Resumo: Este artigo aborda a
problemática da utilização da memória como fonte histórica e suas disputas.
Palavras-Chave: memória coletiva e
individual, disputas, fontes históricas, relação memória/História
Considerações
iniciais
A ideia de
memória, a maneira como ela é exercida e sua relação com a História, vêm sendo
objeto de pesquisa e de debates teóricos de muitos estudiosos ao longo dos
anos. A utilização de fontes orais para o desenvolvimento de estudos não é
recente e ao longo do tempo, a memória e outras fontes dessa mesma origem
perderam a classificação de secundárias e passaram a ser encaradas como
possibilidades de fontes seguras. Esse processo de mudança está ligado ao
questionamento feito pela corrente historiográfica francesa dos Annales,
na década de 1920 que propunha uma diversificação de temas e foi o primeiro
passo para a diversificação do uso das fontes. Em vista disso, para tornar-se
possível conhecer, estudar e problematizar o universo da memória é necessário ter
ciência de que ela é feita por pessoas que vivenciaram os acontecimentos
pessoalmente ou pelo grupo a qual o indivíduo esteja inserido e apresenta como
características a seleção, a construção, a subjetividade, o individual, o
coletivo, o social, o nacional e o afetivo[2].
Esses conceitos precisam ser considerados na análise dessa questão de notável
relevância para o estudo das diferentes sociedades humanas que foram entendidas
e explicadas de diferentes formas. Sua definição denotativa pode apresentar os
seguintes significados: “1. Faculdade de
reter as idéias, impressões e conhecimentos adquiridos. 2. Lembrança,
reminiscência.”[3].
Dessa maneira, a memória torna-se uma lembrança construída no presente a partir
experiências passadas e cada uma possui sua própria lógica e sentido.
Neste trabalho,
procurei desenvolver o tema teórico-metodológico memória e discorrer sobre seus
paradigmas relacionados à construção do conhecimento por parte dos
historiadores, como por exemplo, a questão da memória e seu sentimento de
justiça, de dever, de legitimização de um fato para o indivíduo ou para o
coletivo e a tarefa dos historiadores em encontrar meios para compreendê-la e
utilizá-la como fonte de acesso ao passado criado pelas lembranças banhadas em
sentimentos, subjetividades e expectativas. Escolhi dividir o tema do texto em
alguns tópicos para que se tornasse mais fácil sua análise e compreensão, assim
como a utilização de diversos autores de essencial importância para a
compreensão deste debate teórico.
A história da
Memória
Em seu livro História e Memória[4],
o historiador
francês Jacques Le Goff, demostra que nas sociedades sem
escrita, a questão da memória fica ligada aos interesses do coletivo que se
relaciona com os “mitos de origem”
que são uma forma de explicar a natureza, os sentimentos e o seu funcionamento,
o “prestígio das famílias dominantes”
que são transmitidos pelos seus familiares e no “saber técnico” que é repassado através dos ritos de magia religiosa[5].
A invenção da
escrita transforma profundamente a memória coletiva, já que, permite o processo
de celebração e comemoração através de algo que represente o passado, uma
relíquia e o documento escrito que também é uma forma de monumento que permite
registrar ao longo do tempo, a história dos povos “... todo o documento tem em si um caráter de monumento e não existe memória
coletiva bruta.” [6].
No
Oriente Antigo, as inscrições cederam espaço para os monumentos e outras
grandes civilizações, fizeram em primeiro lugar, a memória escrita nos
calendários. Contudo, os antigos gregos acreditavam que a memória fosse algo
divino, a própria deusa Mnemosine que lembra aos homens suas recordações
heróicas. O poeta seria o único que poderia registrar a memória, através dos
poemas e não de um documento escrito que causaria o seu enfraquecimento. Mais
tarde, Aristóteles defende a laicização da memória ao incluí-la no tempo e na
vontade própria de evocá-la.
