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domingo, 28 de abril de 2013

Saber e sofrer - Marcia Tiburi



Dizer que o conhecimento faz sofrer tornou-se habitual. O sofrimento foi ligado à filosofia e à literatura a ponto de que não podemos imaginar um filósofo, ou alguém com cara de sábio em meio a livros, pulando carnaval ou curtindo uma piscina. Isso é um mito. Os filósofos e os escritores são ainda hoje constantemente vistos como pessoas que sofrem por conhecerem a alma humana em sua profundidade inacessível aos demais. Não quer dizer que conheçam a alma, nem que haja nela uma profundidade inacessível. Isto é apenas possível. É, sobretudo, uma crença compartilhada e, como tal, organiza nossa visão de muitas coisas. Nunca saberemos se os filósofos antigos eram todos sofredores, nem se conheciam a alma humana. Sabemos apenas que deixaram seu testemunho, no qual confiamos e com os quais devemos discutir hoje para entender o nosso tempo.

Muitos dos pensadores contribuíram com esta imagem tratando o sofrimento como seu objeto de estudos, como Schopenhauer no século XIX. Outros fizeram de seu próprio sofrimento o objeto de suas filosofias, como Pascal no século XVII. Todos tentaram entender a relação entre conhecimento e sofrimento. Dos antigos, Aristóteles, por exemplo, usou um termo de Hipócrates, a melancolia, para explicar a relação do saber com o sofrimento. Tanto para o filósofo, quanto para o médico, a melancolia era um temperamento que explicava, inclusive, a inclinação intelectual de uma pessoa. Além de elucidar o pêndulo entre a loucura e genialidade que caracterizava alguns indivíduos.

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Vestida de Fogo - Rosilda da Silva


Saudade é a presença de uma ausência que não queremos longe da gente, pois a alma humana é essencialmente ativa e por isso propensa à partilhas. É o partilhar de uma dança com o outro, ou da música com a alma liberando sensações que fazem os olhos brilhar. Partilham-se fragilidades, sensibilidades e liberdades.
Saudade é a falta que dói, como um espinho furando o peito,  querendo trazer pelo buraquinho que ficou aquele quase nada, que uma enorme diferença faz.  Saudade é também aquele momento em que percebemos que não importa o que acontece do lado de fora, pois o mundo mora dentro da gente.  Traz registros e digitais que só o lirismo entende  e que o mundo de fora jamais compreenderá.
A minha saudade não é o frio "to miss" porque eu sou mais quente que isso.  A minha  saudade não é branquinha, pois sou pele vermelha. Mas, minha saudade é faceira porque se inquieta; é matreira porque inventa subterfúgios; é perversa porque quer o que não lhe pertence e é de leite porque alimenta meus deleites. (Semi-desnatado, por favor)!  
Aliás, que "saudade" de deitar em meus deleites e cadenciar meus prazeres...  

Indicações Bibliográficas - Disciplina de Patrimônio Cultural e Cidadania I



ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (Orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003.
ALBUQUERQUE, J.A.G. Michel Foucault e a teoria do poder. Tempo social, Rev.Sociol.USP. São Paulo, v.7, p. 105-110, out 1995.

AGENDA 21 da cultura: um compromisso das cidades e dos governos locais para o desenvolvimento cultural. Disponível em acesso em 10 mar. 2009.

ARANTES, Antônio Augusto (org.). Produzindo o passado: estratégias de construção do patrimônio cultural. São Paulo: Brasiliense, 1984.

BENS MÓVEIS E IMÓVEIS INSCRITOS NO LIVRO TOMBO DO IPHAN.
TOMBAMENTO. Uma iniciativa para proteger. Governo do Estado de Santa Catarina, 2002.

BITTENCOURT, José. Cultura Material, museus e história: algumas considerações sobre um debate que não é tão intenso quanto deveria ser...In: http://www.itcs.utrj.br/~humanas/0029.htm.

BOURDIEU, Pierre. O Poder simbólico. Rio de Janeiro: DIFEL, 1989.

