre passa em primeiro lugar, no mesmo ano em
que Beauvoir obtém a segunda colocação.
Sartre e Beauvoir nunca formaram
um casal monogâmico.
Não se casaram e
mantinham uma relação aberta. Sua correspondência é repleta de confidências
sobre suas relações com outros parceiros. Além da relação amorosa, eles tinham
uma grande afinidade intelectual. Beauvoir colaborou com a obra filosófica de
Sartre, revisava seus livros e também se tornou uma das principais filósofas do
movimento existencialista. Sua obra literária também
inclui diversos volumes autobiográficos, que frequentemente relatam o processo
criativo de Sartre e dela mesma.
Entre 1929 e 1931, Sartre presta o
serviço militar e torna-se soldado meteorologista. Escreve
alguns contos e começa a trabalhar em seu primeiro romance, "Factum sur la
contingeance" (Panfleto sobre a contingência), que depois viria a se chamar
"La Nausée" (A náusea). Embora tenha se candidatado ao cargo de
auxiliar de catedrático no Japão,
ele é nomeado professor de filosofia de um liceu em Havre onde permanece
até 1936.
Sartre ainda seria professor em Laon e Paris até 1944, quando abandonou
definitivamente o magistério.
Em 1933, ele é apresentado
à fenomenologia de Husserl por Raymond Aron,
que havia retornado de um período como bolsista do Institut
Français emBerlim.
Percebendo a semelhança dessa corrente à sua própria teoria da contingência,
Sartre fica fascinado e imediatamente começa a estudar a fenomenologia através
de uma obra introdutória. Por sugestão de Aron, candidata-se à mesma bolsa
e, aprovado, permanece em Berlim entre 1933 e1934. Durante esta viagem,
estuda a fundo a obra de Husserl e conhece também a filosofia de Martin Heidegger.
Publica em 1936 o
artigo La Transcendence de l'Égo (A Transcendência do Ego), uma
crítica à teoria do Ego Husserliana que por sua vez se baseava
no Cogito cartesiano. Sartre desafia o conceito de que o ego é um conteúdo
da consciência e afirma que ele está fora da
consciência, no mundo e a consciência se dirige a ele como a qualquer outro
objeto do mundo. Este é um dos primeiros passos para livrar a consciência de
conteúdos e torná-la o "Nada" que mais tarde seria um dos conceitos-chave
do existencialismo. De volta à França, continua a trabalhar nas mesmas ideias e
entre 1935 e 1939 escreve L'Imagination (A
Imaginação), L'Imaginaire (O Imaginário) e Esquisse d'une
théorie des émotions (Esboço de uma teoria das emoções). Volta então suas
pesquisas para Heiddegger e começa a escrever L´Être et le néant (O
ser e o nada).
Em 1938 publica o
romance La Nausée (A náusea)
e a coletânea de contos Le mur (O muro). A náusea apresenta, em forma
de ficção, o tema dacontingência e torna-se seu primeiro
sucesso literário, o que contribui para o início da influência de Sartre na
cultura francesa e no surgimento da moda existencialista que dominou Paris
na década de 1940.
1939
a 1945: a gênese do intelectual engajado
Em 1939 Sartre volta ao
exército francês, servindo na Segunda Guerra Mundial como meteorologista.
Em Nancyé
aprisionado no ano de 1940 pelos alemães,
e permanece na prisão até abril de 1941. De volta a Paris,
alia-se à Resistência Francesa, onde conhece e se
torna amigo de Albert Camus (do qual já conhecia a obra e
sobre quem já havia escrito um ensaio elogioso a respeito do livro O Estrangeiro).
A amizade entre Sartre e Camus perdurará até 1952, quando os dois rompem a
relação publicamente devido à publicação do livro do Camus O Homem
Revoltado no qual Camus ataca criticamente o Stalinismo.
Sartre defendia uma relação de colaboração crítica com o regime da URSS e permitiu a
publicação de uma crítica desastrosa sobre o livro do Camus em sua
revista Les Temps Modernes (crítica esta que Camus respondeu de
maneira extremamente dura) e que foi a gota d´água para o fim da relação de
amizade). Mas até o final da vida Sartre admirará Camus, como ele mesmo
expressa nas entrevistas que teve com Simone de Beauvoir em 1974 - e que ela
publicou postumamente.
Em 1943 publica seu mais
famoso livro filosófico, L'Être et le Néant (O Ser e o
Nada: Ensaio de OntologiaFenomenológica), que condensa todos os conceitos
importantes da primeira fase de seu sistema filosófico.
Sua participação na Resistência
não é aceita por todos, e o filósofo Vladimir Jankélévitch o reprova por
sua "falta de engajamento político" durante a ocupação alemã, e vê em
seus posteriores combates em prol da liberdade uma tentativa de se redimir por
esta atitude.
Em 1945, ele cria e passa a
dirigir junto a Maurice Merleau-Ponty a
revista Les Temps Modernes (Tempos Modernos), onde são tratados
mensalmente os temas referentes à literatura, filosofia e política.
Além das contribuições para a revista, Sartre escreve neste período algumas de
suas obras literárias mais importantes. Sempre encarando a literatura como meio
de expressão legítima de suas crenças filosóficas e políticas, escreve livros e
peças teatrais que
tratam das escolhas que os homens tomam frente às contingências às quais estão
sujeitos. Entre estas obras destacam-se a peça Huis Clos (Entre
quatro paredes) (1945)
e a trilogia Les Chemins de la liberté (Os caminhos da Liberdade)
composta pelos romances L'age de raison (A idade da razão)
(1945), Le Sursis (Sursis) (1947) e Le mort dans
l'âme (Com a morte na alma) (1949).
No período mais prolífico de sua
carreira escreve ainda várias peças de teatro e
ensaios.
Na década de 1950 assume uma
postura política mais atuante, e abraça o comunismo.
Torna-se ativista, e posiciona-se publicamente em defesa da libertação da Argélia do
colonialismo francês. A aproximação do marxismo inaugura
a segunda parte da sua carreira filosófica em que tenta conciliar as ideias
existencialistas de autodeterminação aos princípios marxistas. Por exemplo, a
ideia de que as forças sócio-econômicas, que estão acima do nosso controle
individual, têm o poder de modelar as nossas vidas. Escreve então sua segunda
obra filosófica de grande porte, La Critique de la raison
dialectique (A crítica da razão dialética) (1960), em que defende os
valores humanos presentes no marxismo, e apresenta uma versão alterada do
existencialismo que ele julgava resolver as contradições entre as duas escolas.
Considerado por muitos o símbolo
do intelectual engajado, Sartre adaptava sempre sua ação às suas ideias, e
o fazia sempre como ato político. Em1963 Sartre escreve Les Mots (As palavras,
lançado em 1964), relato autobiográfico que seria sua despedida da literatura.
Após dezenas de obras literárias, ele conclui que a literatura funcionava como
um substituto para o real comprometimento com o mundo. Em 1964 recebe o Nobel de Literatura, que ele recusa pois
segundo ele "nenhum escritor pode ser transformado em instituição".
Morre em 15 de abril de 1980 no Hospital
Broussais (em Paris).
Seu funeral foi acompanhado por mais de 50 000 pessoas. Está enterrado no Cemitério de Montparnasse em Paris.
No mesmo túmulo jaz Simone de Beauvoir.
O
existencialismo de Sartre
Baseado principalmente na fenomenologia de Husserl e
em 'Ser e Tempo' de Heidegger, o existencialismo sartriano procura
explicar todos os aspectos da experiência humana. A maior parte deste projeto
está sistematizada em seus dois grandes livros filosóficos: O ser e o
nada e Crítica da razão dialética.
O
Em-si
É importante postular que a forma
como Sartre entende aquilo que ele batiza de "Em-si", termo
emprestado de Hegel, é diferente daquilo que outros pensadores da existência,
como Heidegger, irão compreender o mesmo campo. Segundo o existencialismo
sartriano, o mundo é povoado de "Em-si". Podemos entender um Em-si
como qualquer objeto existente no mundo e que não é nada além daquilo que é.
Este modo de aparição do ser, que não é o único, é fundamentado em três
características: o ser é, o ser é o que é, o ser é em-si. Estas três
características poderíamos resumir dizendo que este ser é opaco a si mesmo,
absoluta plenitude de ser, retomando, segundo Gerd Bornheim, a idéia de um ser
esférico presente em Parmênides, que não pode ser penetrado por nada externo a
ele. A grosso modo, podemos dizer que possuem o modo de ser do Em-si todos
aqueles objetos , que não possuem consciência, que não se fundam na
alteridade, na presença do outro. Um ser Em-si não tem potencialidades nem
consciência de si ou do mundo. Ele apenas é.