Os romanos
acreditavam que a memória era a quinta das cinco artes retóricas, entre o inventio,
a dispositio, a elocutio e o actio. Na Idade Média, ocorre a cristianização da
memória que se torna dominante nos campos religioso e ideológicos “... a memória tinha um papel considerável no
mundo social, no mundo cultural e no mundo escolástico e, bem entendido, nas
formas elementares da historiografia.” [7]. Dessa
forma, ganha grande importância a memória litúrgica, modo pelo qual o tempo
será marcado. A lembrança torna-se com o cristianismo e o judaísmo um dever
religioso fundamental. “A Idade Média
venerava os velhos, sobretudo porque via neles homens-memória, prestigiosos e
úteis.” [8].
Outro acontecimento mudaria, mais uma vez, a memória: o surgimento da imprensa no
início do século XVIII que permitiu uma nova maneira de registro da sociedade
que já foi baseada na transmissão oral passou para a escrita e dessa forma,
desenvolveu artifícios cada vez mais elaborados para a transmissão da memória
em textos.
Do final do
século XVII até o fim do século XVIII a comemoração dos mortos fora esquecida,
não era praticada, “Enquanto que os vivos
podem dispor de uma memória técnica, científica e intelectual cada vez mais
rica, a memória parece afastar-se dos mortos.” [9]. Porém,
essa prática será desfeita com a Revolução Francesa, no qual acontecerá um
retorno dos cemitérios, do ato memorial de “re-presentificação”
[10]e
das lembranças dos mortos na Europa, sendo assim denominadas “sociedades-memória” [11]·.
Comemorar também fazia parte desse movimento revolucionário. A partir do século
XIX, as comemorações e celebrações crescem à medida que ocorre a laicização dos
calendários e festas em vários países.
A História metódica,
voltada para o estudo dos “grandes feitos” e das “grandes personalidades”
permaneceu vigorosa até a primeira metade do século XX. Foi questionada, foi
questionada pela corrente historiográfica francesa dos Annales[12], na década de 1920 que propunha ir além da
visão positivista da história e a realização de uma diversificação dos temas e
das fontes utilizadas e desse modo, inseria a história do povo, das “pessoas
comuns”, do cotidiano e dos “esquecidos” no conjunto de preocupações dos
historiadores. A terceira geração dos Annales fora liderada pelos historiadores Jacques Le Goff e Pierre Nora,
ambos citados neste trabalho. Essa geração ficou conhecida como a “Nova
História” por considerarem história qualquer atividade humana.
Será esse um dos
primeiros passos para o reconhecimento de “memórias
subterráneas” [13]
ou de memórias politicamente “incorretas”? À medida que se admite a existência
de outras formas de expressão, não estaria aí, um embrião para a possibilidade
de convívio das memórias individuais e não oficiais com as memórias dominantes
ou oficiais? A sugestão de convívio entre elas será um dos grandes desafios das
sociedades que pretendem viver um presente justo que está ligado ao
reconhecimento de seu passado e de suas memórias. Dessa forma, surge à
metodologia da História Oral, nos anos de 1950 nos Estados Unidos e no Brasil
na década de 1970[14].
Essa metodologia propõe a valorização das recordações e dos relatos orais como
fontes para interpretar o passado, aliados aos documentos escritos, imagens e
outros tipos de fontes. Dessa maneira, permite que o estudo da história
torna-se mais próximo dos indivíduos e facilite a compreensão das experiências
vivenciadas ou adquiridas pelos outros.
Memória e
Imaginação
Memória e
imaginação são em muitas situações, entendidas como sinônimos, contudo diferenciam-se
no que se refere ao “princípio da
realidade” [15]·.
Enquanto a primeira tem como base um acontecimento ocorrido no passado e uma forma
de registro individual e ao mesmo tempo inserido em uma memória-coletiva, a
segunda não precisa, necessariamente, de um fato para que aconteça apenas uma
faculdade de construir, como também fica limitada a fantasia pessoal. No dicionário
Aurélio, imaginação é definida como “1.
