Hoje
calor severo, amanhã climatizador e hipotensão
Durante minha infância vivi em um bairro distante do centro, aqui em
Joinville mesmo, o Paranaguamirim, nome de origem Tupi-guarani e que significa
enseada pequena. Havia poucas casas na
época e nossa rua não tinha pavimentação, aliás, até valas na frente de casa
havia. Quando chovia muito era possível depois da estiagem brincar com
barquinhos de papel e os avistar atravessando de um lado para o outro no único
tubo que havia em frente ao terreno e que dava acesso à nossa moradia.
Hoje ainda moro no mesmo bairro, mas o número de casas aumentou em
grande escala. Há mais de 22.000 habitantes; as principais ruas são
pavimentadas e poucas são valas em relação as que antes existiam. Acreditávamos
que com a vinda do asfalto estaríamos finalmente livres da lama que nos fazia
passar por muitas situações constrangedoras, entretanto, não pensávamos que isso
poderia ser um problema. Agora quando chove torrencialmente o que se vê é o
risco de alagamentos e enchentes em pontos estratégicos. Não se avistam mais
barquinhos de papel boiando nas águas depois das chuvas, mas é possível
observar um desfile de carros encalhados, pessoas desesperadas sem saber o que
socorrer primeiro nessas situações e um verdadeiro festival colorido de
sombrinhas disputando um lugar nos poucos abrigos de ônibus existentes.
Morávamos em um terreno que eu, criança ainda, achava imenso, pois
deveria ser varrido do começo ao final até que não sobrasse uma única folhinha
caída no chão e, se sobrasse, era melhor voltarmos antes que o serviço fosse
inspecionado. Tínhamos nele muitas
árvores, eram laranjeiras; pés de tangerina; pera; goiabeira; uma bananeira que
fechava de ponta a ponta o final do terreno, era tão incrível que fazia parte
das muitas brincadeiras que inventávamos.
Havia também um pé de maçã que deu frutos por pouquíssimo tempo; um pé
de fruta do conde e até dois de café que eram uma belezura quando seus frutos
estavam maduros e bem vermelhinhos; também havia dois de ameixa, de acerola, de
limão e uma caramboleira bem frondosa, com muitos galhos para abrigar a
criançada mais travessa da rua; era nela que os passarinhos mais gostavam de
pousar e faziam uma festa nos dias quentes de verão. Lembro também que meu pai
tentou cultivar figos, mas foi uma experiência sem sucesso, assim como o
abacateiro e a jabuticabeira, dos quais jamais provamos os frutos. Além disso,
como descendemos de indígenas, era nosso hábito e obrigação plantar conforme a
época, batata doce; aipim; milho; cana e cultivarmos uma horta nos fundos do
terreno, nela havia couve, feijão, alface, abóboras e talvez mais algumas
coisinhas das quais não me recordo. Tudo
que plantávamos, em grande abundância era possível colher.
Meu desespero de ter que varrer o terreno sempre ao final do dia, tirando
as folhas caídas e mantendo o asseio do local já não me faz tremer, pois, outras
árvores já não há, além de um limoeiro recém-plantado, um pé de acerola e a caramboleira, companheira de tantas
aventuras. Foram-se as frutas gostosas, a horta desapareceu e o solo mudou. No
lugar da terra preta e fofinha, barro vermelho e brita para o aterro. Sim, o
asfalto finalmente chegou; a rua subiu consideravelmente e nosso terreno
precisou subir também, com isso o frescor que antes nos deliciava a pele deu
lugar a um calor que desconhecíamos até então. Com a chegada da pavimentação
chegaram também muitos outros moradores. As árvores da mata em nossa rua deram
lugar às casa que foram surgindo, aos loteamentos e aos comércios que hoje
movimentam a região. O calor que aqui se sente parece aumentar a cada ano. É
possível perceber ilhas de calor que nos remetem às lembranças nostálgicas da
época em que tudo ou pelo menos quase tudo por aqui era verde e muito fresco.
O que mais gostava era de brincar nas árvores, tanto subindo nelas quanto
me refestelando na sombra gostosa que fazia embaixo delas. E como era fresco
aquele pedaço de paraíso! A beleza dos raios de sol passando por entre as
folhas das árvores e iluminando os sonhos da menina que era é algo difícil de
explicar, mas me fascinava. Tudo era tão mágico naquele tempo.
Agora, meu filho de nove anos, não vê com interesse as brincadeiras que
dantes nos faziam tão imaginativos e amantes da natureza. Prefere estar dentro
de casa e preferencialmente com o ar condicionado ligado nos dias já não tão
amenos. Reclama constantemente do calor
que faz na cidade e não sabe o que é jogar “taco” no meio da rua; entretanto, gosta
muito quando vamos à Pirabeiraba visitar amigos porque lá parece um pedacinho
de paraíso para ele. Árvores por todos os lados, muito verde, canto de
pássaros, e a melhor parte, a leveza e o frescor que sente no roçar da brisa
leve em sua pele.
Eu, que era a única menina da rua até os 10 anos de idade tinha medo de
atravessá-la até o final. Eram aproximadamente mil metros de extensão e a parte
que não era arrozeira era de mata fechada, pouquíssimas casas e iluminação
pública só havia até a metade dela. Pouquíssimos eram os carros que por ali
passavam, transporte público somente a dois quilômetros dali e isso nos permitia
andar sem cuidado e brincando pelo meio dela quando voltávamos da escola. Pode
até parecer clichê, mas nessa época o futuro nos parecia distante, pavimentação
era um sonho de consumo e aquele silêncio maravilhoso que só a distância dos
grandes centros urbanos permite, nos inquietava.
Hoje, aos quarenta anos, muita coisa mudou. Somente uma meia dúzia de
moradores antigos da rua sabe que ali já serviu de cenário para um arrozal, que
o loteamento da metade dela em diante era uma mata linda, bem verde, que o
barulho do vento nas folhas daquelas árvores produzia um som indescritível e
oferecia o frescor que os novos moradores desconhecem. Aliás, se continuar em larga escala a urbanização
tão sonhada por muitos, é possível que o único frescor que sintam seja o dos
climatizadores, pois com um aumento hipotético de dois graus de temperatura o
mais provável é que a hipotensão faça parte de seus dias, que se torne algo tão
comum quanto o crescimento desenfreado das periferias e, que a sombra e o
conforto de quatro paredes sob o efeito de condicionadores de ar seja o lugar
mais agradável que consigam imaginar para suas tardes fagueiras de primavera ou
verão.
Sugestões de atividades para serem usadas como subsídios no desenvolvimento da escrita de cartas para o
Prêmio Jovem Autor 2019
2 - Discuta com eles sobre as possíveis causas das mudanças climáticas em nossa cidade;
3 - Peça-lhes que conversem com parentes ou amigos mais velhos, para contar-lhes sobre como o bairro ou a rua em que moravam quando crianças, como era o clima nos invernos e nos verões;
4 - Discutam em sala e levantem questionamentos sobre os danos causados pelas mudanças climáticas;
5 - Levantem hipóteses sobre um aumento hipotético de temperatura, de 2 a 5 graus a mais, o que isso poderia causar, nas pessoas, nos animais, nas plantas, na nossa alimentação;
6 - Ao elaborarem a carta, oriente seus alunos para que questionem sobre o que fazer para diminuir o desmatamento e como conservar melhor as áreas verdes ainda existentes em nossa cidade.
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Um comentário:
Adorei ler sobre o que era tão simples mais tão inesquecível. ..bjs Ro.
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