BURKE, Peter. Variedades de História Cultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

__________. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

segunda-feira, 22 de abril de 2013

A perversão de Michel Foucault - Por Roger Kimball (Tradução de Humberto Campolina)



“Embora seja difícil, ou até impossível, representar a vida de um homem inteiramente sem máculas e livre de culpas, devemos utilizar os melhores capítulos para construir o mais completo retrato e cuidar para que isso se torne um real esboço. Alguns erros ou crimes, por outro lado, que podem macular a carreira de um homem e que teriam sido cometidos por paixão ou necessidade política, devemos observar que foram perpetrados mais por lapso de alguma virtude do que em decorrência de um inato vício. Não devemos enfatizar isso em nossa história, e devemos mostrar um pouco de indulgência pela inabilidade humana em produzir um caráter absolutamente bom e dedicado à virtude.” (Plutarco, Vida de Cimon)
“Eu não tenho duvidas de que qualquer coisa que alguém escreve, o faz com o objetivo de se esconder. Não pergunte quem eu sou e não me peça para fazer o mesmo: deixe para os burocratas e a polícia procurarem saber para quê servem nossos escritos.” (Michel Foucault, em 
A Arqueologia do Saber)

domingo, 21 de abril de 2013

COMO REGISTRAR SEU TEXTO


Diferente do que muitos escritores supõem assegurar o direito sobre uma obra, não é caro e nem complicado.

O registro em um cartório não é a maneira correta, só quem pode executar esse registro é aBiblioteca Nacional, cuja sede fica no estado do Rio de Janeiro. Não é necessário ir até lá para conseguir o registro, ele pode ser enviado de maneira bastante segura, pelo correio. Basta seguir os seguintes passos:

·        Consulte o ÍNDICE DE GÊNEROS e veja com classificar sua obra – consulte a tabela a baixo, ou - http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/tabela.pdf

·        Imprima e preencha REQUERIMENTO PARA REGISTRO OU AVERBAÇÃO (pode ser a caneta) - http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/FORMULARIODEREQUERIMENTO.pdf

·        Consulte a tabela de preços atualizada -http://www.bn.br/portal/arquivos/pdf/tabela.pdf]

terça-feira, 16 de abril de 2013

Agradecimento...

Meu muito obrigada à Mariângela Dias Franco Mira e Sérgio Luiz  Mira pelas correspondências cedidas desde o ano de 1972 até 1978, que serão analisadas na minha pesquisa de mestrado.
Vocês são maravilhosos.

Pátria Madrasta Vil - Clarice Zeitel Vianna Silva

Onde já viu tanto excesso de falta?
Abundância de inexistência...
Exagero de escassez...
Contraditórios?
Então aí está!
O novo nome do nosso país!
Não pode haver sinônimo melhor para BRASIL.
Porque o Brasil nada mais é do que o excesso de falta de caráter, a abundância de inexistência de solidariedade, o exagero de escassez de responsabilidade.
O Brasil nada mais é do que uma combinação mal engendrada e friamente sistematizada de contradições.
Há quem diga que 'dos filhos deste solo és mãe gentil', mas eu digo que não é gentil e, muito menos, mãe.
Pela definição que eu conheço de MÃE, o Brasil, está mais para madrasta vil.
A minha mãe não 'tapa o sol com a peneira.'
Não me daria, por exemplo, um lugar na universidade sem ter-me dado uma bela formação básica.
E mesmo há 200 anos não me aboliria da escravidão se soubesse que me restaria a liberdade apenas para morrer de fome. Porque minha mãe não iria querer me enganar, iludir.
Ela me daria um verdadeiro Pacote que fosse efetivo na resolução do problema, e que contivesse educação + liberdade + igualdade. Ela sabe que de nada me adianta ter educação pela metade, ou tê-la pela metade, ou tê-la aprisionada pela falta de oportunidade, pela falta de escolha, acorrentada pela minha voz-nada-ativa.
A minha mãe sabe que eu só vou crescer se a minha educação gerar liberdade e esta, por fim, igualdade.
Uma segue a outra...
Sem nenhuma contradição!
É disso que o Brasil precisa: mudanças estruturais, revolucionárias, que quebrem esse sistema-esquema social montado; mudanças que não sejam hipócritas, mudanças que transformem!

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Viagem Para Dentro de Si


Hoje existem edifícios mais altos e estradas mais largas, porém temperamentos pequenos e pontos de vista mais estreitos.

Gastamos mais, porém desfrutamos menos.

Temos casas maiores, porém famílias menores.

Temos mais compromissos, porém menos tempo.

Temos mais conhecimentos, porém menos discernimento.

Temos mais remédios, porém menos saúde.

