Total de visualizações de página

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Com os olhos do coração - Aluna: Nicole Aparecida Andrade da Silva

Dizem que os olhos são o espelho da alma. Fora as rugas do meu rosto, são os meus
olhos que trazem de volta de forma quase mágica, setenta e seis anos de um passado cheio
de alegria, tristeza e luta.
Sou Maria, não uma Maria “cheia de graça”, mas cheia de história!
Nasci no interior de São Paulo, em Santo Antônio do Pinhal. Passei a minha vida inteira
em um bairro chamado Renópolis, que hoje traz poucos vestígios do passado, exceto as
estradas de terra, que trazem de volta, no cheiro da poeira, meus tempos de outrora.
Nasci em uma família humilde de oito irmãos. Fui uma criança que teve mais trabalho que
diversão. Naquele tempo, os meninos aprendiam desde cedo a trabalhar na roça, e as meninas,
a cuidar dos deveres de casa. Lembro-me, como se fosse hoje, de que, com apenas dez
anos, eu subia em um banquinho de madeira feito pelo meu pai para alcançar o fogão a lenha
e fazer o almoço para meus pais que vinham famintos da nossa plantação de verduras e frutas.
Acreditem, naquela idade eu já lavava a roupa da família inteira à beira do rio, que era
o ponto de encontro de todas as lavadeiras do bairro. Naquela época, as águas eram tão
cristalinas que conseguiam refletir a imagem perfeita da menina franzina que eu era. Hoje,
o mesmo rio, que lavava a minha alma cheia de sonhos, já quase não existe mais, vítima do
descuido e da erosão causada pelos moradores.
Que tempos aqueles! Sinto saudade das brincadeiras entre mim e meus irmãos, ao cair
da tarde e início da noite, onde o cenário perfeito para nossa imaginação era a nossa casa
de barro, o céu e a luz da lua. Era assim que nossa infância era iluminada, pois a luz elétrica
ainda era um sonho distante.
Enquanto brincávamos minha mãe preparava, com mãos de fada e à luz de lamparinas
– lâmpada com pavio abastecido com querosene –, o delicioso doce de goiaba com
frutas colhidas de nossa própria plantação. Aquilo era fruto proibido para nós, porque era
com o dinheiro da venda que a minha mãe comprava sapatos e tecidos para fazer nossas
roupas. Para as meninas, ela comprava a chita – tecido simples, barato e extremamente colorido, que atualmente é usado em festas juninas e carnavais. Era um pouco transparente,
e lembro que isso me incomodava.
E foi nessa explosão de cores que nasceu uma nova Maria, a menina que trocou as
bonecas de pano pelo brilho do rouge e do batom cor de carmim – maquiagem muito usada
no meu tempo de mocinha.
Casei-me muito cedo, pois naquela época as meninas já nasciam com um único destino –
casar e ter filhos. E muitos filhos! E por isso muitas não estudavam e poucas aprendiam a escrever
o nome. É, os tempos mudaram! Hoje as moças se casam com a idade em que eu já era avó.
E foi assim que Deus me deu seis filhos, dos quais cuidei como pedras preciosas na
mesma terra onde nasci. Passei por muitos apuros. Depois de um dia inteiro de trabalho na
roça, passei muitas noites em claro bordando blusas de lã para vender em Campos do
Jordão – cidade turística de clima muito frio. Meu Deus, eu ia a pé, já que o meu bairro fica
próximo a essa cidade. Tudo isso para economizar o dinheiro do bondinho, trem que até
hoje faz o mesmo percurso e cujo preço da passagem era bem “salgado” – como chamávamos,
naquele tempo, o preço alto.
Graças ao meu amor de mãe, que não poupou nenhum tipo de sacrifício, formei duas
filhas professoras. Que orgulho! Antigamente, ser professora era uma profissão de destaque.
Não é como hoje, uma profissão tão desvalorizada.
Mas, infelizmente, a vida e o tempo nos dão bens preciosos e permitem que os percamos
também. Há dezessete anos, perdi um dos meus orgulhos, a Vera – minha filha mais
velha. Acho que enterrei com ela uma parte do meu passado, e, como consequência do
meu sofrimento, perdi a visão, resultado de uma diabetes emocional.
Hoje o mundo me parece obscuro, muito do que fui já não existe mais. Da minha janela,
viajo no tempo. Sinto o cheiro da poeira e de tudo o que plantei neste chão!
E é assim que consigo ser feliz de novo, porque passei a enxergar a vida com os olhos
do coração!

(Texto baseado na entrevista feita com a sra. Maria José dos Santos, 76 anos.)
Professora: Tânia Cristina Ribeiro
Escola: E. M. Prefeito Noé Alves Ferreira • Cidade: Santo Antônio do Pinhal – SP

Nenhum comentário: