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quinta-feira, 11 de julho de 2013

Andorinha - Luiz Vilela


… Ficar em casa domingo à tarde era cansativo e triste. Todo mundo saíra, e ele estava sozinho, ouvindo o relógio da copa bater as horas sonolentamente, e tudo parecia triste. E quando o galo cantava no terreiro, era tão triste que parecia que tinha morrido alguém … 
...Esquecera o domingo, a tristeza e o aborrecimento, e agora trepava cautelosamente o monte de lenha, o estilingue em punho, o coração batendo forte. Era sempre o que atrapalhava: o coração batendo forte. Queria acalmá-lo, e não tinha jeito, ia só piorando, batendo cada vez mais forte. Ficava ouvindo o pum-pum acabava errando: e via o pássaro se afastando para longe. Se o coração não batesse tanto, se ele não ficasse tão afobado, quanto passarinhos já não teria matado? Cada pássaro, um pique na forquilha. Que inveja não tinha da forquilha de Zé Santos: não tinha lugar para nem mais pique. A sua lisinha... 
Se ao Zé Santos lhe ensinasse a reza do urubu-sem-pena. Por isso que ele não errava uma pedrada... 
Não esperaria mais, que elas podiam voar. Havia seis pousadas agora, juntas. Apontaria numa: às vezes podia errar e acertar na outra perto. Colocou a pedra no couro. Fez pontaria. O coração começou a bater depressa, contou até dez, apontou, apontou, e deu a estilingada. No primeiro instante viu confundidos as pancadas de seu coração e o vôo assustado das andorinhas - e então gritou "acertei!" "acertei!" vendo uma andorinha despencando rente ao poste... 


                                           




                                       


Ele acertara e ela estava lá, talvez morta, talvez viva ainda... 
Podia agora vê-la inteiramente: ela estava encolhida no chão, no ângulo formado pelo armazém e uma pilha de tijolos velhos; era uma andorinha de asas muito pretas e luzidias. Não parecia que ia tornar a voar: uma de suas asas estava estirada sobre o chão, e a cabecinha levemente erguida. Ela estava deitada, estava caída, como se não pudesse firmar-se. Pensou que ela talvez estivesse apenas tonta; talvez a pedra só tivesse atingido de raspão e ela fosse voar a qualquer instante. E se ele errasse a próxima pedrada, ela podia assustar-se e desta vez voar para o céu, para bem longe - e ele teria perdido tudo, perdido a grande sorte que tivera aquela tarde, acertando pela primeira vez. 
Mas era engraçado: vendo o pássaro ali no chão, à sua frente, pertinho, não tinha vontade de dar a estilingada. Era muito diferente vê-lo em cima do fio, o peito erguido, a cabecinha destacando-se contra o azul do céu. Ali embaixo, caído no chão, encolhido contra a parede escura e suja do armazém, tão fácil de acertar, ele não tinha mais aquela vontade violenta de dar a estilingada. E era engraçado também como ele estava calmo, como seu coração não estava batendo doidamente. 
Caminhou devagar para ela, o estilingue em punho, esperando apenas o primeiro movimento dela para desferir a pedrada. Mas ela não se movia. Talvez não estivesse apenas tonta; talvez estivesse ferida, tão ferida que não podia mover-se. 
Chegou bem perto: ela encolheu-se um pouco mais contra a parede, mas não fez ameaça de voar; havia qualquer coisa: ela não voaria. Afrouxou o estilingue e ficou olhando. Percebeu o medo no olhinho que piscava, sentiu-se poderoso e cruel diante da insignificância e fragilidade do pássaro. Estava ali, sem fuga, sem vôo, sem distância, sem erro, o que seria seu primeiro pássaro - por que não dava logo a pedrada mortal? Por que não o matava? 
Agachando-se, estendeu a mão devagar para não assustá-la, e então segurou-a: ela não se debateu: e antes que abrisse os dedos para olhar, sentiu a umidade e compreendeu que era sangue: a pedra havia acertado de cheio. E então teve raiva; teve raiva de si mesmo, do domingo, e do que fizera; teve raiva; teve raiva de sua astúcia, sua espera, sua alegria, e agora sua impotência: sabia que a andorinha ia morrer, sabia que ela ia morrer e que não podia fazer nada. 


Em O Violino e outro Contos -

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