Multiplicamos nossos bens, porém reduzimos nossos valores.

É tempo de mais liberdade, porém de menos alegrias...

Utopia - Thomas Morus

Citações


Utopia – Thomas Morus


Se tantos pensam em roubar, mesmo com o risco do encarceramento, que autoridade, que terror irá reter esses malfeitores quando estiverem seguros de ter suas vidas a salvo?
Sexto Mandamento
Se for possível infringir a lei divina na questão do roubo, então é preciso pensar quanto à legalidade da pena de morte, do adultério...

55 - Um médico muito ruim é aquele que não consegue curar uma doença sem infringir outra.


62 – Veem-se, inevitavelmente, ricos ocupando cargos que deveriam se de homens competentes.

107 – Roubar o prazer de outrem ao buscar o seu é verdadeiramente um injustiça, enquanto privar-se de algo em favor de outrem é verdadeiramente um ato humano e generoso... A alma obtém assim mais alegria que o corpo teria encontrado o objeto que renunciou.

112 – Prazer verdadeiro (1ª espécie) = evacuar tudo o que nosso corpo contém em excesso, aliviar pruridos, coçando-os.

Prazer de 2ª espécie = repouso e equilíbrio do corpo.

Prazer imenso, de mais alto grau = saúde.

140 – Na hora decisiva, o excesso de medo faz nascer o heroísmo.

141 – A liberdade de espírito eleva o homem acima de si mesmo e lhe faz recusar a derrota.

* Brincadeiras ou comportamentos pueris.
Correr o risco de se equivocar para construir conhecimentos.

Sem má intenção, apenas para pôr à prova sua inteligência e presença de espírito.

A sabedoria é o conhecimento das coisas que não se perde facilmente depois de adquiridas.

Vale lembrar que devemos lutar com todas as forças para que a coragem de nossos jovens não se entorpeça na ociosidade e abandone seu espírito provocador, pois, com efeito, “são as grandes perguntas que movem o mundo”.


Quem ama literatura não estuda literatura – Joel Rufino dos Santos (literatura, história e crítica)


Citações

Algumas vezes encontramos alunos muito mais sábios que professores; o que lhes falta é alguém que os oriente na busca das perguntas para as respostas que já presumem ter, pois “são as perguntas que movem o mundo”.

12 – professor é o aluno que não quis sair da escola.

13 – literatura, a arte de provocar com palavras o gozo de fingir que se sofre.

14 – amar literatura é um vício, o do gozo fingido.

21 – não existe ser humano sem arte, porque toda pessoa desde o  berço até o túmulo procura sensações agradáveis.

27 – num texto literário a forma se torna esteticamente válida na medida em que pode ser vista e compreendida segundo multíplices  perspectivas manifestando riquezas de aspectos e ressonâncias, sem deixar de ser jamais ela própria... A literatura é fechada na sua forma e aberta na sua fruição.

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte final


SOBRE A HISTÓRIA DA SEXUALIDADE

Alam Grosrichard:

Abordemos a História da Sexualidade, de que conhecemos o primeiro volume e que, pelo que você
anuncia, deve ter seis.

Michel Foucault:

Gostaria primeiro de dizer que estou realmente contente em estar aqui com vocês. Foi um pouco
por isso que dei esta forma a este livro. Até o momento, eu havia empacotado as coisas, não havia
economizado citações, referências e havia publicado tijolos um pouco pesados, que quase nunca
obtiveram resposta. Daí a idéia deste livro-programa, tipo queijo gruyère, cheio de buracos para
que neles possamos nos alojar. Não quis dizer "Eis o que penso", pois ainda não estou muito
seguro quanto ao que formulei. Mas quis ver se aquilo podia ser dito e até que ponto podia ser dito.
Certamente, há o risco disto ser muito decepcionante para vocês. O que existe de incerto no que
escrevi é certamente incerto. Não há artifícios; não há retóricas. E não estou certo quanto ao que
escreverei nos próximos volumes. Por isso queria saber qual foi o efeito produzido por este
discurso hipotético, geral. Acho que é a primeira vez que encontro pessoas que querem participar
do jogo que proponho em meu livro.

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 13


NÃO AO SEXO REI

Bernard Henri-Lévy:

Você inaugura, com A Vontade de Saber, uma história da sexualidade que, ao que tudo indica, é
monumental. O que justifica hoje, para você, Michel Foucault, um empreendimento de tal
amplitude?