Faculdade que tem o indivíduo de imaginar; fantasia. 2. Faculdade de criar
mediante a combinação de idéias. 3. A coisa imaginada. 4. Criação, invenção,
idéia. 5. Fantasia, devaneio.”[16]. Porém,
as duas são paulatinamente associadas devido ao processo de recordação que tem
como característica a seleção de informações e o exercício de conforto ou dor
que ela possa representar. Muitas vezes, esse procedimento de lembrança é
distorcido pela enorme carga emocional que a compõe. O questionamento
fundamental do historiador deve se remeter a seguinte questão: com o
interpretar essas fontes? Até que ponto, as memórias podem apresentar
credibilidade suficiente para ser capaz de transformar a interpretação de um
fato?
Memória
individual e coletiva
A
princípio, a memória parece ser algo relativamente íntimo, pessoal que não
estaria passível de interferências externas, mas os estudos de Halbwachs (1990)
demonstram que a memória individual é também composta por uma lembrança que
está interagindo com a sociedade e sendo assim, também se tornam uma memória
coletiva e social que está submetida a mudanças constantes. A recordação
individual recebe interferências das lembranças das diferentes memórias dos
grupos, com os quais nos relacionamos e o outro sempre terá um papel importante
nesse processo. Contudo, é importante lembrar que todas as memórias,
independentes de seus pontos mutáveis, apresentam partes fixas que muitas vezes
são partilhadas pelo coletivo, “memórias
construídas coletivamente” [17].
Halbwachs não encara a memória coletiva como imposição, ao contrário, definitivamente
ela permite que os participantes do grupo carreguem um sentimento de
pertencimento, um passado comum a chamada “comunidade
afetiva” [18].
O autor também insinua que acontece uma negociação entre as memórias
individuais e as coletivas e em vista disso, existe a possibilidade de as duas
conviverem e existirem. Nesse sentido, as memórias são formadas pelas
lembranças vividas pelo próprio indivíduo e também pelas recordações que fazem
parte do imaginário de seu grupo e acabam se transformando em “memórias quase que herdadas” [19]
e de fato, garantem o sentimento de “identidade
social” [20]
que é gerada pelos sentimentos de aceitabilidade, credibilidade e continuidade “não haverá memória colectiva sem suportes
de memória ritualisticamente compartilhados” [21],
porém essa memória coletiva se rearticula conforme a posição social que o
indivíduo ocupa.
Reconhecer
esse caráter problemático da memória coletiva provoca uma mudança na estrutura
de estudo de memórias que podem ser utilizadas para entender a maneira como a
qual os indivíduos e seus grupos lidaram e vivenciaram os mesmos
acontecimentos, “Numa perspectiva
construtiva, não se trata mais de lidar com os fatos sociais como coisas, mas
de analisar como os fatos sociais se tornam coisas, como e por quem eles são
solidificados e dotados de duração e estabilidade” [22].
A História Oral embarca nesse processo ao privilegiar a versão dos excluídos,
dos marginalizados, das minorias e ressalta a importância das “memorias subterráneas” [23]
para a construção de uma memória nacional que também precisa levar em
consideração as lembranças das “memorias
denegadas” [24].
Entretanto, a História Oral discorda da idéia de Halbwachs no que se refere que
ao “caráter destruidor, uniformizador e
opressor da memória coletiva nacional” [25]ou
das “memorias dominantes” [26].
Essas memórias não oficiais acabam caindo no silêncio e no esquecimento da
sociedade se não forem privilegiadas pelo Estado.
Outro aspecto
importante acerca da memória individual, coletiva, social e nacional é o seu
relacionamento com os lugares que apresentam uma referência do passado para a
construção das lembranças, a “materialização
da memória” [27].
