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domingo, 27 de fevereiro de 2011

O Lobisomem da praia - Cássio Poetta

Antes mesmo do sol raiar folgava em sua rede aquele homem que por hora deixava de ser bicho. A lua cheia jpa se esvaia por detrás dos arbustos e fúlgidos raios de sol tingiam de púrpura aquele inusitado arrebol.  Uma dor de dente pavorosa o consumia naquela noite, ele intentou se lançar ao pescoço róseo da donzela vizinha mas errou o alvo e foi num tronco durro de aroreira que suas presas penetraram.  Metaforseava-se naqueles instantes e já sumiam dele os últimos pelos de lobo em seus braços.  A dor de dente continuava, mas certamente não se devia ao arremessado bote frustado e sim a uma cárie dentária mal cuidada.  Aprendera desde cedo com seu tio-avô que um ossinho de morcego bem guardado entre cinzas de farinha podre era ótimo remedinho.  Tratou logo de buscá-lo na prateleira suja de seu armário.  Triste sina, esta metamorfose em noites de luas cheias, isto era obra do esquecimento do batizado dele. Quando menino ainda, o padre designado para seu batizado deixou água de mulher parida pingar em sua pia batismal e o desastre foi marcado em seu destino.  Quando sua metamorfose acontecia ele pressentindo já corria para a mata e lá uivava por horas e dirrissava toda vegetação rasteira em rodopios sem fim.  Era um desassossego todas aquelas noites.  Só as viúvas rezadeiras do povoado em suas preces conseguiam fazê-lo se aquietar.  Uma sede de atacar moças recatadas e sem pai era dentro dele voraz. 
Nesta última noite em que deu com as presas na aroeira era a menina das tranças vermelhas.  Esta moça cujo pai se foi para Sun Paulo antes mesmo dela nascer andava meio que nas pontas dos pés, batendo sempre um joelho no outro e foi justamente a batida que a salvou da investida dele.  Ela tropeçou no momento exato em que ele se arremessou sobre ela.  Durante os de luas mutantes antes da cheia ele se apaixonava por uma ou outra e quando a lua se fazia volumosa e a metamorfose chegava nele, assim, era tragado pelos seus desejos soturnos e não se continha na perseguição.  Quando voltava a si e os pelos de lobo sumiam de seu corpo, se arrependia em vão. As recordações dessas noites malditas eram para ele como um pesadelo.  Tudo faria para remover de si a malfadada sina.  Sina é destino imutável e não haveria como livrar -se.  Pensou num determinado tempo em sumir para um lugar deserto longe de toda gente e evitar um possível mal que porventura poderia fazer as pobres donzelas atacadas por ele.  O fato mais intrigante é que em toda a sua vida só conseguira abater uma só presa.


(Por conta do sono que vem chegando, divido a história em duas partes - o autor que me perdôe - aguardem a segunda em breve)

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