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sábado, 16 de março de 2013

Memória e seus paradigmas - Patrícia Marques de Souza[1]


Resumo: Este artigo aborda a problemática da utilização da memória como fonte histórica e suas disputas.
Palavras-Chave: memória coletiva e individual, disputas, fontes históricas, relação memória/História
Considerações iniciais
          
A ideia de memória, a maneira como ela é exercida e sua relação com a História, vêm sendo objeto de pesquisa e de debates teóricos de muitos estudiosos ao longo dos anos. A utilização de fontes orais para o desenvolvimento de estudos não é recente e ao longo do tempo, a memória e outras fontes dessa mesma origem perderam a classificação de secundárias e passaram a ser encaradas como possibilidades de fontes seguras. Esse processo de mudança está ligado ao questionamento feito pela corrente historiográfica francesa dos Annales, na década de 1920 que propunha uma diversificação de temas e foi o primeiro passo para a diversificação do uso das fontes. Em vista disso, para tornar-se possível conhecer, estudar e problematizar o universo da memória é necessário ter ciência de que ela é feita por pessoas que vivenciaram os acontecimentos pessoalmente ou pelo grupo a qual o indivíduo esteja inserido e apresenta como características a seleção, a construção, a subjetividade, o individual, o coletivo, o social, o nacional e o afetivo[2]. Esses conceitos precisam ser considerados na análise dessa questão de notável relevância para o estudo das diferentes sociedades humanas que foram entendidas e explicadas de diferentes formas. Sua definição denotativa pode apresentar os seguintes significados: “1. Faculdade de reter as idéias, impressões e conhecimentos adquiridos. 2. Lembrança, reminiscência.[3]. Dessa maneira, a memória torna-se uma lembrança construída no presente a partir experiências passadas e cada uma possui sua própria lógica e sentido.

Neste trabalho, procurei desenvolver o tema teórico-metodológico memória e discorrer sobre seus paradigmas relacionados à construção do conhecimento por parte dos historiadores, como por exemplo, a questão da memória e seu sentimento de justiça, de dever, de legitimização de um fato para o indivíduo ou para o coletivo e a tarefa dos historiadores em encontrar meios para compreendê-la e utilizá-la como fonte de acesso ao passado criado pelas lembranças banhadas em sentimentos, subjetividades e expectativas. Escolhi dividir o tema do texto em alguns tópicos para que se tornasse mais fácil sua análise e compreensão, assim como a utilização de diversos autores de essencial importância para a compreensão deste debate teórico.