Michel Foucault:

De tal amplitude? Não, não, muito mais de tal exiguidade. Não quero fazer a crônica dos
comportamentos sexuais através das épocas e das civilizações. Quero seguir um fio muito mais
tênue: o fio que, em nossas sociedades, durante tantos séculos ligou o sexo e a procura da
verdade.

B.H. -L.:
Em que sentido precisamente?

M.F.:

O problema é o seguinte: como se explica que, em uma sociedade como a nossa, a sexualidade
não seja simplesmente aquilo que permita a reprodução da espécie, da família, dos indivíduos?
Não seja simplesmente alguma coisa que dê prazer e gozo? Como é possível que ela tenha sido
considerada como o lugar privilegiado em que nossa "verdade" profunda ê lida, é dita? Pois o
essencial é que, a partir do cristianismo, o Ocidente não parou de dizer "Para saber quem és,
conheças teu sexo". O sexo sempre foi o núcleo onde se aloja, juntamente com o devir de nossa
espécie, nossa "verdade" de sujeito humano.

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 12


O OLHO DO PODER


Jean-Pierre Barou:

O Panopticon de Jeremy Bentham foi editado no final do século XVIII, mas continuou
desconhecido; entretanto, você escreveu frases surpreendentes a seu respeito, como: "Um
acontecimento na história do espírito humano", "Um tipo de ovo de Colombo na ordem da política".
Quanto a seu autor, Jeremy Bentham, um jurista inglês, você o apresentou como o "Fourier de uma
sociedade policial"1 . Para nós, o mistério é total. Como você descobriu o Panopticon?

Michel Foucault:

Estudando as origens da medicina clínica; eu havia pensado em fazer um estudo sobre a
arquitetura hospitalar na segunda metade do século XVIII, época do grande movimento de reforma
das instituições médicas. Eu queria saber como o olhar médico havia se institucionalizado; como
ele se havia inscrito efetivamente no espaço social; como a nova forma hospitalar era ao mesmo
tempo o efeito e o suporte de um novo tipo de olhar. E, examinando os diferentes projetos
arquitetônicos elaborados depois do segundo incêndio do HôteI-Dieu, em 1772, percebi até que
ponto o problema da visibilidade total dos corpos, dos indivíduos e das coisas para um olhar
centralizado havia sido um dos princípios diretores mais constantes. No caso dos hospitais, este
problema apresentava uma dificuldade suplementar: era preciso evitar os contatos, os contágios,
as proximidades e os amontoamento, garantindo a ventilação e a circulação do ar: ao mesmo
tempo dividir o espaço e deixá-lo aberto, assegurar uma vigilância que fosse ao mesmo tempo
global e individualizante, separando cuidadosamente os indivíduos que deviam ser vigiados.
Durante muito tempo acreditei que estes eram problemas específicos da medicina do século XVIII
e de suas crenças.

sábado, 13 de abril de 2013

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 11


A POLÍTICA DA SAÚDE NO SÉCULO XVIII

Duas observações para começar.

1) Uma medicina privada, "liberal", submetida aos mecanismos da iniciativa individual e às leis do
mercado; uma política médica que se apoia em uma estrutura de poder e que visa à saúde de uma
coletividade; não resulta em quase nada, sem dúvida, procurar uma relação de anterioridade ou de
derivação entre elas. E um tanto mítico supor, na origem da medicina ocidental, uma prática
coletiva a que as instituições mágico-religiosas teriam proporcionado seu caráter social e que a
organização das clientelas privadas teria, em seguida, desmantelado pouco a pouco1. Mas é
também inadequado supor, no início da medicina moderna, uma relação singular, privada,
individual, "clínica" em seu funcionamento econômico e na sua forma epistemológica que uma
série de correções, de ajustamentos ou coações teria socializado lentamente, tornando-a
responsável pela coletividade