O
Para-si
A consciência humana é um tipo
diferente de ser, por possuir conhecimento a seu próprio respeito e a respeito
do mundo. É uma forma diferente de ser, chamada Para-si.
É o Para-si que faz as relações
temporais e funcionais entre os seres Em-si, e ao fazer isso, constrói um
sentido para o mundo em que vive.
O Para-si não tem uma essência
definida. Ele não é resultado de uma ideia pré-existente. O existencialismo
sartriano desconsidera a existência de um criador que tenha predeterminado a
essência e os fins de cada pessoa. É preciso que o Para-si exista, e durante
essa existência ele define, a cada momento o que é sua essência. Cada pessoa só
tem como essência imutável, aquilo que já viveu. Posso saber que o que fui se
definiu por algumas características ou qualidades, bem como pelos atos que já
realizei, mas tenho a liberdade de mudar minha vida deste momento em diante.
Nada me compete a manter esta essência, que só é conhecida em retrospecto.
Podemos afirmar que meu ser passado é um Em-si, possui uma essência conhecida,
mas essa essência não é predeterminada. Ela só existe no passado. Por isso se
diz no existencialismo que "a existência precede e governa
a essência". Por esta mesma razão cada Para-si tem a liberdade
de fazer de si o que quiser.
Liberdade
em Sartre
Sartre defende que o homem é
livre e responsável por tudo que está à sua volta. Somos inteiramente
responsáveis por nosso passado, nosso presente e nosso futuro. Em Sartre, temos
a ideia de liberdade como uma pena, por assim dizer. "O homem está
condenado a ser livre". Se, como Nietzsche afirmava, já não havia a
existência de um Deus que pudesse justificar os acontecimentos, a ideia de destino,
passava a ser inconcebível, sendo então o homem o único responsável por seus
atos e escolhas. Para Sartre, nossas escolhas são direcionadas por aquilo que
nos aparenta ser o bem, mais especificamente por um engajamento naquilo que
aparenta ser o bem e assim tendo consciência de si mesmo. Em outras palavras,
para o autor, o homem é um ser que "projeta tornar-se Deus".
Segundo o comentário de Artur
Polônio, "se a vida não tem, à partida, um sentido determinado […], não
podemos evitar criar o sentido de nossa própria vida". Assim, "a vida
nos obriga a escolher entre vários caminhos possíveis [mas] nada nos obriga a
escolher uma coisa ou outra". Assim, dentro dessa perspectiva, recorrer a
uma suposta ordem divina representa apenas uma incapacidade de arcar com as próprias
responsabilidades.
Sartre não nega por completo o
determinismo, mas determina o ser humano através da liberdade, não somos,
afinal, livres para não ser livres. Afinal de contas, não é Deus, nem a
natureza, tampouco a sociedade que nos define, que define o que somos por
completo ou nossa conduta. Somos o que queremos ser, o que escolhemos ser; e
sempre poderemos mudar o que somos. o quem irá definir. Os valores morais não
são limites para a liberdade.
Em Paris, sob o domínio alemão,
Sartre pôde utilizar suas referências para a liberdade. Organizava-se a
Resistência Francesa. Sartre desejava participar do movimento, mas agindo a sua
maneira. Não chegou a pegar no fuzil. Sua arma continuava sendo a palavra.
Nesta circunstância, o teatro parecia-lhe o instrumento mais adequado para
atingir o público e transmitir sua mensagem. Assim surgiu a primeira peça
teatral de Sartre, As Moscas, encenada em 1943.
Animado pelo êxito de sua
primeira experiência, em 1945 Sartre volta à cena com a peça Entre Quatro
Paredes, cujos personagens vivem os grandes problemas existenciais que o autor
aborda em sua filosofia.
Limitação
da liberdade
A liberdade dá ao homem o poder
de escolha, mas está sujeita às limitações do próprio homem. Esta autonomia de
escolha é limitada pelas capacidades físicas do ser. Para Sartre, porém, estas
limitações não diminuem a liberdade, pelo contrário, são elas que tornam essa
liberdade possível, porque determinam nossas possibilidades de escolha, e
impõem, na verdade, uma liberdade de eleição da qual não podemos escapar.