A história da Memória


Em seu livro História e Memória[4], o historiador francês Jacques Le Goff, demostra que nas sociedades sem escrita, a questão da memória fica ligada aos interesses do coletivo que se relaciona com os “mitos de origem” que são uma forma de explicar a natureza, os sentimentos e o seu funcionamento, o “prestígio das famílias dominantes” que são transmitidos pelos seus familiares e no “saber técnico” que é repassado através dos ritos de magia religiosa[5].
A invenção da escrita transforma profundamente a memória coletiva, já que, permite o processo de celebração e comemoração através de algo que represente o passado, uma relíquia e o documento escrito que também é uma forma de monumento que permite registrar ao longo do tempo, a história dos povos “... todo o documento tem em si um caráter de monumento e não existe memória coletiva bruta.[6].
            No Oriente Antigo, as inscrições cederam espaço para os monumentos e outras grandes civilizações, fizeram em primeiro lugar, a memória escrita nos calendários. Contudo, os antigos gregos acreditavam que a memória fosse algo divino, a própria deusa Mnemosine que lembra aos homens suas recordações heróicas. O poeta seria o único que poderia registrar a memória, através dos poemas e não de um documento escrito que causaria o seu enfraquecimento. Mais tarde, Aristóteles defende a laicização da memória ao incluí-la no tempo e na vontade própria de evocá-la.
Os romanos acreditavam que a memória era a quinta das cinco artes retóricas, entre o inventio, a dispositio, a elocutio e o actio. Na Idade Média, ocorre a cristianização da memória que se torna dominante nos campos religioso e ideológicos “... a memória tinha um papel considerável no mundo social, no mundo cultural e no mundo escolástico e, bem entendido, nas formas elementares da historiografia.[7]. Dessa forma, ganha grande importância a memória litúrgica, modo pelo qual o tempo será marcado. A lembrança torna-se com o cristianismo e o judaísmo um dever religioso fundamental. “A Idade Média venerava os velhos, sobretudo porque via neles homens-memória, prestigiosos e úteis.” [8]. Outro acontecimento mudaria, mais uma vez, a memória: o surgimento da imprensa no início do século XVIII que permitiu uma nova maneira de registro da sociedade que já foi baseada na transmissão oral passou para a escrita e dessa forma, desenvolveu artifícios cada vez mais elaborados para a transmissão da memória em textos. 
Do final do século XVII até o fim do século XVIII a comemoração dos mortos fora esquecida, não era praticada, “Enquanto que os vivos podem dispor de uma memória técnica, científica e intelectual cada vez mais rica, a memória parece afastar-se dos mortos.” [9]. Porém, essa prática será desfeita com a Revolução Francesa, no qual acontecerá um retorno dos cemitérios, do ato memorial de “re-presentificação[10]e das lembranças dos mortos na Europa, sendo assim denominadas “sociedades-memória[11]·. Comemorar também fazia parte desse movimento revolucionário. A partir do século XIX, as comemorações e celebrações crescem à medida que ocorre a laicização dos calendários e festas em vários países.
A História metódica, voltada para o estudo dos “grandes feitos” e das “grandes personalidades” permaneceu vigorosa até a primeira metade do século XX. Foi questionada, foi questionada pela corrente historiográfica francesa dos Annales[12], na década de 1920 que propunha ir além da visão positivista da história e a realização de uma diversificação dos temas e das fontes utilizadas e desse modo, inseria a história do povo, das “pessoas comuns”, do cotidiano e dos “esquecidos” no conjunto de preocupações dos historiadores. A terceira geração dos Annales fora liderada pelos historiadores Jacques Le Goff e Pierre Nora, ambos citados neste trabalho. Essa geração ficou conhecida como a “Nova História” por considerarem história qualquer atividade humana.
Será esse um dos primeiros passos para o reconhecimento de “memórias subterráneas[13] ou de memórias politicamente “incorretas”? À medida que se admite a existência de outras formas de expressão, não estaria aí, um embrião para a possibilidade de convívio das memórias individuais e não oficiais com as memórias dominantes ou oficiais? A sugestão de convívio entre elas será um dos grandes desafios das sociedades que pretendem viver um presente justo que está ligado ao reconhecimento de seu passado e de suas memórias. Dessa forma, surge à metodologia da História Oral, nos anos de 1950 nos Estados Unidos e no Brasil na década de 1970[14]. Essa metodologia propõe a valorização das recordações e dos relatos orais como fontes para interpretar o passado, aliados aos documentos escritos, imagens e outros tipos de fontes. Dessa maneira, permite que o estudo da história torna-se mais próximo dos indivíduos e facilite a compreensão das experiências vivenciadas ou adquiridas pelos outros.

Memória e Imaginação


Memória e imaginação são em muitas situações, entendidas como sinônimos, contudo diferenciam-se no que se refere ao “princípio da realidade” [15]·. Enquanto a primeira tem como base um acontecimento ocorrido no passado e uma forma de registro individual e ao mesmo tempo inserido em uma memória-coletiva, a segunda não precisa, necessariamente, de um fato para que aconteça apenas uma faculdade de construir, como também fica limitada a fantasia pessoal. No dicionário Aurélio, imaginação é definida como “1. Faculdade que tem o indivíduo de imaginar; fantasia. 2. Faculdade de criar mediante a combinação de idéias. 3. A coisa imaginada. 4. Criação, invenção, idéia. 5. Fantasia, devaneio.”[16]. Porém, as duas são paulatinamente associadas devido ao processo de recordação que tem como característica a seleção de informações e o exercício de conforto ou dor que ela possa representar. Muitas vezes, esse procedimento de lembrança é distorcido pela enorme carga emocional que a compõe. O questionamento fundamental do historiador deve se remeter a seguinte questão: com o interpretar essas fontes? Até que ponto, as memórias podem apresentar credibilidade suficiente para ser capaz de transformar a interpretação de um fato?