O que o século XVIII mostra, em todo o caso, são duas faces de um mesmo processo: o
desenvolvimento de um mercado médico sob a forma de clientelas privadas, a extensão de uma
rede de pessoal que oferece intervenções medicamente qualificadas, o aumento de uma demanda
de cuidados por parte dos indivíduos e das famílias, a emergência de uma medicina clínica
fortemente centrada no exame, no diagnóstico, na terapêutica individuais, a exaltação
explicitamente moral e científica (secretamente econômica) do "colóquio singular", em suma, o
surgimento progressivo da grande medicina do século XIX não pode ser dissociado da
organização, na mesma época, de uma política da saúde e de uma consideração das doenças
como problema político e econômico, que se coloca às coletividades e que elas devem tentar
resolver ao nível de suas decisões de conjunto. Medicina "privada" e medicina "socializada"
relevam, em seu apoio recíproco e em sua oposição, de uma estratégia global. Não há sem dúvida,
sociedade que não realize uma certa "noso-politica". O século XVIII não a inventou. Mas lhe
prescreveu novas regras e, sobretudo. a fez passar a um nível de análise explícita e sistematizada
que ela ainda não tinha conhecido. Entra-se, portanto, menos na era da medicina social que na da
noso-politica refletida.

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 10


SOBERANIA E DISCIPLINA
Curso do College de France, 14 de Janeiro de 1976.


O que tentei investigar, de 1970 até agora, grosso modo, foi o como do poder; tentei discernir os
mecanismos existentes entre dois pontos de referência, dois limites: por um lado, as regras do
direito que delimitam formalmente o poder e, por outro, os efeitos de verdade que este poder
produz, transmite e que por sua vez reproduzem-no. Um triângulo, portanto: poder, direito e
verdade.


A questão tradicional da filosofia política poderia ser esquematicamente formulada nesses termos:
como pode o discurso da verdade, ou simplesmente a filosofia entendida como o discurso da
verdade por excelência, fixar os limites de direito do poder? Eu preferiria colocar uma outra, mais
elementar e muito mais concreta em relação a esta pergunta tradicional, nobre e filosófica: de que
regras de direito as relações de poder lançam mão para produzir discursos de verdade? Em uma
sociedade como a nossa, que tipo de poder é capaz de produzir discursos de verdade dotados de
efeitos tão poderosos? Quero dizer que em uma sociedade como a nossa, mas no fundo em
qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e
constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer
nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do
discurso. Não há possibilidade de exercício do poder sem uma certa economia dos discursos de
verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência. Somos submetidos pelo poder à
produção da verdade e só podemos exercê-lo através da produção da verdade. Isto vale para
qualquer sociedade, mas creio que na nossa as relações entre poder, direito e verdade se
organizam de uma maneira especial.

Microfísica do Poder -Michel Foucault - parte 9


GENEALOGIA E PODER - Curso do Collège de France, 7 de janeiro de 1976


Este ano eu gostaria de concluir uma série de pesquisas que fizemos nos últimos quatro ou cinco
anos e de que hoje me dou conta que acumularam inconvenientes. Trata-se de pesquisas
próximas umas das outras, mas que não chegaram a formar um conjunto coerente, a ter
continuidade e que nem mesmo terminaram. Pesquisas dispersas e ao mesmo tempo bastante
repetitivas, que seguiam os mesmos caminhos, recaíam nos mesmos temas, retomavam os
mesmos conceitos, etc.

O que fiz, vocês se lembram: pequenas exposições sobre a história do procedimento penal; alguns
capítulos sobre a evolução e a institucionalização da psiquiatria no século XIX; considerações
sobre a sofística, sobre a moeda grega ou sobre a Inquisição na Idade Média; o esboço de uma
história da sexualidade, através das práticas da confissão no século XVII ou do controle da
sexualidade infantil nos séculos XVIII-XIX; a demarcação da gênese de um saber sobre a
anomalia, com todas as técnicas que o acompanham. Estas pesquisas se arrastam, não avançam,
se repetem e não se articulam; em uma palavra, não chegam a nenhum resultado.

Poderia dizer que, afinal de contas, se tratava de indicações, pouco importando aonde conduziam
ou mesmo se conduziam a algum lugar, a alguma direção pré-determinada. Eram como linhas
pontilhadas; cabe a vocês continuá-las ou modificá-las, a mim eventualmente dar-lhes
prosseguimento ou uma outra configuração. Veremos o que fazer com estes fragmentos. Eu agia
como um boto que salta na superfície da água só deixando um vestígio provisório de espuma e que
deixa que acreditem, faz acreditar, quer acreditar ou acredita efetivamente que lá embaixo, onde
não é percebido ou controlado por ninguém, segue uma trajetória profunda, coerente e refletida.

