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segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Nas árvores de minha infância, brisa leve... - Rosilda da Silva


Hoje calor severo, amanhã climatizador e hipotensão

Durante minha infância vivi em um bairro distante do centro, aqui em Joinville mesmo, o Paranaguamirim, nome de origem Tupi-guarani e que significa enseada pequena.  Havia poucas casas na época e nossa rua não tinha pavimentação, aliás, até valas na frente de casa havia. Quando chovia muito era possível depois da estiagem brincar com barquinhos de papel e os avistar atravessando de um lado para o outro no único tubo que havia em frente ao terreno e que dava acesso à nossa moradia.
Hoje ainda moro no mesmo bairro, mas o número de casas aumentou em grande escala. Há mais de 22.000 habitantes; as principais ruas são pavimentadas e poucas são valas em relação as que antes existiam. Acreditávamos que com a vinda do asfalto estaríamos finalmente livres da lama que nos fazia passar por muitas situações constrangedoras, entretanto, não pensávamos que isso poderia ser um problema. Agora quando chove torrencialmente o que se vê é o risco de alagamentos e enchentes em pontos estratégicos. Não se avistam mais barquinhos de papel boiando nas águas depois das chuvas, mas é possível observar um desfile de carros encalhados, pessoas desesperadas sem saber o que socorrer primeiro nessas situações e um verdadeiro festival colorido de sombrinhas disputando um lugar nos poucos abrigos de ônibus existentes.  
Morávamos em um terreno que eu, criança ainda, achava imenso, pois deveria ser varrido do começo ao final até que não sobrasse uma única folhinha caída no chão e, se sobrasse, era melhor voltarmos antes que o serviço fosse inspecionado.  Tínhamos nele muitas árvores, eram laranjeiras; pés de tangerina; pera; goiabeira; uma bananeira que fechava de ponta a ponta o final do terreno, era tão incrível que fazia parte das muitas brincadeiras que inventávamos.  Havia também um pé de maçã que deu frutos por pouquíssimo tempo; um pé de fruta do conde e até dois de café que eram uma belezura quando seus frutos estavam maduros e bem vermelhinhos; também havia dois de ameixa, de acerola, de limão e uma caramboleira bem frondosa, com muitos galhos para abrigar a criançada mais travessa da rua; era nela que os passarinhos mais gostavam de pousar e faziam uma festa nos dias quentes de verão. Lembro também que meu pai tentou cultivar figos, mas foi uma experiência sem sucesso, assim como o abacateiro e a jabuticabeira, dos quais jamais provamos os frutos. Além disso, como descendemos de indígenas, era nosso hábito e obrigação plantar conforme a época, batata doce; aipim; milho; cana e cultivarmos uma horta nos fundos do terreno, nela havia couve, feijão, alface, abóboras e talvez mais algumas coisinhas das quais não me recordo.  Tudo que plantávamos, em grande abundância era possível colher.
Meu desespero de ter que varrer o terreno sempre ao final do dia, tirando as folhas caídas e mantendo o asseio do local já não me faz tremer, pois, outras árvores já não há, além de um limoeiro  recém-plantado, um pé de acerola e a caramboleira, companheira de tantas aventuras. Foram-se as frutas gostosas, a horta desapareceu e o solo mudou. No lugar da terra preta e fofinha, barro vermelho e brita para o aterro. Sim, o asfalto finalmente chegou; a rua subiu consideravelmente e nosso terreno precisou subir também, com isso o frescor que antes nos deliciava a pele deu lugar a um calor que desconhecíamos até então. Com a chegada da pavimentação chegaram também muitos outros moradores. As árvores da mata em nossa rua deram lugar às casa que foram surgindo, aos loteamentos e aos comércios que hoje movimentam a região. O calor que aqui se sente parece aumentar a cada ano. É possível perceber ilhas de calor que nos remetem às lembranças nostálgicas da época em que tudo ou pelo menos quase tudo por aqui era verde e muito fresco.
O que mais gostava era de brincar nas árvores, tanto subindo nelas quanto me refestelando na sombra gostosa que fazia embaixo delas. E como era fresco aquele pedaço de paraíso! A beleza dos raios de sol passando por entre as folhas das árvores e iluminando os sonhos da menina que era é algo difícil de explicar, mas me fascinava. Tudo era tão mágico naquele tempo. 
Agora, meu filho de nove anos, não vê com interesse as brincadeiras que dantes nos faziam tão imaginativos e amantes da natureza. Prefere estar dentro de casa e preferencialmente com o ar condicionado ligado nos dias já não tão amenos.  Reclama constantemente do calor que faz na cidade e não sabe o que é jogar “taco” no meio da rua; entretanto, gosta muito quando vamos à Pirabeiraba visitar amigos porque lá parece um pedacinho de paraíso para ele. Árvores por todos os lados, muito verde, canto de pássaros, e a melhor parte, a leveza e o frescor que sente no roçar da brisa leve em sua pele.
Eu, que era a única menina da rua até os 10 anos de idade tinha medo de atravessá-la até o final. Eram aproximadamente mil metros de extensão e a parte que não era arrozeira era de mata fechada, pouquíssimas casas e iluminação pública só havia até a metade dela. Pouquíssimos eram os carros que por ali passavam, transporte público somente a dois quilômetros dali e isso nos permitia andar sem cuidado e brincando pelo meio dela quando voltávamos da escola. Pode até parecer clichê, mas nessa época o futuro nos parecia distante, pavimentação era um sonho de consumo e aquele silêncio maravilhoso que só a distância dos grandes centros urbanos permite, nos inquietava.
Hoje, aos quarenta anos, muita coisa mudou. Somente uma meia dúzia de moradores antigos da rua sabe que ali já serviu de cenário para um arrozal, que o loteamento da metade dela em diante era uma mata linda, bem verde, que o barulho do vento nas folhas daquelas árvores produzia um som indescritível e oferecia o frescor que os novos moradores desconhecem.  Aliás, se continuar em larga escala a urbanização tão sonhada por muitos, é possível que o único frescor que sintam seja o dos climatizadores, pois com um aumento hipotético de dois graus de temperatura o mais provável é que a hipotensão faça parte de seus dias, que se torne algo tão comum quanto o crescimento desenfreado das periferias e, que a sombra e o conforto de quatro paredes sob o efeito de condicionadores de ar seja o lugar mais agradável que consigam imaginar para suas tardes fagueiras de primavera ou verão.



Sugestões de atividades para serem usadas como subsídios no desenvolvimento da escrita de cartas para o 
Prêmio Jovem Autor 2019

1 - Faça a leitura do texto e discuta com seus alunos procurando ouvir a opinião de todos;
2 - Discuta com eles sobre as possíveis causas das mudanças climáticas em nossa cidade;
3 - Peça-lhes que conversem com parentes ou amigos mais velhos, para contar-lhes sobre como o bairro ou a rua em que moravam quando crianças, como era o clima nos invernos e nos verões;
4 - Discutam em sala e levantem questionamentos sobre os danos causados pelas mudanças climáticas;
5 - Levantem hipóteses sobre um aumento hipotético de temperatura, de 2 a 5 graus a mais, o que isso poderia causar, nas pessoas, nos animais, nas plantas, na nossa alimentação;
6 - Ao elaborarem a carta, oriente seus alunos para que questionem sobre o que fazer para diminuir o desmatamento e como conservar melhor as áreas verdes ainda existentes em nossa cidade.

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Um comentário:

Josiane disse...

Adorei ler sobre o que era tão simples mais tão inesquecível. ..bjs Ro.