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terça-feira, 9 de julho de 2013

¿Em Terra Estrangeira, para qué nos sirven los extranjeros? - Rosilda da Silva


 











Muito do que se veicula no cinema pode ser mais facilmente entendido quando se compreende o contexto.  Esse é o caso do filme Terra Estrangeira, de 1995, dirigido por Walter Salles Jr e Daniela Thomas.  A dupla apropriou-se de um momento histórico crítico em relação à economia brasileira, a conhecida era Collor. Década de 1990, com Fernando Collor de Mello na presidência da República e Zélia Cardoso de Mello como ministra da Fazenda e mentora intelectual do Plano Collor, que consistia em confiscar os ativos financeiros do país do dia para a noite, numa tentativa suicida de estabilizar a hiperinflação que se apresentava periclitante.  Tendo como mote o Plano Brasil Novo, mais conhecido como Plano Collor, iniciou-se o longo percurso dos protagonistas da trama e seus coadjuvantes: Fernando Alves Pinto como Paco; Laura Cardoso como Manuela – mãe de Paco, Fernanda Torres como Alex; Alexandre Borges como Miguel e o vilão Luís Mello como Igor.  


A polissemia presente nas palavras e apresentada em cena mostra a valência semântica de muitos termos intercambiáveis; praticamente desconhecidos ao olhar desatento, desconectados de significados suficientemente fortes para fragmentar o que se acumula entre narrativa e espaço, aludindo à questões que se remetem ao brasileiro como povo sem pátria e, para o qual o Brasil é apenas um lugar sem perspectivas, onde não há espaço para sonhos, realizações, tampouco estabilidades, sejam elas econômicas, sociais, culturais ou qualquer outra que pudesse ser vislumbrada.  Talvez por isso uma das falas de Alex, personagem de Fernanda Torres, brasileira, vivendo/sobrevivendo em Lisboa e, ao mesmo tempo, buscando como porto seguro, uma terra que lhe é desconhecida, um sonho de outrem (Paco) herdado ainda de outro alguém (Manuela) seja esta, ao encerrar a película, “Não depende do lugar,  quanto  mais   o   tempo passa, mais eu me sinto estrangeira...”  O que segundo Bauman (2005, p. 23) pode ser assim definido, “você só tende a perceber as coisas e colocá-las no foco do seu olhar perscrutador e de sua contemplação quando elas se desvanecem, fracassam, começam a se comportar estranhamente ou o decepcionam de alguma outra forma”.

O Brasil foi para essas personagens o pano de fundo da decepção, que os fez buscar por outro lugar, querendo ardentemente fugir do fracasso e do estranhamento que sentiam em sua própria terra. Vislumbravam no exterior a (errônea) possibilidade de se enxergarem protegidos, ultrapassando uma linha divisória que possivelmente os tornaria figuras menos apagadas e desgastadas.

A partir dessas imbricações de linguagem a trama ficcional traz fortes apelos de documentário apresentando também um conflito de identidade de brasileiros que buscam uma saída para toda esta desesperança em terras estrangeiras. Lisboa passa então a ser o cenário da história e ali é possível perceber o desconforto de ser estrangeiro, não ter, ou não alimentar um sentimento de pertença por um lugar que possa ser chamado de seu. O que ao olhar de Larrosa (2002, p.69) pode ser assim definido,  “Sentir a estranheza dele próprio e não poder se sentir mais em casa, esse é o movimento fundamental do espírito, cujo ser não é senão a saída de si mesmo (sua permanência posta em questão) no encontro com o outro.”

Vale ressaltar ainda que ser estrangeiro é o apagamento do sujeito, e o aparecimento daquele que se sujeita a ser escória da sociedade, pois, conforme Larrosa (2002, p.83) esclarece “O estrangeiro não se deixa representar. Não permite que nada o represente (que nada fale em seu nome) e não quer representar a nada e nem a ninguém. O estrangeiro não representa nada, senão ele mesmo...  Não será o estrangeiro que nos faz conscientes de que também somos a morada do ausente?”

Diante destas perspectivas, a complexidade da representação do Brasil e da anulação do sujeito enquanto estrangeiro, reflete as transformações socioculturais pelas quais passou o país e as discussões acerca de identidade e estrangeirismo ancoradas no pensamento de teóricos Zygmunt Bauman e Jorge Larrosa Bondía. Os personagens, na trama, desabafam seus medos, de se sentirem estrangeiros, desenraizados que estão, sem um território determinado, tendo como seu, para lhes dar a sensação de um pouco de identidade, apenas a língua, relacionam-se com os demais buscando demarcar sua alteridade, mostrando-se como pessoas que delineiam seus papéis em meio à solidão em que vivem, ao vazio que sentem e procuram lançar um olhar diferente mesmo em meio às tantas dificuldades encontradas para instaurar a possibilidade de novas construções em um lugar no qual faça mais sentido ser alguém do que a representação da imagem de estrangeiros que são.


Além dessas questões a poética do filme encontra-se também na beleza da fotografia em preto e branco para marcar o período Collor e os sonhos que com ele ruíram. Em estilo 'noir', é uma exibição brasileira que merece ser vista e discutida, pois levanta questões para acordar memórias e reconstruir, a partir de fragmentos, aquilo que está destruído, neste caso, sonhos, identidades, pertencimentos. Afinal, nessa era de completo triunfo do espetáculo, expropria-se das pessoas sem que elas sequer percebam, grande parte de sua capacidade crítico-reflexiva, que por sua vez deveria ser algo tão normal, tão natural, quanto alimentar-se ou respirar. 

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