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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

De retirantes a amantes - Aluno: Eduardo Carneiro Freire

Defronte a minha casinha de taipa eu via se perder na imensidão da areia da caatinga
o azul do céu, misturando aos poucos pés de caju, uma mistura feita de cores sob o sol
abrasador, daquele sertão tão seco.
Isso aconteceu nas eras de 50, quando a seca castigava sem pena e sem dó o nosso povo.
Saímos de lá pelas “varedas”, arrudiados de paus secos, onde os jumentos abriam caminhos
por entre os xiquexiques já amarelados pelo sol escaldante, onde o único verde que
restava era um juazeiro, sob o qual colocamos nossos objetos, armamos nossas redes encardidas
e sujas por não ter água para lavar.
Ali naquele descanso meu pai abriu um pote de barro com farinha e rapadura, que comíamos
com uma gula infinita. Meu pai regrava a comida, lembrando-se dos dias vindouros.
Éramos os chamados retirantes que na estrada sem fim, de poeira e terra seca, encontrávamos
outros que iam e vinham em busca de uma vida mais farta.
Em meio aos jumentos, cangalhos, caçuás (espécie de bolsa de couro que os animais
carregam) e traçalheiras, vi um rosto triste, mas de olhos grandes e pretos, como a graúna
(que já não existia mais no sertão). Era meu amor, que encontrei diante de tanta miséria.
Conseguimos enfim nos salvar daquela seca medonha e nos casar quando a chuva chegou.
Nosso amor não era seco como nos tempos passados, era meloso como o mel que a
jandaíra (abelha) fazia nos galhos da umburana que ficava no terreiro da nossa casa, também
de taipa, com redes limpinhas, vasilhas de barro e fogão a lenha. Os bancos de madeira
que ficavam em frente a minha casa serviam para as vizinhas sentarem e prosearem durante
a noite ou nas debulhas de feijão. A água limpa do pote servia para matar a sede da
boca adoçada pelo doce de gergelim com canela. O cheiro do café da madrugada envolvia
o sertão com um aroma gostoso, que convidava os vaqueiros a se apearem dos cavalos e se
deliciarem ao nascer do sol.

Hoje tudo é diferente... ninguém mora mais em casas de taipas, ninguém vê a seca
como um inimigo, ninguém encontra um amor em meio ao vai e vem de retirantes.
O casamento não dura mais para sempre, pois hoje as pessoas não dizem mais que vão
casar, dizem que vão “ficar”.
Tudo diferente da minha mocidade.
Sozinho, morando na casa de outros, sinto uma saudade... uma saudade sem fim. Meu
amor já se foi... meu ranchinho continua em pé lá no sertão, como também o pé de umburana
no terreiro, quem sabe, esperando novos retirantes, para fazer uma jura de amor
eterno, igual ao que eu vivi.

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Maria Isaura da Costa, 75 anos.)

Professora: Maria Giselia Bezerra Gomes
Escola: E. M. E. F. Urcesina Moura Cantidio • Cidade: Alto Santo – CE

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