A
existência, a responsabilidade e a má-fé
Segundo Raymond Plant, em seu
livro Política, Teologia e História, o argumento de que a essência precede a
existência implica a necessidade de um criador; assim, quando um objeto vai ser
produzido (um martelo, uma caneta, uma máquina), ele obedece a um plano
pré-concebido, que estabelece sua forma, suas principais características e sua
função, ou seja, ele possui um propósito definido, uma essência que define sua
forma e utilidade, e precede a sua existência. Sendo Sartre um representante do
existencialismo ateu, ele defende que há um ser onde essa situação se inverte,
e a existência precede a essência: o ser humano. Assim, seria o próprio homem o
definidor de sua essência, e não Deus, como advogava o existencialismo cristão.
Em sua conferência "O
existencialismo é um humanismo", Sartre afirma que o ser humano é o único
nesta condição; nós existimos antes que nossa essência seja definida. Esse
seria um dos preceitos básicos do Existencialismo. Assim, o autor nega a
existência de uma suposta "essência humana" (pré-concebida), seja ela
boa ou ruim. As nossas escolhas cabem somente a nós mesmos, não havendo, assim,
fator externo que justifique nossas ações. O responsável final pelas ações do
homem é o próprio homem.
Nesse sentido, o existencialismo
sartriano concede importante relevo à responsabilidade: cada escolha carrega
consigo a obrigação de responder pelos próprios atos, um encargo que torna o
homem o único responsável pelas consequências de suas decisões. E cada uma
dessas escolhas provoca mudanças que não podem ser desfeitas, de forma a
modelar o mundo de acordo com seu projeto pessoal. Assim, perante suas
escolhas, o homem não apenas torna-se responsável por si, mas também por toda a
humanidade.
Essa responsabilidade é a causa
da angústia dos existencialistas. Essa angústia decorre da consciência do homem
de que são as suas escolhas que definirão a sua essência, e mais, de que essas
escolhas podem afetar, de forma irreversível, o próprio mundo. A angústia,
portanto, vem da própria consciência da liberdade e da responsabilidade em
usá-la de forma adequada.
Sartre nega, ainda, a suposição
de que haja um propósito universal, um plano ou destino maior, onde seríamos
apenas atores de um roteiro definido. Isto implica a constatação de que apenas
nós mesmos definimos nosso futuro, através de nossa liberdade de escolha.
Porém, Sartre não se restringe em "justificar" a angústia dos
existencialistas, fruto da consciência de sua responsabilidade, mas vai além, e
acusa como má-fé a atitude daqueles que não procedem de tal
forma, renunciando, assim, a própria liberdade.
De acordo com o autor, a má-fé é
uma defesa contra a angústia criada pela consciência da liberdade, mas é uma
defesa equivocada, pois através dela nos afastamos de nosso projeto pessoal, e
caímos no erro de atribuir nossas escolhas a fatores externos, como Deus, os
astros, o destino, ou outro. Nesse sentido, Sartre considerava também a ideia
freudiana de inconsciente como um exemplo de má-fé.
Podemos dizer, então, que para os
existencialistas a má-fé compreendia a mentira para si próprio, sendo
imprescindível para o homem abandonar a má-fé, passando então a condição de ser
consciente e responsável por suas escolhas. Ao fazer isso, o homem passa,
invariavelmente, a viver num estado de angústia, pois deixa de se enganar, mas
em compensação retoma a sua liberdade em seu sentido mais pleno.
Túmulo
de Sartre, onde foi enterrado junto a Beauvoir.
As outras pessoas são
fontes permanentes de contingências. Todas as escolhas de uma pessoa levam à
transformação do mundo para que ele se adapte ao seu projeto. Mas cada pessoa tem
um projeto diferente, e isso faz com que as pessoas entrem em conflito sempre
que os projetos se sobrepõem. Mas Sartre não defende, como muitos pensam,
o solipsismo.
O homem por si só não pode conhecer-se em sua totalidade. Só através dos olhos
de outras pessoas é que alguém consegue se ver como parte do mundo. Sem a
convivência, uma pessoa não pode perceber-se por inteiro. "O ser Para-si
só é Para-si através do outro", ideia que Sartre herdou de Hegel. Cada pessoa, embora não tenha
acesso às consciências das outras pessoas, pode reconhecer neles o que têm de
igual. E cada um precisa desse reconhecimento. Por mim mesmo, não tenho acesso
à minha essência, sou um eterno "tornar-me", um "vir-a-ser"
que nunca se completa. Só através dos olhos dos outros posso ter acesso à minha
própria essência, ainda que temporária. Só a convivência é capaz de me dar a
certeza de que estou fazendo as escolhas que desejo. Daí vem a ideia de que
"o inferno são os outros", ou seja, embora sejam eles que
impossibilitem a concretização de meus projetos, colocando-se sempre no meu
caminho, não posso evitar sua convivência. Sem eles o próprio projeto
fundamental não faria sentido.
Críticas
ao existencialismo sartriano
O existencialismo ateu de
Sartre, por sua natureza avessa aos dogmas da igreja e da
moral constituída, atraiu muitos grupos que viam na defesa da liberdade e da
vida autêntica um endosso à vida desregrada - obviamente, por um erro na
compreensão do que há de essencial na concepção de liberdade elaborada pelo
filósofo francês. Por razões semelhantes foi vista por muitos como uma
filosofia nociva aos valores da sociedade e à manutenção da ordem. Seria uma
filosofia contra a humanidade. Esta é uma das razões porque toda a obra de
Sartre foi incluída no Index de obras proibidas pela Igreja
Católica.
Sartre responde a isso na
conferência "O existencialismo é um humanismo"
em que afirma que o existencialismo não pode ser refúgio para os que procuram o
escândalo, a inconsequência e a desordem. O movimento, segundo este texto, não
defende o abandono da moral, mas a coloca em seu devido lugar: na
responsabilidade individual de cada pessoa. O existencialismo reconhece, assim,
a possibilidade de uma moral laica em que os valores humanos existem sem a necessidade
da existência de Deus. A moral existencialista pretende que as escolhas morais
não sejam determinadas pelo medo da punição divina, mas pela consciência da
responsabilidade.
No meio acadêmico, o
existencialismo foi criticado por tratar exclusivamente de questões ontológicas,
e por sua defesa da autodeterminação. O existencialismo seria uma filosofia
excessivamente preocupada com o indivíduo, sem levar em conta os fatores sócio-econômicos,
culturais e os movimentos históricos coletivos que, segundo o marxismo e o estruturalismo,
determinam as escolhas e diminuem a liberdade individual.
Em resposta a esta crítica,
Sartre fez alterações ao seu sistema, e escreveu "A crítica da razão
dialética" como tentativa de compatibilizar o existencialismo ao marxismo.
Dos dois tomos planejados, apenas o primeiro foi publicado em vida em 1960. O
segundo tomo, inacabado, foi publicado postumamente. Neste texto, afirma que
"o marxismo é a filosofia insuperável de nosso tempo", e admite que
enquanto a humanidade estiver limitada por leis de mercado e pela busca da
sobrevivência imediata, a liberdade individual não poderia ser totalmente
alcançada.
Não se pode negar sua duradoura
influência sobre os mais variados ramos do conhecimento humano. Por ser muito
voltado à discussão de aspectos formadores da personalidade humana, o
existencialismo exerceu influência na psicologia de Carl Rogers, Fritz Perls, R. D. Laing e Rollo May.
Na literatura, influenciou a poesia da Geração Beat,
cujos maiores expoentes foram Jack Kerouac, Allen Ginsberg e William S. Burroughs, além dos dramaturgos
do chamado Teatro do absurdo. Sartre prova sua relevância
até na TV contemporânea, onde o cultuado produtor Joss Whedon costuma
inserir o existencialismo em seus projetos Buffy, a Caça Vampiros, Angel e Firefly -
o que, através da repetição descontextualizada dos jargões existencialistas,
acaba por contribuir para a incompreensão e reforça preconceitos já existentes.
Através de suas contribuições à arte, Sartre conseguiu inserir a filosofia na
vida das pessoas comuns. Esta continua a ser sua maior contribuição à cultura mundial.
Fonte: Wikepédia
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