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terça-feira, 5 de março de 2013

Branco - João Batista (JB)

Hoje vi minhas mãos. Nunca vi nada igual. Ultimamente está tudo nublado e aquoso. Tudo balança e me vejo imerso em maremotos intermináveis. Não tenho dor de cabeça. Apenas uma vontade estranha de esticar os pés. Ainda não os vi. Sinto. Para ver é preciso abaixar muito a cabeça. Já tentei. Me causou incômodo. Prefiro esperar. Por enquanto me ocupo com as mãos.


Os dedos me parecem coisas extraordinárias. Eles mexem com facilidade em movimentos singulares e simétricos. É como se eles falassem comigo, respondendo aos meus pensamentos. Devem ter alguma sincronia que ainda não entendi. Também não contei quantos dedos são.  Sei apenas que cada mão é cheia deles. Poucos ou  muitos (um dia saberei ao certo), estão na quantia exata. Me atrapalharia se fossem mais. Os olhos não conseguem captar tudo.

Acordei ontem numa posição diferente da habitual. Foi por causa dos maremotos. Quando os olhos me abriram, vi um espetáculo: uma mão encostada na outra. Cada dedo tocando o seu igual, como se conversassem alheios a minha vontade, em diálogos secretos enquanto sonhava. Deixei eles lá. Não mexi em nada. Fiquei sentido os pés. Imaginei eles com dedos também. Não dá para ver. Às vezes é escuro. E tudo atrapalha. As mãos estão perto e as vejo bem.

Mexi com elas. Flutuam soltas e vivas. O joelho esquerdo, num espasmo involuntário, bateu na mão direita. Ela se jogou contra a esquerda, interrompendo o voo. Gostei muito desses agitos. Me distraia dos balanço enjoados. Depois dessa vez, passava o tempo todo jogando mãos.

Eu não escuto bem. Os ouvidos estão sempre entupidos. Não posso saber. Mas, às vezes, sim. às vezes ouço barulhos insistentes. Alguém arrastando cama, batendo latas, martelando. Isso vem pela água multiplicando sons e trovões. Parece. Não sei, não posso saber. O que planejo de imediato é me esticar mais. Balançar mãos e pés. Tocar as paredes. Tirar o excesso de água.

Ontem vi meus  pés. Foi numa dessas reviravoltas. Realmente eles têm dedos como imaginava. Quase iguais aos das mãos. Um pouco menores. Na mesma quantidade. Achei bonitos. Foi a última grande novidade. Depois de algumas descobertas, meu universo pareceu limitado. E os maremotos diários ficaram mais irritantes. É como se precisasse me libertar.

Dou conta que estou preso. Ou algo me prende. Senti mais do que as mãos e pernas. Sei lá. Uma corda, uma trave, um fio, uma linha, um graveto. Algo me ronda, me cerca. Algo me prende. E tenho que me desvencilhar disso.  Eu, que só esperava e via as coisas, agora sinto que tenho uma tarefa a fazer. Me preocupo tanto. Esqueço das mãos. Elas brincam sozinhas.

Os meus pés ficam cada vez mais longe dos olhos. Parece que fogem. Acho que eles têm inveja das mãos. Os meus olhos têm visto muita luz. Ela dissipa nuvens e acalma as tempestades. Penso que a claridão deva ser algo bom por isso. Com pulos e cambalhotas persigo esse branco há dias. Ele parou lá embaixo. Também parei, meio torto.

Ouvi estrondo. A escuridão tão costumeira fugia. Ainda assustado, de sobressalto, fui atrás. Me senti sem água e sem ar. Os pés balançavam vivos como nunca. Havia um grande branco onde tudo desaparecia. Era minha chance de libertação. Coloquei os pés na parede, tomei impulso e me joguei no branco. Me sinto livre. Não há maremotos. Embora sinta os pés num chão, não vejo mais nada.


Atividades

1 - O texto Branco, de João Batista, é um conto. Quem é o narrador neste conto? Justifique sua resposta.

2 - Quando o narrador viu pela primeira vez as mãos achou seus dedos extraordinários. O que em sua opinião pode tê-lo fascinado em algo tão simples? Por quê?

3 - Algumas vezes ao longo do texto o personagem comenta sobre os maremotos. O que pode provocar esse movimento brusco das águas comentadas no texto?

4 - Onde está o personagem do texto e qual sua idade aproximada? Justifique sua resposta.

5 - Por que o personagem só dizia enxergar enquanto estava no escuro e quando finalmente encontrou a claridade não via mais nada?















Um comentário:

Anônimo disse...

tiago