Memória individual e coletiva
           
           
            A princípio, a memória parece ser algo relativamente íntimo, pessoal que não estaria passível de interferências externas, mas os estudos de Halbwachs (1990) demonstram que a memória individual é também composta por uma lembrança que está interagindo com a sociedade e sendo assim, também se tornam uma memória coletiva e social que está submetida a mudanças constantes. A recordação individual recebe interferências das lembranças das diferentes memórias dos grupos, com os quais nos relacionamos e o outro sempre terá um papel importante nesse processo. Contudo, é importante lembrar que todas as memórias, independentes de seus pontos mutáveis, apresentam partes fixas que muitas vezes são partilhadas pelo coletivo, “memórias construídas coletivamente” [17]. Halbwachs não encara a memória coletiva como imposição, ao contrário, definitivamente ela permite que os participantes do grupo carreguem um sentimento de pertencimento, um passado comum a chamada “comunidade afetiva” [18]. O autor também insinua que acontece uma negociação entre as memórias individuais e as coletivas e em vista disso, existe a possibilidade de as duas conviverem e existirem. Nesse sentido, as memórias são formadas pelas lembranças vividas pelo próprio indivíduo e também pelas recordações que fazem parte do imaginário de seu grupo e acabam se transformando em “memórias quase que herdadas” [19] e de fato, garantem o sentimento de “identidade social” [20] que é gerada pelos sentimentos de aceitabilidade, credibilidade e continuidade “não haverá memória colectiva sem suportes de memória ritualisticamente compartilhados” [21], porém essa memória coletiva se rearticula conforme a posição social que o indivíduo ocupa.
            Reconhecer esse caráter problemático da memória coletiva provoca uma mudança na estrutura de estudo de memórias que podem ser utilizadas para entender a maneira como a qual os indivíduos e seus grupos lidaram e vivenciaram os mesmos acontecimentos, “Numa perspectiva construtiva, não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são solidificados e dotados de duração e estabilidade” [22]. A História Oral embarca nesse processo ao privilegiar a versão dos excluídos, dos marginalizados, das minorias e ressalta a importância das “memorias subterráneas[23] para a construção de uma memória nacional que também precisa levar em consideração as lembranças das “memorias denegadas[24]. Entretanto, a História Oral discorda da idéia de Halbwachs no que se refere que ao “caráter destruidor, uniformizador e opressor da memória coletiva nacional” [25]ou das “memorias dominantes” [26]. Essas memórias não oficiais acabam caindo no silêncio e no esquecimento da sociedade se não forem privilegiadas pelo Estado.
Outro aspecto importante acerca da memória individual, coletiva, social e nacional é o seu relacionamento com os lugares que apresentam uma referência do passado para a construção das lembranças, a “materialização da memória” [27]. Precisa-se ter a intenção de que esses locais sejam a representação de um acontecimento, e que estejam inseridos dentro de um conjunto de aspectos que formam as recordações e serão dessa forma denominados lugares de memória. Por esse motivo, são criados os museus, os monumentos, se conservam as relíquias, se colecionam objetos, são feitos filmes, documentários, celebram-se a morte, a vida, os aniversários, são repassados os saberes e símbolos, sempre na expectativa, na tentativa, na “... razão fundamental de ser um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizarem a morte, materializar o imaterial...” [28]. Os lugares de memória só sobrevivem e ganham sentido porque “... seus compromissos são essencialmente com o presente, pois é no presente que são produzidos ou reproduzidos...” [29]. A representação da memória une os indivíduos e perpetuam o sentimento de pertencimento a grupos e entidades, por conseguinte garante a reprodução histórica das lembranças nos vivos e promove desse modo, o “reconhecimento de identidades coletivas” [30], a solidificação das lembranças, porém na ausência dessa intenção de recordação esses locais se transformaram em “lugares de história” [31].



Estatização da memória e suas disputas
                                                                                                                         

           
            O confronto entre as memórias subterrâneas e as memórias dominantes pode ocorrer quando o Estado se comprometer em oficializar os acontecimentos. Em vista disso, a memória se torna um ponto de poder e disputa entre as classes, grupos, indivíduos e organizações. Muitas vezes, as memórias tornam-se uma arma política ao consagrarem uma versão “verdadeira” de uma lembrança. Em virtude disso, as memórias oficiais privilegiam, por vários motivos, certos grupos e prejudicaram outros. Ao elegerem para objeto do culto cívico, heróis nacionais ou “grandes homens”, as memórias tornam-se lições para o presente do país que precisa lembrar-se dos “grandes feitos”, definitivamente, uma afirmação da memória nacional. Em virtude disso, ocorre uma aproximação cultural e histórica das vivências tão diversas entre os cidadãos. Diante disso, cabe ao Estado decidir o que deve ser lembrado ou esquecido, comemorado ou apagado, reduzido às recordações dos álbuns familiares ou transformá-los em monumentos, praças e museus para que sirvam de representações do passado? Para que as memórias esquecidas tenham espaço, não seria necessária uma revisão crítica do passado construído e celebrado? Por conta disso, as lembranças traumatizantes e dolorosas ficam enclausuradas e escondidas até que um dia possam emergir e tomar forma, “... uma vez que as memórias subterrâneas conseguem invadir o espaço público, reivindicações múltiplas previsíveis se acoplam a essa disputa da memória...” [32]. O silêncio do Estado em reconhecer as memórias subterrâneas demonstra a importância delas com instrumento político e formação de poder, “O longo silêncio sobre o passado, longe de conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente opõe ao excesso de discursos oficiais.” [33].
            Quando não são transmitidas oficialmente, as memórias subterrâneas passam de geração a geração por meio de fontes orais e lembranças coletivas. As “lembranças proibidas..., indizíveis... ou vergonhosas...” [34] serão guardadas e muitas passarão despercebidas pela maioria da população. Muitas dessas lembranças, também possuem sua parte do “não-ditos” [35], algo que conscientemente ou não será esquecido porque envergonha ou causa uma grande dor aos que a recordam. Já a preocupação da memória oficial está direcionada a sua “credibilidade... aceitação... organização” [36]. Por esse motivo, torna-se mais correto chamar a memória dominante de “memória enquadrada” [37] porque para se tornar oficial, a memória precisa estar impregnada de intensa organização, coesão interna e defesa dos discursos políticos vigentes. Ela precisa ser tomada com exemplo e servir de apoio para a construção da memória comum nacional. Porém, esse enquadramento tem limites, pois precisa atender a várias exigências: “O trabalho de enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história” [38]. Esse trabalho é caracterizado pela reinterpretação do passado, mas a exigência de sua justificação elimina uma pura falsificação das lembranças, dependendo mais da coerência com que foi realizada.
            Também é preciso entender que as duas memórias possuem finalidades e características distintas e as datas servem para ilustrar as diferenças entre as memórias dominantes e as marginalizadas: as memórias oficiais privilegiam as datas políticas e as memórias subterrâneas privilegiam datas que de alguma maneira possuem ligações afetivas.
 Deve se ressaltar ainda que o sentimento de identidade individual e do coletivo está sempre presente nessas memórias.
É importante lembrar que como as memórias, os documentos também são frutos de construções e por esse motivo, a memória não deve ser desmerecida em relação a sua credibilidade com os documentos escritos. Os dois são produzidos pelas expectativas e motivações dos indivíduos e do grupo no presente. Não existe, portanto, uma diferença fenomenal em relação à fonte escrita e a oral, as duas precisam ser analisadas e verificadas pelos historiadores, cada qual com as suas precauções e limitações.


Memória e História


Para entendemos as semelhanças e as diferenças entre memória e história seriam de fundamental importância levar em consideração que “A necessidade de memória é uma necessidade da história.[39]·. No que se referem às diferenças, é importante realçar a distinção entre ambas. A História é entendida, por muitos autores, como uma ciência humana que estuda os processos de desenvolvimento do homem no tempo e no espaço, e por isso, apresenta princípios e formas de funcionamento para a produção do seu conhecimento, a partir de reflexões e análises. E a memória, ao contrário, é uma recordação subjetiva e pessoal que focaliza e seleciona coisas específicas estando inserida em um contexto coletivo para que assim faça sentido. Também já foi menosprezada por muitos historiadores influenciados pelas idéias iluministas do século XVIII, na qual o método era super valorizado e a ciência seria a única forma de conhecimento e que produziria verdades absolutas. Nesse sentido, a memória não apresentava as características necessárias para a produção do conhecimento científico e dessa maneira, História e memória tornam-se muito distantes. Só no século XX, com a corrente historiográfica francesa dos Annales essa concepção seria modificada e a subjetividade entraria no ofício do historiador, que a partir desse momento, poderia utilizar vários tipos de fontes, sem comprometer e desvalorizar seu trabalho.
No que se referem às semelhanças, nos dois casos, o objeto está ausente e a busca pelo passado e as expectativas criadas no presente às tornam próximas, “... dentro de uma experiência de tempo que é indissociável da memória e das expectativas.[40]·. As duas também são possíveis de alterações, seja no entendimento íntimo ou na mudança de percepção de um determinado fato e são construídas por “pessoas, personagens[41]. Da memória, espera-se uma continuidade lógica, que tenha sentido no emaranhado de informações guardadas. Cria-se, desse modo, um questionamento em relação a uma cronologia verdadeira, oficial ou uma cronologia falsa, alterada, “... a única coisa que se pode dizer é que existem cronologias plurais, em função do seu modo de construção, no sentido do enquadramento da memória, e também em função de uma vivência diferenciada das realidades.[42]·. Por isso, a admissão da pluralidade, tanto das memórias como das cronologias, seria um fator essencial para o trabalho do historiador que precisa lidar em seu cotidiano, com as infinitas possibilidades de interpretações, “... a renúncia a uma temporalidade linear em proveito dos tempos vividos múltiplos, nos níveis em que o individual se enraíza no social e no coletivo...” [43].
Dentro dessa perspectiva, a memória não apresenta como questão essencial a referência, a veracidade para a aceitação do discurso e encontra-se distante da questão da verdade. Ela está mais ligada à subjetividade do que com a objetividade histórica, “Se ninguém sabe do que o passado é feito, uma inquieta incerteza transforma tudo em vestígio, indício possível, suspeita da história...” [44]. Contudo, os historiadores não estão isentos de pré-conceitos e também poderão interpretar os acontecimentos de acordo com suas verdades, de seu papel social e de sua forma de socialização. Por conseguinte, “... a escrita da história também é fonte produtora (e legitimadora) de memórias e tradições...” [45].
Seria relevante frisar os diferentes posicionamentos dos historiadores Fernando Catroga e Pierre Nora em relação à História e a memória. Enquanto o primeiro autor, em seu texto “Memória e História” [46] valoriza a aproximação entre a memória e a História, Pierre Norra em” Entre memória e história: a problemática dos lugares”[47]frisa o distanciamento entre ambas. De qualquer forma, “a memória é um absoluto e a história só conhece o relativo.” [48]. Em vista disso, caberia a História-disciplina o papel de imortalizar as memórias? Ou é preciso construir instituições, monumentos e indícios que relembrem o passado? Ela precisa ser aceita como “versão verdadeira” somente para um indivíduo ou precisa ser reconhecida pelo grupo? É importante ressaltar: por que a memória seria menos válida como fonte, em comparação ao documento escrito, se ambos foram construídos?


Considerações finais


Durante muito tempo, os estudos históricos privilegiaram os “grandes feitos”, os “grandes homens” e as “grandes batalhas”, o chamado Historicismo de Hegel, dessa forma a Historiografia se voltava para o reconhecimento dos grupos dominantes. Somente em meados do século XX, esse sistema seria questionado por um grupo de historiadores franceses pertencentes à primeira geração dos Annales, já que, esse procedimento apagava da história o papel das minorais e dos oprimidos pela memória dominante. Nesse sentido, a memória coletiva faz parte das questões das sociedades e do exercício de poder que ela acarreta. Dentro dessa perspectiva, a História, que agora era vista como uma ciência possuía novas concepções do tempo histórico e de metodologias que desenvolveram uma nova historiografia, apoiada nas mentalidades e nas experiências dos diferentes grupos passou, dessa maneira, a dar existência, visibilidade e credibilidade às várias narrativas existentes. Não se pode esquecer também que a memória torna-se um elemento de coesão essencial para a identidade individual e social da mesma forma que sua conquista é também um exercício de poder e consolidação política[49].
Nesse sentido, a memória torna-se uma problemática histórica quando passa a servir com fonte de conhecimento e de referência do passado para os historiadores.  Por meio dela, torna-se possível conhecer a maneira como cada acontecimento, afeta o indivíduo e o grupo que está inserido. Também é importante perceber a forma com a qual cada indivíduo irá tratar a sua lembrança. E mais ainda: como o Estado irá dar conta de reproduzi-la e legitimá-la, torná-la uma memória dominante e ainda sim permitir a existência de memórias secundárias, sem sufocá-las. Essas são questões-chave para o historiador que trabalha com as dinâmicas da memória.
Será possível recolher veracidade dessas lembranças repletas de sentimentos e apagada pelo tempo? A possibilidade de ouvi-las é dar ênfase a uma “história da vida” [50], um instrumento privilegiado que ainda está inserido no presente e que está sendo utilizado para o entendimento da História Contemporânea. Da mesma forma que os historiadores lidam com os documentos escritos, a memória também é uma fonte a ser consultada e que necessita de muita sensibilidade e cuidado por parte dos pesquisadores, “Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens.” [51].

           
 Referências bibliográficas


(A) Bibliografia Geral


CATELA, Ludmila da Silva. Violencia política y dictadura em Argentina: de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in FICO, Carlos e outros (Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.

CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.

FEBVRE, Lucien. “Frente ao vento” e “A história historicizante” in FEBVRE, Lucien. Combates pela história. 2. ed. Lisboa: Presença, 1985.
FERREIRA, Aurélio de Buarque de Holanda, 1910-1989. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa/Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira; lexicografia, Margarida doa Anjos. 4. ed. rev. ampliada – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: vértice, 1990.
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 89-103, 1998
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.



(B) Acervos de História Oral da FGV


http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral


[1]Aluna de graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[2]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
[3]FERREIRA, Aurélio de Buarque de Holanda, 1910-1989. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa/Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira; lexicografia, Margarida doa Anjos. 4. ed. rev. ampliada – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[4]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória – história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.
[5]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.
[6]Idem.
[7]Idem.
[8]Idem.
[9]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.
[10]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[11]Idem.
[12]FEBVRE, Lucien. “Frente ao vento” e “A história historicizante” in FEBVRE, Lucien. Combates pela história. 2. ed. Lisboa: Presença, 1985.
[13]CATELA, Ludmila da Silva. Violencia política y dictadura em Argentina: de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in FICO, Carlos e outros (Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.
[14] http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral
[15]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.

[16]FERREIRA, Aurélio de Buarque de Holanda, 1910-1989. Miniaurélio Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa/Aurélio Buarque de Holanda Ferreira; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird Ferreira; lexicografia, Margarida doa Anjos. 4. ed. rev. ampliada – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[17]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992.
[18] HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: vértice, 1990.
[19]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992
[20]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992
[21]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[22]POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
[23]CATELA, Ludmila da Silva. Violencia política y dictadura em Argentina: de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in FICO, Carlos e outros (Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.
[24]Idem.
[25]POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
[26]CATELA, Ludmila da Silva. Violencia política y dictadura em Argentina: de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in FICO, Carlos e outros (Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.
[27]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
[28]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
[29]MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. Memória e cultura material: documentos pessoais no espaço público. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11, n. 21, p. 89-103, 1998
[30]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.

[31]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993. 
[32]POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
[33]POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989
[34]Idem.
[35]Idem.  
[36]Idem.
[37]Idem.
[38]Idem.
[39]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.   
[40]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69
[41]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992
[42]Idem.
[43]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.
[44]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.  
[45]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69 
[46]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[47]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.
[48]Idem.
[49]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[50]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p. 200-212, 1992 

[51]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.

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