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 8


SOBRE A GEOGRAFIA


Hérodote:

O trabalho que você realizou recobre (e alimenta) em grande parte a reflexão que realizamos em
geografia e, de modo mais geral, a que realizamos sobre as ideologias e estratégias do espaço.

Ao questionar a geografia, deparamos com um certo número de conceitos: saber, poder, ciência,
formação discursiva, olhar, épistémè, e a arqueologia que você elaborou contribuiu para orientar a
nossa reflexão. Assim, a hipótese proposta na Arqueologia do Saber de que uma formação
discursiva não se define nem por um objeto, nem por um estilo, nem por um jogo de conceitos
permanentes, nem pela persistência de uma temática, mas deve ser apreendida como um sistema
de dispersão regulado, nos permitiu delimitar melhor o discurso geográfico.

Por outro lado, ficamos surpresos com o seu silêncio no que diz respeito á geografia (salvo erro,
você só evocou sua existência em uma comunicação consagrada a Cuvier, e assim mesmo para
relegá-la às ciências naturais). Paradoxalmente, seria motivo de estupor se a geografia fosse
levada em conta, pois apesar de Kant e Hegel, os filósofos ignoram a geografia. Deve-se
incriminar os geógrafos que, desde Vidal de la Blanche, resolveram se resguardar, ao abrigo das
ciências sociais, do marxismo, da epistemologia e da história das ciências, ou devemos incriminar
filósofos, indispostos com uma geografia inclassificável, "deslocada", dividida entre as ciências
naturais e as ciências sociais? A geografia terá um "lugar" na sua arqueologia do saber? Você não
estará reproduzindo, ao arqueologizá-la, a separação entre ciências da natureza (o inquérito, o
quadro) e ciências do homem (o exame, a disciplina), dissolvendo assim o lugar onde a geografia
poderia se estabelecer?

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 7



PODER – CORPO

Quel Corps?:

Em Vigiar e Punir, você descreve um sistema poli tico em que o corpo do rei desempenha um
papel essencial...

Michel Foucault:

Numa sociedade como a do século XVII, o corpo do rei não era uma metáfora, mas uma realidade
política: sua presença física era necessária ao funcionamento da monarquia.

Q.C.:

E a república "una e indivisível"?

M.F.:

É uma fórmula imposta contra os girondinos, contra a idéia de um federalismo à americana. Mas
ela nunca funciona como o corpo do rei na monarquia. Não há um 'corpo da República Em
compensação, é o corpo da sociedade que se torna, no decorrer do século XIX, o novo princípio. E
este corpo que será preciso proteger, de um modo quase médico: em lugar dos rituais através dos
quais se restaurava a integridade do corpo do monarca, serão aplicadas receitas, terapêuticas
como a eliminação dos doentes, o controle dos contagiosos, a exclusão dos delinqüentes. A
eliminação pelo suplício é, assim, substituída por métodos de assepsia: a criminologia, a eugenia, a
exclusão dos "degenerados"...

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 6


SOBRE A PRISÃO


Magazine Littéraire:

Uma das preocupações de seu livro é denunciar as lacunas dos estudos históricos. Você observa,
por exemplo, que ninguém fez a história do exame. Ninguém pensou nisto, mas é impensável que
ninguém tenha pensado.

Michel Foucault:


Os historiadores, como os filósofos e os historiadores da literatura, estavam habituados a uma
história das sumidades. Mas hoje, diferentemente dos outros, aceitam mais facilmente trabalhar
sobre um material "não nobre". A emergência deste material plebeu na história já data bem de uns
cinqüenta anos. Temos assim menos dificuldades em lidar com os historiadores. Você não ouvirá
jamais um historiador dizer o que disse em uma revista incrível, Raison Présente, alguém, cujo
nome não importa, a propósito de Buffon e de Ricardo: Foucault se ocupa apenas de medíocres.

M.L.: Quando você estuda a prisão, lamenta; ao que parece, a ausência de material, por exemplo
de monografias sobre esta ou aquela prisão.