Precisa-se ter a intenção de que esses locais sejam a representação de um
acontecimento, e que estejam inseridos dentro de um conjunto de aspectos que
formam as recordações e serão dessa forma denominados lugares de memória. Por
esse motivo, são criados os museus, os monumentos, se conservam as relíquias,
se colecionam objetos, são feitos filmes, documentários, celebram-se a morte, a
vida, os aniversários, são repassados os saberes e símbolos, sempre na
expectativa, na tentativa, na “... razão
fundamental de ser um lugar de memória é parar o tempo, é bloquear o trabalho
do esquecimento, fixar um estado de coisas, imortalizarem a morte, materializar
o imaterial...” [28].
Os lugares de memória só sobrevivem e ganham sentido porque “... seus compromissos são essencialmente
com o presente, pois é no presente que são produzidos ou reproduzidos...” [29].
A representação da memória une os indivíduos e perpetuam o sentimento de
pertencimento a grupos e entidades, por conseguinte garante a reprodução
histórica das lembranças nos vivos e promove desse modo, o “reconhecimento de identidades coletivas” [30],
a solidificação das lembranças, porém
na ausência dessa intenção de recordação esses locais se transformaram em “lugares de história” [31].
Estatização da
memória e suas disputas
O confronto entre as memórias
subterrâneas e as memórias dominantes pode ocorrer quando o Estado se comprometer
em oficializar os acontecimentos. Em vista disso, a memória se torna um ponto
de poder e disputa entre as classes, grupos, indivíduos e organizações. Muitas
vezes, as memórias tornam-se uma arma política ao consagrarem uma versão
“verdadeira” de uma lembrança. Em virtude disso, as memórias oficiais
privilegiam, por vários motivos, certos grupos e prejudicaram outros. Ao
elegerem para objeto do culto cívico, heróis nacionais ou “grandes homens”, as
memórias tornam-se lições para o presente do país que precisa lembrar-se dos
“grandes feitos”, definitivamente, uma afirmação da memória nacional. Em
virtude disso, ocorre uma aproximação cultural e histórica das vivências tão
diversas entre os cidadãos. Diante disso, cabe ao Estado decidir o que deve ser
lembrado ou esquecido, comemorado ou apagado, reduzido às recordações dos
álbuns familiares ou transformá-los em monumentos, praças e museus para que
sirvam de representações do passado? Para que as memórias esquecidas tenham
espaço, não seria necessária uma revisão crítica do passado construído e
celebrado? Por conta disso, as lembranças traumatizantes e dolorosas ficam
enclausuradas e escondidas até que um dia possam emergir e tomar forma, “... uma vez que as memórias subterrâneas
conseguem invadir o espaço público, reivindicações múltiplas previsíveis se
acoplam a essa disputa da memória...” [32].
O silêncio do Estado em reconhecer as memórias subterrâneas demonstra a
importância delas com instrumento político e formação de poder, “O longo silêncio sobre o passado, longe de
conduzir ao esquecimento, é a resistência que uma sociedade civil impotente
opõe ao excesso de discursos oficiais.” [33].
Quando não são transmitidas
oficialmente, as memórias subterrâneas passam de geração a geração por meio de
fontes orais e lembranças coletivas. As “lembranças
proibidas..., indizíveis... ou vergonhosas...” [34]
serão guardadas e muitas passarão despercebidas pela maioria da população.
Muitas dessas lembranças, também possuem sua parte do “não-ditos” [35],
algo que conscientemente ou não será esquecido porque envergonha ou causa uma
grande dor aos que a recordam. Já a preocupação da memória oficial está
direcionada a sua “credibilidade... aceitação...
organização” [36].
Por esse motivo, torna-se mais correto chamar a memória dominante de “memória enquadrada” [37]
porque para se tornar oficial, a memória precisa estar impregnada de intensa
organização, coesão interna e defesa dos discursos políticos vigentes. Ela
precisa ser tomada com exemplo e servir de apoio para a construção da memória
comum nacional. Porém, esse enquadramento tem limites, pois precisa atender a
várias exigências: “O trabalho de
enquadramento da memória se alimenta do material fornecido pela história” [38].
Esse trabalho é caracterizado pela reinterpretação do passado, mas a
exigência de sua justificação elimina uma pura falsificação das lembranças,
dependendo mais da coerência com que foi realizada.
Também é preciso entender que as
duas memórias possuem finalidades e características distintas e as datas servem
para ilustrar as diferenças entre as memórias dominantes e as marginalizadas:
as memórias oficiais privilegiam as datas políticas e as memórias subterrâneas
privilegiam datas que de alguma maneira possuem ligações afetivas.
Deve se ressaltar ainda que o sentimento de
identidade individual e do coletivo está sempre presente nessas memórias.
É importante
lembrar que como as memórias, os documentos também são frutos de construções e
por esse motivo, a memória não deve ser desmerecida em relação a sua
credibilidade com os documentos escritos. Os dois são produzidos pelas
expectativas e motivações dos indivíduos e do grupo no presente. Não existe,
portanto, uma diferença fenomenal em relação à fonte escrita e a oral, as duas
precisam ser analisadas e verificadas pelos historiadores, cada qual com as
suas precauções e limitações.
Memória e
História
Para entendemos
as semelhanças e as diferenças entre memória e história seriam de fundamental
importância levar em consideração que “A
necessidade de memória é uma necessidade da história.” [39]·.
No que se referem às diferenças, é importante realçar a distinção entre ambas. A
História é entendida, por muitos autores, como uma ciência humana que estuda os
processos de desenvolvimento do homem no tempo e no espaço, e por isso,
apresenta princípios e formas de funcionamento para a produção do seu
conhecimento, a partir de reflexões e análises. E a memória, ao contrário, é
uma recordação subjetiva e pessoal que focaliza e seleciona coisas específicas
estando inserida em um contexto coletivo para que assim faça sentido. Também já
foi menosprezada por muitos historiadores influenciados pelas idéias
iluministas do século XVIII, na qual o método era super valorizado e a ciência
seria a única forma de conhecimento e que produziria verdades absolutas. Nesse
sentido, a memória não apresentava as características necessárias para a
produção do conhecimento científico e dessa maneira, História e memória
tornam-se muito distantes. Só no século XX, com a corrente historiográfica
francesa dos Annales essa
concepção seria modificada e a subjetividade entraria no ofício do historiador,
que a partir desse momento, poderia utilizar vários tipos de fontes, sem
comprometer e desvalorizar seu trabalho.
No que se
referem às semelhanças, nos dois casos, o objeto está ausente e a busca pelo
passado e as expectativas criadas no presente às tornam próximas, “... dentro de uma experiência de tempo que é
indissociável da memória e das expectativas.” [40]·.
As duas também são possíveis de alterações, seja no entendimento íntimo ou na
mudança de percepção de um determinado fato e são construídas por “pessoas, personagens” [41].
Da memória, espera-se uma continuidade lógica, que tenha sentido no emaranhado
de informações guardadas. Cria-se, desse modo, um questionamento em relação a
uma cronologia verdadeira, oficial ou uma cronologia falsa, alterada, “... a única coisa que se pode dizer é que
existem cronologias plurais, em função do seu modo de construção, no sentido do
enquadramento da memória, e também em função de uma vivência diferenciada das
realidades.” [42]·.
Por isso, a admissão da pluralidade, tanto das memórias como das cronologias,
seria um fator essencial para o trabalho do historiador que precisa lidar em
seu cotidiano, com as infinitas possibilidades de interpretações, “... a renúncia a uma temporalidade linear em
proveito dos tempos vividos múltiplos, nos níveis em que o individual se
enraíza no social e no coletivo...” [43].
Dentro dessa
perspectiva, a memória não apresenta como questão essencial a referência, a
veracidade para a aceitação do discurso e encontra-se distante da questão da
verdade. Ela está mais ligada à subjetividade do que com a objetividade
histórica, “Se ninguém sabe do que o
passado é feito, uma inquieta incerteza transforma tudo em vestígio, indício
possível, suspeita da história...” [44].
Contudo, os historiadores não estão isentos de pré-conceitos e também poderão
interpretar os acontecimentos de acordo com suas verdades, de seu papel social
e de sua forma de socialização. Por conseguinte, “... a escrita da história também é fonte produtora (e legitimadora) de
memórias e tradições...” [45].
Seria relevante
frisar os diferentes posicionamentos dos historiadores Fernando Catroga e Pierre
Nora em relação à História e a memória. Enquanto o primeiro autor, em seu texto
“Memória e História” [46]
valoriza a aproximação entre a memória e a História, Pierre Norra em” Entre memória e história: a problemática
dos lugares”[47]frisa
o distanciamento entre ambas. De qualquer forma, “a memória é um absoluto e a história só conhece o relativo.” [48].
Em vista disso, caberia a História-disciplina o papel de imortalizar as
memórias? Ou é preciso construir instituições, monumentos e indícios que
relembrem o passado? Ela precisa ser aceita como “versão verdadeira” somente
para um indivíduo ou precisa ser reconhecida pelo grupo? É importante ressaltar:
por que a memória seria menos válida como fonte, em comparação ao documento
escrito, se ambos foram construídos?
Considerações
finais
Durante muito
tempo, os estudos históricos privilegiaram os “grandes feitos”, os “grandes
homens” e as “grandes batalhas”, o chamado Historicismo de Hegel, dessa forma a
Historiografia se voltava para o reconhecimento dos grupos dominantes. Somente
em meados do século XX, esse sistema seria questionado por um grupo de
historiadores franceses pertencentes à primeira geração dos Annales, já que, esse procedimento
apagava da história o papel das minorais e dos oprimidos pela memória
dominante. Nesse sentido, a memória coletiva faz parte das questões das
sociedades e do exercício de poder que ela acarreta. Dentro dessa perspectiva, a
História, que agora era vista como uma ciência possuía novas concepções do
tempo histórico e de metodologias que desenvolveram uma nova historiografia,
apoiada nas mentalidades e nas experiências dos diferentes grupos passou, dessa
maneira, a dar existência, visibilidade e credibilidade às várias narrativas
existentes. Não se pode esquecer também que a memória torna-se um elemento de
coesão essencial para a identidade individual e social da mesma forma que sua
conquista é também um exercício de poder e consolidação política[49].
Nesse sentido, a
memória torna-se uma problemática histórica quando passa a servir com fonte de
conhecimento e de referência do passado para os historiadores. Por meio dela, torna-se possível conhecer a
maneira como cada acontecimento, afeta o indivíduo e o grupo que está inserido.
Também é importante perceber a forma com a qual cada indivíduo irá tratar a sua
lembrança. E mais ainda: como o Estado irá dar conta de reproduzi-la e
legitimá-la, torná-la uma memória dominante e ainda sim permitir a existência
de memórias secundárias, sem sufocá-las. Essas são questões-chave para o historiador
que trabalha com as dinâmicas da memória.
Será possível
recolher veracidade dessas lembranças repletas de sentimentos e apagada pelo
tempo? A possibilidade de ouvi-las é dar ênfase a uma “história da vida” [50],
um instrumento privilegiado que ainda está inserido no presente e que está
sendo utilizado para o entendimento da História Contemporânea. Da mesma forma
que os historiadores lidam com os documentos escritos, a memória também é uma
fonte a ser consultada e que necessita de muita sensibilidade e cuidado por
parte dos pesquisadores, “Devemos
trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para
a servidão dos homens.” [51].
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http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral
[1]Aluna de graduação em História da
Universidade Federal do Rio de Janeiro.
[2]POLLAK, Michel. Memória e
identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n.
10, p. 200-212, 1992.
[3]FERREIRA,
Aurélio de Buarque de Holanda, 1910-1989. Miniaurélio
Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa/Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird
Ferreira; lexicografia, Margarida doa Anjos. 4. ed. rev. ampliada – Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[4]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.).
Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória – história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 2001.
[5]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.).
Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória – história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da
Moeda, 2001.
[6]Idem.
[7]Idem.
[8]Idem.
[9]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero
(Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória – história. Lisboa: Imprensa
Nacional, Casa da Moeda, 2001.
[10]CATROGA, Fernando. Memória e
história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[11]Idem.
[12]FEBVRE, Lucien. “Frente ao vento”
e “A história historicizante” in
FEBVRE, Lucien. Combates pela história. 2.
ed. Lisboa: Presença, 1985.
[13]CATELA,
Ludmila da Silva. Violencia política y
dictadura em Argentina: de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in
FICO, Carlos e outros (Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço
e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.
[14]
http://cpdoc.fgv.br/acervo/historiaoral
[15]CATROGA, Fernando. Memória e
história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[16]FERREIRA,
Aurélio de Buarque de Holanda, 1910-1989. Miniaurélio
Século XXI: O minidicionário da língua portuguesa/Aurélio Buarque de
Holanda Ferreira; coordenação de edição, Margarida dos Anjos, Marina Baird
Ferreira; lexicografia, Margarida doa Anjos. 4. ed. rev. ampliada – Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2000.
[17]POLLAK, Michel. Memória e
identidade social. Tradução de Monique Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n.
10, p. 200-212, 1992.
[18]
HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva.
São Paulo: vértice, 1990.
[19]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique
Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-212, 1992
[20]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique
Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-212, 1992
[21]CATROGA, Fernando. Memória e
história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[22]POLLAK, Michael. Memória,
esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
[23]CATELA,
Ludmila da Silva. Violencia política y
dictadura em Argentina: de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in
FICO, Carlos e outros (Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço
e perspectivas. Rio de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.
[24]Idem.
[25]POLLAK, Michael. Memória,
esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
[26]CATELA, Ludmila da Silva. Violencia política y dictadura em Argentina:
de memorias dominantes, subterráneas y denegadas in FICO, Carlos e outros
(Orgs.). Ditadura e democracia na América Latina: balanço e perspectivas. Rio
de Janeiro: FGV, 2008. p.179-199.
[27]NORA, Pierre. Entre memória
e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28,
dez. 1993.
[28]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos
lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10,
p. 7-28, dez. 1993.
[29]MENESES, Ulpiano T. Bezerra
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21, p. 89-103, 1998
[30]CATROGA, Fernando. Memória e
história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[31]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos
lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10,
p. 7-28, dez. 1993.
[32]POLLAK, Michael. Memória,
esquecimento e silêncio. Estudos Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989.
[33]POLLAK, Michael. Memória, esquecimento e silêncio. Estudos
Históricos, n. 3 Rio de Janeiro: 1989
[35]Idem.
[36]Idem.
[37]Idem.
[38]Idem.
[39]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos
lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10,
p. 7-28, dez. 1993.
[40]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J.
(Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69
[41]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique
Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-212, 1992
[42]Idem.
[43]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero (Dir.).
Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória – história. Lisboa: Imprensa Nacional, Casa da
Moeda, 2001.
[44]NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos
lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10,
p. 7-28, dez. 1993.
[45]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J.
(Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69
[46]CATROGA, Fernando. Memória e
história. In: PESAVENTO, Sandra J. (Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da
Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[47]NORA, Pierre. Entre memória
e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28,
dez. 1993.
[48]Idem.
[49]CATROGA, Fernando. Memória e história. In: PESAVENTO, Sandra J.
(Org.). Fronteiras do milênio. Porto Alegre: Editora da Universidade/UFRGS, 2001, p. 43-69.
[50]POLLAK, Michel. Memória e identidade social. Tradução de Monique
Augras. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v.
5, n. 10, p. 200-212, 1992
[51]GOFF, Jacques Le. Memória. In ROMANO, Ruggiero
(Dir.). Enciclopédia Einaudi. Vol 1: Memória – história. Lisboa: Imprensa
Nacional, Casa da Moeda, 2001.
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