M.F.: Atualmente retoma-se muito a monografia, mas a monografia tomada menos como o estudo
de um objeto particular do que como uma tentativa de fazer vir novamente à tona os pontos em que
um tipo de discurso se produziu e se formou. O que seria hoje um estudo sobre uma prisão ou
sobre um hospital psiquiátrico? Fez-se centenas deles no século XIX, sobretudo acerca dos
hospitais, estudando-se a história das instituições, a cronologia dos diretores, etc. Hoje, fazer a
história monográfica de um hospital consistiria em fazer emergir o arquivo deste hospital no
movimento mesmo de sua formação, como um discurso se constituindo e se confundindo com o
movimento mesmo do hospital, com as instituições, alterando-as, reformando-as. Tentar-se-ia
reconstituir a imbricação do discurso no processo, na história. Um pouco na linha do que Faye fez
com relação ao discurso totalitário.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 5


A CASA DOS LOUCOS


No fundo da prática cientifica existe um discurso que diz: "nem tudo é verdadeiro; mas em todo
lugar e a todo momento existe uma verdade a ser dita e a ser vista, uma verdade talvez
adormecida, mas que no entanto está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à espera de
nossa mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto, os
instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela está presente aqui e em todo lugar". Mas
achamos também, e de forma tão profundamente arraigada na nossa civilização, esta idéia que
repugna à ciência e â filosofia: que a verdade, como o relâmpago, não nos espera onde temos a
paciência de emboscá-la e a habilidade de surpreendê-la, mas que tem instantes propícios,
lugares privilegiados, não só para sair da sombra como para realmente se produzir. Se existe uma
geografia da verdade, esta é a dos espaços onde reside, e não simplesmente a dos lugares onde
nos colocamos para melhor observá-la. Sua cronologia a é a das conjunções que lhe permitem se
produzir como um acontecimento, e não a dos momentos que devem ser aproveitados para
percebê-la, como por entre duas nuvens. Poderíamos encontrar na nossa história toda uma
"tecnologia" desta verdade: levantamento de suas localizações, calendário de suas ocasiões, saber
dos rituais no meio dos quais se produz.

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Estranhas Querenças - Rosilda da Silva


Tantos sonhos, desejos, carência. Imagino a gente de mil formas, em mil fantasias, fazendo aquilo que temos vontade e que a liberdade de quatro paredes nos permitir.  Seremos só nós dois.  Ninguém mais. Nada mais. O tempo ficará impedido de entrar. Assim como também a realidade, os entraves e essa distância sem graça que nos separa.

Terás permissões que julgas inimagináveis, carícias  intermináveis e o calor do meu corpo incendiando o seu. Ou será o seu que me deixará em brasa? Na dúvida, será preciso observar mais de perto esse ponto. Testar as polaridades e averiguar a tensão. Talvez esse seja o momento de aferir nosso tesão.

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 4


III - A terceira direção da medicina social pode ser sucintamente analisada através do exemplo
inglês.

A medicina dos pobres, da força de trabalho, do operário não foi o primeiro alvo da medicina social,
mas o último. Em primeiro lugar o Estado, em seguida a cidade e finalmente os pobres e
trabalhadores foram objetos da medicalização.

O que é característico da medicina urbana francesa é a habitação privada não ser tocada e o
pobre, a plebe, o povo não ser claramente considerado um elemento perigoso para a saúde da
população. O pobre, o operário, não é analisado como os cemitérios, os ossuários, os matadouros,
etc.

Por que os pobres não foram problematizados como fonte de perigo médico, no século XVIII?
Existem várias razões para isso: uma é de ordem quantitativa: o amontoamento não era ainda tão
grande para que a pobreza aparecesse como perigo. Mas existe uma razão mais importante: é que

o pobre funcionava no interior da cidade como uma condição da existência urbana. Os pobres da
cidade eram pessoas que realizavam incumbências, levavam cartas, se encarregavam de despejar
o lixo, apanhar móveis velhos, trapos, panos velhos e retirá-los da cidade, redistribui-los,
vendê-los, etc. Eles faziam parte da instrumentalização dá vida urbana. Na época, as casas não
eram numeradas, não havia serviço postal e quem conhecia a cidade, quem detinha o saber
urbano em sua meticulosidade, quem assegurava várias funções fundamentais da cidade, como o
transporte de água e a eliminação de dejetos, era o pobre. Na medida em que faziam parte da
paisagem urbana, como os esgotos e a canalização, os pobres não podiam ser postos em questão,
não podiam ser vistos como um perigo. No nível em que se colocavam, eles eram bastante úteis.
Foi somente no segundo terço do século XIX, que o pobre apareceu como perigo. As razões são
várias:

sábado, 6 de abril de 2013

Microfísica do Poder - Michel Focault - parte 3


O NASCIMENTO DA MEDICINA SOCIAL


Analisarei, nesta conferência, o nascimento da medicina social. Encontra-se, freqüentemente, em
certos críticos da medicina atual, a idéia de que a medicina antiga - grega e egípcia - ou as formas
de medicina das sociedades primitivas são medicinas sociais, coletivas, não centradas sobre o
indivíduo. Minha ignorância em etnologia e egiptologia me impede de opinar sobre o problema. O
pouco conhecimento que tenho da história grega me deixa perplexo, pois não vejo como se pode
dizer que a medicina grega era coletiva e social.

Mas não são esses os problemas importantes. A questão é de saber se a medicina moderna,
científica, que nasceu em fins do século XVIII entre Morgani e Bichat, com o aparecimento da
anatomia patológica, é ou não individual. Pode-se dizer - como dizem alguns, em uma perspectiva
que pensam ser política, mas que não é por não ser histórica - que a medicina moderna é
individual porque penetrou no interior das relações de mercado? Que a medicina moderna, na
medida em que é ligada a uma economia capitalista, é uma medicina individual, individualista,
conhecendo unicamente a relação de mercado do médico com o doente, ignorando a dimensão
global, coletiva, da sociedade?

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Lançamento

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 2


II

NIETZSCHE, A GENEALOGIA E A HISTORIA

I

A genealogia é cinza; ela é meticulosa e pacientemente documentária. Ela trabalha com
pergaminhos embaralhados, riscados, várias vezes reescritos.

Paul Rée se engana, como os ingleses, ao descrever gêneses lineares, ao ordenar, por exemplo,
toda a história da moral através da preocupação com o útil: como se as palavras tivessem
guardado seu sentido, os desejos sua direção, as idéias sua lógica; como se esse mundo de coisas
ditas e queridas não tivesse conhecido invasões, lutas, rapinas, disfarces, astúcias. Daí, para a
genealogia, um indispensável demorar-se: marcar a singularidade dos acontecimentos, longe de
toda finalidade monótona; espreitá-los lá onde menos se os esperava e naquilo que é tido como
não possuindo história - os sentimentos, o amor, a consciência, os instintos; apreender seu retorno
não para traçar a curva lenta de uma evolução, mas para reencontrar as diferentes cenas onde
eles desempenharam papéis distintos; e até definir o ponto de sua lacuna, o momento em que eles
não aconteceram (Platão em Siracusa não se transformou em Maomé).

A genealogia exige, portanto, a minúcia do saber, um grande número de materiais acumulados,
exige paciência. Ela deve construir seus "monumentos ciclópicos"1 não a golpes de "grandes erros
benfazejos" mas de "pequenas verdades inaparentes estabelecidas por um método severo"2 . Em
suma, uma certa obstinação na erudição. A genealogia não se opõe à história como a visão altiva e
profunda do filósofo ao olhar de toupeira do cientista; ela se opõe, ao contrário, ao desdobramento
meta-histórico das significações ideais e das indefinidas teleologias. Ela se opõe à pesquisa da
"origem".

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Microfísica do Poder - Michel Foucault - parte 1


VERDADE E PODER 

Alexandre Fontana: 

Você poderia esboçar brevemente o trajeto que o levou de seu trabalho sobre a loucura na idade clássica ao estudo da criminalidade e da delinquência? 

Michel Foucault: 

Quando fiz meus estudos, por volta dos anos 50-55, um dos problemas que se colocava era o do estatuto político da ciência e as funções ideológicas que podia veicular. Não era exatamente o 
problema Lyssenko que dominava, mas creio que em torno deste caso escandaloso, que durante tanto tempo foi dissimulado e cuidadosamente escondido, apareceu uma série de questões 
interessantes. Duas palavras podem resumi-las: poder e saber.

Tão Pessoa esse Fernando...


"Falaram-me em homens, em humanidade,
Mas eu nunca vi homens nem humanidade.
Vi vários homens assombrosamente diferentes entre si,
Cada um separado do outro por um espaço sem homens."

"Não sei o que é conhecer-me. Não vejo para dentro.
Não acredito que eu exista por detrás de mim."

"E queria ter o tempo e o sossego suficientes
Para não pensar em cousa nenhuma,
Para nem me sentir viver,
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido."