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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A Política - Aristóteles - parte 4


Isto é mesmo do maior interesse, já que as mulheres constituem a metade das pessoas livres, e as crianças serão os que participarão do governo dos negócios públicos.

Do Cidadão
Para bem conhecer a Constituição dos Estados e suas espécies, é preciso em primeiro lugar saber o que é um Estado, pois nem sempre se está de acordo e deve imputar fatos ao Estado ou aos que o governam, quer como chefes únicos, quer num grupo menos numeroso do que o resto da Cidade. Ora, o Estado é o sujeito constante da política e do governo; a constituição política não
é senão a ordem dos habitantes que o compõem.
Como qualquer totalidade, o Estado consiste numa multidão de partes: é a universalidade dos cidadãos. Comecemos, pois, por examinar o que devemos
entender por cidadão e quem podemos qualificar assim, pois se trata de uma denominação equívoca e nem todos são unânimes sobre a sua aplicação.
Alguém que é cidadão numa democracia não o é numa oligarquia.
O Critério da Cidadania
Falemos aqui apenas dos cidadãos de nascimento, e não dos naturalizados.
Não é a residência que constitui o cidadão: os estrangeiros e os escravos não são "cidadãos", mas sim "habitantes".
Tampouco é a simples qualidade de julgável ou o direito de citar em justiça.
Para isso, basta estar em relações de negócios e ter ao mesmo tempo alguma coisa a resolver. Mesmo assim, há muitos lugares em que os estrangeiros não
são admitidos nas audiências dos tribunais senão quando apresentam uma caução. Não participam, então, a não ser de um modo imperfeito, dos direitos da Cidade.
É mais ou menos o mesmo que acontece com as crianças que ainda não têm idade para serem inscritas na função cívica e com os velhos que, pela idade, estão isentos de qualquer serviço. Não podemos dizer simplesmente que
eles são cidadãos; não são senão supranumerários; uns são cidadãos em esperança por causa de sua imperfeição, outros são cidadãos rejeitados por causa de sua decrepitude. Terão o nome que se quiser: o nome não importa desde que sejamos compreendidos. Procuramos aqui o cidadão puro, sem restrições nem modificações.
Com mais forte razão, devemos deliberadamente riscar desta lista os infames e os banidos.
Portanto, o que constitui propriamente o cidadão, sua qualidade  verdadeiramente característica, é o direito de voto nas Assembleias e de participação no exercício do poder público em sua pátria.
Há dois tipos de poderes: uns são temporários, só são atribuídos por certo tempo e não se podem obter duas vezes em seguida; os outros não têm tempo
fixo, como o de julgar nos tribunais ou de votar nas assembléias. Objetar-se-á, talvez, que estes últimos não são verdadeiros poderes e não participam de modo algum do governo. Mas seria ridículo contestar esta
denominação de quem se pronuncia sobre os interesses maiores do Estado. Aliás, pouco importa, essa é apenas uma questão de palavras. Não possuímos, com efeito, um termo comum sob o qual possamos colocar a função de juiz e a de membro da Assembleia. Será, se quiser, um poder sem nome. Ora, chamamos "cidadão" quem quer que seja admitido nessa participação e é por ela, principalmente, que o distinguimos de qualquer outro habitante.
Convém ainda notar que nas coisas cujo sujeito pertence a espécies diferentes, sem outra relação entre si, senão que uma é a primeira, a outra a segunda e assim por diante, não há absolutamente nada ou muito pouco em
comum. É o que se observa nas formas de governo: são de diferentes espécies, umas primitivas, outras posteriores. Entre estas últimas devem ser contadas as corrompidas e degeneradas, que vêm necessariamente depois das que
permaneceram sãs e intactas. (Explicaremos mais adiante em que consiste a degenerescência9.) Portanto, o cidadão não pode ser o mesmo em todas as formas de governo. É sobretudo na democracia que é preciso procurar aquele
de que falamos; não que ele não possa ser encontrado também nos outros Estados, mas neles não se acha necessariamente. Em alguns deles, o povo não é nada. Não há Assembleia geral, pelo menos ordinária, mas simples convocações extraordinárias. Tudo se decide pelos diversos magistrados, segundo suas atribuições. Na cerimônia, por exemplo, os éforos tratam dos contratos; os senadores, dos homicídios; as outras magistraturas, das outras matérias. Acontece o mesmo em Cartago, onde alguns magistrados decidem sobre tudo.
A definição do cidadão, portanto, é suscetível de maior ou menor extensão, conforme o gênero do governo. Há alguns em que o número e o poder dos juízes e dos membros da Assembleia não é ilimitado, mas restrito pela constituição. O direito de julgar e deliberar cabe a todos ou apenas a alguns, e isso sobre todas as matérias, ou somente sobre algumas. Por aí se pode ver a quem convém o nome de cidadão em cada lugar. É cidadão aquele que, no país em que reside, é admitido na jurisdição e na deliberação. É a universalidade deste tipo de gente, com riqueza suficiente para viver de modo independente, que constitui a Cidade ou o Estado.
Comumente, o costume é dar o nome de cidadão apenas àquele que nasceu de pais cidadãos. De nada serviria que o pai o fosse, se a mãe não for.
Em alguns lugares, vai-se ainda mais longe, até dois avôs ou a um grau maior.
Surge, então, a dificuldade de saber como serão eles mesmos cidadãos, este terceiro e este quarto avô. Górgias de Leonte dizia, não se sabe se a sério ou por brincadeira, que, assim como os caldeireiros fazem caldeiras, assim
também os habitantes de Larissa fabricavam larissianos, e que era preciso que os larissianos fabricados tivessem os seus fabricantes. De acordo com nossa definição, a coisa é simples. Se participarem do poder público, serão cidadão.
A outra definição, que exige que se tenha nascido de um cidadão ou de uma cidadã, excluiria desta categoria, em contrapartida, os primeiros habitantes e os próprios fundadores da Cidade.
Há maior incerteza a respeito daqueles a quem foi concedido direito à cidadania durante uma revolução, como fez Clístenes em Atenas, quando, após
a expulsão dos tiranos, formou várias tribos novas de estrangeiros e até de escravos imigrados. Quanto a eles, a questão não é saber se são cidadãos, mas se tornaram tais com justiça ou não. Podemos, também, duvidar se eles se tornaram cidadãos de forma legal, não existindo então nenhuma diferença entre a ilegalidade e o erro. Existe, no entanto, uma distinção muito real. Com
efeito, vemos pessoas que alcançam a magistratura por meios ilegais, e não deixamos, porém, de chamá-los de magistrados, mas magistrados ilegítimos.
Sendo, portanto, o cidadão caracterizado pelo atributo do poder (pois é pela participação no poder público que o definimos), nada impede de contar entre os cidadãos as criaturas de Clístenes.
A questão de sua cidadania depende também do outro problema anunciado acima, se devemos ou não imputar ao Estado a sua admissão, o que não é fácil
de decidir quando o Estado passa da oligarquia ou da tirania para a democracia. Pois então o novo Estado não quer nem pagar as dívidas contraídas anteriormente, considerando-as como feitas não pela Cidade, mas
pelo tirano que recebeu o dinheiro, nem quer manter os outros compromissos, pretendendo que certos Estados só subsistem por violência e não pelo interesse comum. Portanto, se o mesmo vício ocorrer na democracia, será preciso dizer de seus atos o que se diz dos da oligarquia e da monarquia absoluta ou tirânica.

As Diversas Espécies de Cidadãos
Resta ainda uma dúvida sobre o título de cidadão. Apenas são os verdadeiros cidadãos os que são admitidos nas funções públicas, ou esta qualidade pode convir aos operários? Se os contarmos entre os cidadãos, sem
lhes conferirmos os cargos, esta prerrogativa não será mais o caráter distintivo do cidadão; se não os contarmos, em que classe os colocaremos? Não são nem estrangeiros, nem naturalizados. Classificar-los-emos da mesma forma?
Não haveria inconvenientes. É assim que excluímos os escravos e os libertos do número dos cidadãos.
Pois não se deve julgar que sejam cidadãos todos aqueles de que a Cidade não pode prescindir. Quanto a esta denominação, distinguiremos até entre as crianças e os homens adultos: estes são cidadãos pura e simplesmente,
aqueles não o são senão em esperança ou imperfeitamente.
Antigamente, entre alguns povos, o artesão e o operário estavam no mesmo pé que o escravo e o estrangeiro. Ainda acontece o mesmo atualmente em muitos lugares, e jamais um Estado bem constituído fará de um artesão um cidadão. Caso isso ocorra, pelo menos não devemos esperar dele o civismo de que falaremos: esta virtude não se encontra em toda parte; ela supõe um homem
não apenas livre, mas cuja existência não o faça precisar dedicar-se aos trabalhos servis. Ora, que diferença há entre os artesãos ou outros mercenários e os escravos, a não ser que estes pertencem a um particular e aqueles ao
público? Por pouco que prestemos atenção a ela, esta verdade se manifestará; o desenvolvimento só pode torná-la mais evidente.
Já dissemos que há várias espécies de constituição e de governo; há, certamente, portanto, vários tipos de cidadãos, sobretudo entre os que chamamos de súditos. Existem constituições pelas quais os operários e os
mercenários devem ser cidadãos, mas existem outras pelas quais isto é impossível, por exemplo, na aristocracia, se é que ela existe, assim como em qualquer outro Estado em que se honrem o mérito e a virtude. As obras da
virtude são impraticáveis para quem quer que leve uma vida mecânica e mercenária.
Na oligarquia, em que o bem conhecido como riqueza abre as portas para os melhores cargos, o povo miúdo não é admitido na classe dos cidadãos. Mas
os artesãos não estão incluídos. Eles podem enriquecer-se e se tornar cidadãos uma vez que tiverem feito fortuna. Em Tebas, o próprio comércio dificulta o acesso à cidadania. Havia uma lei que exigia que se tivesse fechado a loja e deixado de vender há dez anos para ser admitido.
Existem, em compensação, outros Estados em que a lei atrai os estrangeiros pela perspectiva do direito de cidadania, pelo menos para seus filhos. Em certas democracias, por exemplo, basta para ser um cidadão ter
nascido de uma mãe do lugar. Em outros lugares, por falta de cidadãos legítimos, os bastardos são admitidos como tais. A falta de homens força-os a usar desse recurso. Mas, quando a população chega à sua justa quantidade, pouco a pouco se despedem, primeiro as crianças nascidas de mãe ou de pai escravos, depois os que só se ligam à pátria pela mãe, e então só se
reconhecem como cidadãos os que foram gerados por dois compatriotas.
Resulta de tudo isso que há várias espécies de cidadãos, mas os verdadeiros são apenas os que participam dos cargos. Quando Homero fala de um fugitivo ou de um vagabundo, é pela exclusão dos cargos públicos que o
caracteriza.
Tratado sem nenhum respeito, excluído da Cidade.
Quem quer que não participe dela, com efeito, é como um estrangeiro que acaba de chegar.
Se em algum lugar escondem esta distinção, fechando os olhos sobre os domiciliados que usurpam a qualidade de cidadão, é para iludi-los e disfarçar sua malignidade.

As Virtudes que Fazem o Cidadão e o Homem de Bem os objetos que acabamos de tratar levam-nos agora a examinar se as mesmas virtudes fazem o homem de bem e o bom cidadão. E, já que esta questão vale a pena, tentemos de início traçar um ligeiro esboço das virtudes
cívicas.
Podemos comparar os cidadãos aos marinheiros: ambos são membros de uma comunidade. Ora, embora os marinheiros tenham funções muito diferentes,
um empurrando o remo, outro segurando o leme, um terceiro vigiando a proa ou desempenhando alguma outra função que também tem seu nome, é claro que as
tarefas de cada um têm sua virtude própria, mas sempre há uma que é comum a todos, dado que todos têm por objetivo a segurança da navegação, à qual aspiram e concorrem, cada um à sua maneira. De igual modo, embora as funções dos cidadãos sejam dessemelhantes, todos trabalham para a conservação de sua comunidade, ou seja, para a salvação do Estado. Por conseguinte, é a este interesse comum que deve relacionar-se a virtude do
cidadão.
Portanto, se há várias espécies de governo, é impossível que as virtudes cívicas e o civismo perfeito sejam os mesmos em toda parte, ou que eles se confundam com a virtude absoluta, pela qual distinguimos as pessoas  obres. É evidente que se pode ser bom cidadão sem possuir virtudes tão eminentes.
Porém, para melhor discutir esta questão, convém situarmo-nos no melhor governo possível. Veremos, por um lado, que é impossível que o Estado seja composto inteiramente de homens perfeitos, e, por outro, que é preciso que cada um execute o melhor possível suas funções. Uma vez que parece impossível que todos os cidadãos se assemelhem, não pode o mesmo gênero
de virtude fazer o bom cidadão e o homem de bem. Mas todos devem ser bons cidadãos. É daí que provém a bondade intrínseca do Estado, sem que seja necessário que haja entre todos igualdade de mérito. O mérito de um homem de bem e o de um bom cidadão são, portanto, coisas distintas.
O Estado, aliás, é um composto de partes dessemelhantes, aproximadamente como o animal se compõe da alma e do corpo; a alma, de razão e de paixões; a família, do homem e da mulher; a casa, do senhor e do escravo. Abrangendo o Estado todas estas partes e muitas outras de espécie diferente, não pode haver, portanto, o mesmo gênero de virtudes para uns e
para outros. Assim, num grupo de dançarinos, é preciso mais talento para o papel de corifeu do que para o de corista. A desigualdade de mérito é, pois,
evidente.
Mas não há nenhum lugar em que a virtude do bom cidadão seja a mesma
que a do homem de bem? Quando falamos de um bom comandante,
entendemos por isso um homem de juízo e de honra; exigimos sobretudo a
prudência naquele que governa. Alguns exigem ainda outras qualidades no
governante máximo. Vemo-lo pela educação dos filhos de reis, que são criados no adestramento de cavalos e na disciplina militar: Que não me ostentem todos esses talentos vulgares, Que mostrem ao Estado as virtudes necessárias, o que supõe um treinamento particular para as pessoas desse nível. Se entre os altos funcionários o mesmo mérito faz o homem de bem e o bom cidadão; se,
ademais, a qualidade de súdito não exclui a de cidadão, a virtude cívica não será, porém, a mesma coisa que o que chamamos pura e simplesmente de mérito. Haverá sinonímia apenas em alguns cidadãos, vale dizer, nos que estão no governo do Estado. Em qualquer outra classe, as qualidades serão distintas.
Talvez tenha sido isso que fez Jasão dizer: Só conheço uma arte e só sei reinar.
No entanto, é bom saber igualmente mandar e obedecer, e um cidadão experimentado é aquele que é capaz de ambos os papéis. Suponhamos um homem de bem que só saiba comandar e um cidadão que saiba um e outro:
eles não terão o mesmo valor; já que, desses diferentes papéis, é preciso que o homem destinado ao comando aprenda um e seus súditos outro, o cidadão que
participa de ambos deve aprendê-los de igual modo e conhecer os diversos tipos de comando.

A Política - Aristóteles - parte 5


Pois há inicialmente o comando do senhor, que se exerce sobre o que chamamos de empregados necessários. Não é preciso que aquele que o exerce saiba fazer os trabalhos servis, basta que saiba utilizá-los; cabe a seus
servidores saber a execução. Assim como há vários tipos de funções servis, há também vários tipos de escravos. Entre as pessoas que estão em servidão, é
preciso contar os trabalhadores manuais que vivem, como indica seu nome, do trabalho de suas mãos e os artesãos que se ocupam dos ofícios sórdidos. Assim, em alguns lugares, antigamente, antes que o povo chegasse à extrema licença, os cargos ou poderes públicos não eram conferidos a esse tipo de gente. Suas ocupações não convêm nem ao homem de bem, nem ao alto
funcionário, nem ao bom cidadão, se não for para seu uso pessoal, caso em que ele é ao mesmo tempo senhor e servo.
Mas há um outro tipo de comando que tem por súditos as pessoas livres e de mesma condição: é o que se chama o governo civil. Só se aprende começando por obedecer. Assim, pelo próprio serviço sob as ordens do
hiparca, se aprende a comandar a cavalaria; servindo sob o general e os demais oficiais da infantaria, aprende-se a comandar os diversos graus militares. Existe até uma máxima quanto a isto, que diz que não é possível bem
comandar se antes não se tiver obedecido. Ora, estes são dois gêneros diferentes de mérito, e é preciso que um bom cidadão adquira ambos, saiba obedecer e esteja em condições de comandar. Ambos também convêm ao homem de bem, embora de modo diferente,
pois a temperança e a justiça diferem até entre pessoas livres, das quais uma é superior e a outra inferior, por exemplo, entre homem e mulher. A coragem de
um homem se aproximaria da pusilanimidade se fosse apenas igual à de uma mulher, e a mulher passaria por atrevida se não fosse mais reservada do que um
homem em suas palavras. A administração doméstica, em ambos os casos, também deve apresentar alguma diferença, sendo um encarregado de comprar,
outro de economizar e de conservar. O mérito especial do que comanda é a prudência. As outras virtudes lhe são
comuns com os que obedecem. Estes não precisam de prudência, mas sim de confiança e de docilidade; são como os instrumentos ou então como o
fabricante de alaúdes, e o homem que comanda é como o executante que os toca.  Sabemos, agora, se as qualidades do homem de bem e do bom cidadão
são ou não as mesmas, como elas se assemelham e em que diferem. Da Finalidade do Estado O homem é, por sua natureza, como dissemos desde o começo ao falarmos
do governo doméstico e do dos escravos, um animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também
nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular. Reunimo-nos, mesmo que seja só para pôr a vida em segurança. A própria vida é uma espécie de dever para aqueles a quem a natureza a deu e, quando não é excessivamente cumulada de misérias, é um motivo suficiente para permanecer em sociedade.
Ela conserva ainda os encantos e a doçura neste estado de sofrimento, e quantos males não suportamos para prolongá-la!
Mas não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se fez o Estado, sem o quê, a sociedade compreenderia os escravos e até mesmo os outros animais. Ora, não é assim. Esses seres não participam de forma alguma da felicidade pública, nem vivem conforme suas próprias vontades. Os homens tampouco se reuniram para formar uma sociedade militar e se
precaver contra as agressões, nem para estabelecer contratos e fazer trocas de coisas ou outros serviços. Caso contrário, os tirrenianos e os cartagineses e
todos os outros povos que comerciam uns com os outros seriam membros de uma mesma Cidade. Eles possuem tratados redigidos por escrito, com base
nos quais importam e exportam suas mercadorias, garantem-nas uns aos outros, prometendo defendê-las a mão armada. Mas não têm, quanto a esses
objetos, nenhum magistrado que lhes seja comum. Cada um desses povos tem os seus em seu próprio território. Eles não se preocupam com o que os outros
são, nem com o que fazem, se são injustos ou corrompidos como particulares, só fazendo questão da garantia que ambos os povos se deram mutuamente de
não se lesarem. Aqueles, pelo contrário, que se propõem dar aos Estados uma boa constituição prestam atenção principalmente nas virtudes e nos vícios que
interessam à sociedade civil, e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.
Sem isso, não será mais do que uma liga ou associação de armas, diferindo das outras ligas apenas pelo lugar, isto é, pela circunstância indiferente da proximidade ou do afastamento respectivo dos membros. Sua lei não é senão
uma simples convenção de garantia, capaz, diz o sofista Licefron, de mantê-los no dever recíproco, mas incapaz de torná-los bons e honestos cidadãos.  Para tornar isto mais claro, suponhamos que aproximamos os lugares e que
as cidades de Megara e Corinto se toquem; esta proximidade não fará com que os dois Estados se confundam, mesmo que se acertassem casamentos entre
uma e outra cidade, apesar de este ser um dos laços mais íntimos para a comunicação mútua. Suponhamos, até, alguns homens: um carpinteiro, outro lavrador, outro
sapateiro, um quarto de alguma outra profissão. Suponhamos, se quiser, dez mil deles, residindo separadamente, mas não a uma distância tão grande
que não se possam comunicar. Eles fizeram um pacto de não-agressão no que toca a seus comércios e até prometeram tomar armas para sua mútua defesa,
mas não têm outra comunicação a não ser o comércio e seus tratados. Mais uma vez, esta não será uma sociedade civil. Por quê, então? Nesta hipótese,
não se dirá que estejam afastados demais para se comunicarem.
Aproximando-se assim, a casa de cada um deles assumiria o papel de cidade e eles se prestariam, graças à sua confederação, ajuda contra as agressões injustas. No entanto, se não tivessem nessa aproximação uma comunicação mais importante do que a que têm quando separados, esta ainda não seria exatamente uma Cidade ou uma sociedade civil. A Cidade, portanto, não é
precisamente uma comunidade de lugar, nem foi instituída simplesmente para se defender contra as injustiças de outrem ou para estabelecer comércio. Tudo
isso deve existir antes da formação do Estado, mas não basta para constituí-lo. A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver
bem, isto é, para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma. Ora, isto não pode acontecer senão pela proximidade de habitação e pelos casamentos.
Foi para o mesmo fim que se instituíram nas cidades as sociedades particulares, as corporações religiosas e profanas e todos os outros laços, afinidades ou maneiras de viver uns com os outros, obra da amizade, assim
como a própria amizade é o efeito de uma escolha recíproca. O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão
meios para isso, e a própria Cidade é apenas uma grande comunidade de famílias e de aldeias em que a vida encontra todos estes meios de perfeição e
de suficiência. É isto o que chamamos uma vida feliz e honesta. A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que uma sociedade de
honra e de virtude. As Condições da Felicidade Particular
Cremos ter estabelecido suficientemente em outro lugar em que consiste a felicidade da vida". Contentar-nos-emos aqui em fazer a aplicação de nossos princípios.
Ninguém contestará a divisão, habitual entre os filósofos, dos bens em três classes: os da alma, os do corpo e os exteriores. Todos estes bens devem ser
encontrados junto às pessoas felizes.
Jamais se contará entre elas um homem que não tem coragem, nem temperança, nem justiça, nem prudência; quem tem medo até do voo das
moscas no ar; quem se entrega a todos os excessos da bebida e da comida; quem, pelo mais vil interesse, mataria seus melhores amigos; quem demonstra
ter tão pouca razão quanto as crianças e os furiosos.
Mas, embora estejamos de acordo sobre isso, diferimos quanto ao mais e quanto ao menos. A maioria, pensando que lhes basta ter um pouco de virtude,
deseja ultrapassar infinitamente os outros em riqueza, em poder, em glória e outros que tais. Sobre isto, é fácil saber o que pensar: basta consultar a
experiência. Todos vemos que não é pelos bens exteriores que se adquirem e conservam as virtudes, mas sim que é pelos talentos e virtudes que se adquirem
e conservam os bens exteriores e que, quer se faça consistir a felicidade no prazer ou na virtude, ou em ambos, os que têm inteligência e costumes
excelentes a alcançam mais facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm mais do que o necessário e carecem dos outros bens. Por pouco que atentemos a isto, a razão basta para nos convencer. Os bens
exteriores são apenas instrumentos úteis, conformes a seu fim, mas semelhantes a qualquer outro instrumento, cujo excesso necessariamente é nocivo ou, pelo menos, inútil a quem os manipula. Os bens da alma, pelo
contrário, não são apenas honestos, mas também úteis, e quanto mais excederem a medida comum, mais terão utilidade.
Em geral, as melhores disposições e maneiras de ser seguem entre si as mesmas proporções e desproporções que seus sujeitos; se, portanto, a alma,
por sua natureza e relativamente a nós, tem um valor muito diferente do corpo e dos bens, seus bons costumes ultrapassam igualmente os dessas outras
substâncias. Tais bens só são desejáveis por ela, e todo homem os deseja para a alma, e não a alma para eles. Consideremos, pois, como certo que a cada um
cabe uma felicidade proporcional à virtude e à prudência que tiver, e na medida em que age conformemente a elas. Exemplo e prova disto é Deus, que é feliz
não por algum bem exterior, mas por si mesmo e por seus atributos essenciais.  A felicidade é muito diferente da boa fortuna. vêm-nos da fortuna os bens
exteriores, mas ninguém é justo ou prudente graças a ela, nem por seu meio. Dos mesmos princípios depende a felicidade do Estado. É impossível que
um Estado seja feliz se dele a honestidade for banida. Não há nada de bom a esperar dele, nem tampouco de um particular, sem a virtude e a prudência; a
coragem, a justiça e a prudência têm no Estado o mesmo caráter e a mesma, influência que nos particulares; são exatamente os mesmos que merecem de
nós a reputação de corajosos, justos e prudentes.
Que isto nos sirva de prefácio. Não podemos deixar de lembrar estes princípios. Como, porém, eles pertencem a uma outra teoria, não nos estenderemos mais aqui sobre eles`. Basta-nos agora ter estabelecido que a
melhor existência para cada um em particular e para todos os Estados é a virtude com bastante riqueza para poder praticá-la. Se alguém quiser contestá-lo, nós lhe daremos em seguida uma mais ampla satisfação.

Felicidade Privada e Felicidade Pública
Resta-nos explicar se a felicidade é idêntica para o Estado e para cada particular. Que devemos colocá-la entre os mesmos gêneros de bem é um ponto
sobre o qual todos estão de acordo. Os que colocam a felicidade do homem nas riquezas só consideram felizes os Estados ricos. Os que a colocam no
despotismo e na força pretendem que a suprema felicidade do Estado é dominar vários outros. Os que não veem outra felicidade para o homem que não
a virtude chamam feliz apenas o Estado em que a virtude é honrada. Mas desde o primeiro passo surge uma questão para ser examinada: que
vida preferir, a que toma parte do governo e dos negócios públicos ou a vida retirada e livre de todos os embaraços do gênero? Não entra no plano da Política determinar o que pode convir a cada indivíduo, mas sim o que convém à pluralidade. Em nossa Ética, aliás, tratamos
do primeiro ponto. Portanto, nós o omitiremos aqui para nos determos no outro. Não há nenhuma dúvida de que o melhor governo seja aquele no qual cada
um encontre a melhor maneira de viver feliz. Mas aqueles mesmos que concordam em preferir a vida virtuosa não chegam a um acordo sobre se devemos preferir a vida ativa e política à vida contemplativa e livre da confusão
dos negócios humanos, vida esta que alguns consideram como a única digna do filósofo. Com efeito, estes dois gêneros de vida, a vida filosófica e a carreira
política, foram escolhidos por todos os que, tanto antigos quanto modernos, tiveram a ambição de se distinguir por seus méritos. E certamente não é de
pouca importância saber onde está a verdade.
É próprio da sabedoria, tanto a de cada homem em particular quanto a de todo Estado em geral, dirigir suas ações e sua conduta para o melhor fim. Ora,
muitos pensam que comandar seus semelhantes, se praticado com despotismo, é uma grande injustiça, mas que, se comanda politicamente, não é uma
injustiça, mas somente um obstáculo à própria tranquilidade. Alguns, pelo contrário, julgam que a vida ativa e consagrada aos negócios públicos é a única
digna do homem e que jamais se acharão na vida privada tantas ocasiões de exercer cada virtude quanto no trato dos negócios públicos e no governo do
Estado. Outros chegam a sustentar que o despotismo e o império da força são, para um povo, a única maneira de ser feliz. Vemos, com efeito, que em alguns
Estados o governo e as leis tendem à preocupação única de dominar os vizinhos. Por mais que consideremos todas as constituições espalhadas por diversas regiões, se suas leis, em sua maioria bastante confusas, têm um fim
particular, este fim sempre é dominar. Na Lacedemônia e em Creta, a quase totalidade de sua disciplina e de suas numerosas regras é dirigida para a
guerra. Em todas as nações que têm o poder de crescer, entre os citas, entre os persas, entre os trácios, entre os celtas, não há nenhuma profissão mais
estimada do que a das armas. Em alguns lugares, existem leis para estimular a coragem guerreira. Em Cartago, as pessoas são decoradas com tantos anéis
quantas foram as campanhas que fizeram. Na Macedônia, uma lei pretendia que
aqueles que não houvessem matado nenhum inimigo tivessem que andar de cabresto. Entre os citas, aquele que estivesse nesse caso sofria a afronta de
não beber à roda, na taça das refeições solenes. A Ibéria, nação belicosa, levanta ao redor das tumbas tantos obeliscos quantos inimigos o defunto matou.
Em outras partes, encontramos instituições semelhantes, ordenadas pelas leis ou estabelecidas pelo costume.
Contudo, se quisermos prestar atenção a isto, parecerá muito absurdo que a política ensine a dominar seus vizinhos, com ou sem a força. Com efeito, como
erigirem máxima de Estado ou em lei o que não é nem mesmo lícito? Ora, é lícito comandar sem nenhum direito e ainda mais contra todo direito. Uma vitória
injusta não pode ser um motivo justo. Este absurdo não se observa em nenhuma outra ciência. Não é ofício nem do médico, nem do piloto persuadir ou fazer
violência, um a seus doentes, o outro a seus marinheiros. Mas muitos parecem considerar a dominação como 0 objeto da política, e aquilo que não cremos nem
justo nem útil para nós não temos vergonha de tentar contra os outros. Eles não querem justiça no governo a não ser para eles próprios, mas, se trata de
comandar os outros, ela é a coisa com que menos se preocupam; absurdo revoltante, a menos que a natureza não tenha destinado uns a dominar e não
tenha recusado a outros esta aptidão. Se ela estabeleceu esta distinção, pelo menos não se deve tentar dominar a todos, mas apenas aos que só servem
para serem submetidos. É assim que não se vai à caça para pegar os homens e comê-los ou matá-los, mas apenas para pegar os animais selvagens que são
comestíveis.

A Política - Aristóteles - parte 3


O fim a que se propõe o comércio não tem limite determinado. Ele compreende todos os bens que se podem adquirir; mas é menos a sua
aquisição do que seu uso 0 objeto da ciência econômica; esta, portanto, está necessariamente restrita a uma quantidade determinada. Não ignoramos que neste ponto a teoria é desmentida pela prática. Todos, e
principalmente os comerciantes, amam o dinheiro, não julgam ter o suficiente e sempre acumulam. De um ao outro, é apenas um passo. O dinheiro serve-lhes para dois usos análogos e alternativos: um, para comprar as coisas e revendê-las mais caro; outro, para emprestar e retirar, após o prazo estabelecido, seu capital com juros. Estes dois ramos do seu tráfico não diferem, como se vê, senão porque um interpõe as coisas para aumentar o
dinheiro, enquanto o outro o faz servir imediatamente ao seu próprio aumento. Alguns acham que as duas operações convêm ao governo doméstico e que
é preciso não somente conservar o que se tem, mas também multiplicar o dinheiro ao infinito. O princípio desta disposição de espírito é que eles só
pensam em viver e não em bem viver', paixão que não tem limites e não refreia de modo algum a escolha dos meios.
Aqueles mesmos que desejam bem viver não deixam de procurar também os prazeres da vida animal e, como isso depende das faculdades pecuniárias, põem todo seu zelo em obtê-los. Este é o princípio de uma outra espécie de
tráfico cujos recursos só foram imaginados para o luxo.
Aqueles que considerações particulares impedem de correr atrás da fortuna através do comércio tentam consegui-la por outros meios, às vezes até pelo
mais monstruoso abuso de suas qualidades superiores e de suas faculdades. A coragem, por exemplo, não foi dada ao homem pela natureza para acumular bens, mas para proporcionar tranquilidade. Não é esse tampouco o objeto da profissão militar, nem o da medicina, tendo uma por objeto vencer, e outra curar. Converteram-nas, porém, em meios de obter riqueza: elas se tornam o único fim da maioria das pessoas que entram nessas carreiras e subordinam tudo à meta que se propuseram.
Vemos quais são os meios artificiais e não necessários de adquirir bens, e as causas que determinam que se recorra a eles; vemos também quais são os meios naturais e necessários que têm por objeto garantir a subsistência e que pertencem ao governo doméstico, gênero de aquisição que tem limites e é muito diferente daquele que não os tem. Apreciação dos Dois Modos de Aquisição
A questão pela qual começamos era saber se o governo, quer doméstico, quer político, compreende a tarefa de adquirir ou se ele não pressupõe já feitas
as aquisições. Pois, assim como a política não faz os homens, mas os recebe da natureza e se serve deles, assim também é preciso antes, para que a
economia possa administrá-los, que a natureza forneça nosso sustento, ou do seio da terra, ou do mar, ou de qualquer outra maneira. Um fabricante de tecidos
não faz a lã, mas serve-se dela; julga se ela é boa ou má e própria ou não aos seus fins. Caso contrário, poderíamos perguntar por que a preocupação com a fortuna
faria, mais do que a medicina, parte do governo doméstico. Se, com efeito, é preciso que a família tenha alimentos e outras coisas necessárias à vida, é preciso também que ela goze de saúde, mas se convém, sob alguns aspectos, que o chefe da família ou do Estado mantenha sob seus cuidados a saúde de seus protegidos, sob outros aspectos isto cabe mais ao médico do que a ele; igualmente, para o abastecimento e a abundância, este cuidado pode também caber a seus ministros.
O governo, como já dissemos, pressupõe a existência de todas essas coisas: cabe à natureza fornecer o alimento aos seres que gera e, de ordinário, o pai o dá aos filhos. Nada de mais natural do que o cuidado em colher frutos ou nutrir o gado para o uso. Assim, das duas maneiras de adquirir e de se enriquecer, uma pela economia e pelos trabalhos rústicos, outra pelo comércio, a primeira é
indispensável e merece elogios; a segunda, em contrapartida, merece algumas censuras: nada recebe da natureza, mas tudo da convenção. O que há de mais odioso, sobretudo, do que o tráfico de dinheiro, que
consiste em dar para ter mais e com isso desvia a moeda de sua destinação primitiva? Ela foi inventada para facilitar as trocas; a usura, pelo contrário, faz
com que o dinheiro sirva para aumentar-se a si mesmo; assim, em grego, lhe demos o nome de tokos, que significa progenitura, porque as coisas geradas se
parecem com as que as geraram. Ora, neste caso, é a moeda que torna a trazer moeda, gênero de ganho totalmente contrário à natureza. Algumas Maneiras Práticas de Adquirir O que dissemos basta para a teoria. Agora é preciso dar à prática alguns desenvolvimentos, pois, se a discussão da teoria tem sua liberdade, a prática
também tem sua necessidade.  A atenção deve concentrar-se principalmente no conhecimento das coisas
antes que elas próprias sejam adquiridas: saber quais são as melhores, onde se encontram, e qual é a maneira mais vantajosa de obtê-las; por exemplo, quais são os melhores cavalos, os melhores bois, os melhores carneiros ou outros animais, em que regiões eles se dão bem (pois nem todas as regiões são igualmente próprias para criá-los), e como podemos tê-los. O mesmo ocorre para a agricultura: é preciso conhecer os diversos tipos de terrenos virgens ou
plantados; igualmente, ainda, para as abelhas, os animais aquáticos e as aves de galinheiro: devemos saber que proveito podemos tirar deles. Quanto às maneiras de adquirir por troca, a principal é o comércio, que se
divide em três partes: navegação, transporte por terra e venda no próprio local. Estas partes diferem entre si, sendo umas mais seguras, outras mais lucrativas.
Depois do comércio, vem o tráfico de espécies metálicas.
Seguem-se os trabalhos mercenários, dos quais alguns dependem de alguma arte, enquanto outros só requerem o trabalho corporal. Uma quarta maneira, que fica entre a terceira e a primeira (pois é em parte natural, em parte comercial), diz respeito às coisas que se tiram da terra e não são frutos, mas têm sua utilidade, como a exploração da madeira, a das minas, que se subdivide por sua vez em muitas partes, pois há várias espécies de
minas, cujos detalhes aqueles que as exploram devem conhecer, mas seria cansativo enumerar aqui.
Dentre estes diversos trabalhos, os mais excelentes pela arte são os que menos devem ao acaso; os mais baixos, os que mais sujam o rosto e as mãos;
os mais servis, aqueles em que o corpo trabalha mais do que o espírito; os mais ignóbeis, os que não requerem nenhuma espécie de virtude. Existem escritores que se ocuparam desses diversos assuntos, tais como
Carés de Paros, Apolodoro de Lemnos, autores de tratados sobre a cultura dos campos e dos pomares, e outros ainda, sobre outras matérias. Os curiosos
devem consultá-los. Também será bom recolher as máximas esparsas que serviram a alguns
para enriquecer, como o que se conta de Tales de Mileto. Trata-se de uma das especulações gerais para alcançar a fortuna, mas atribuída a ele por causa de
sua sabedoria. Como o censuravam pela pobreza e zombavam de sua inútil filosofia, o conhecimento dos astros permitiu-lhe prever que haveria abundância
de olivas. Tendo juntado todo o dinheiro que podia, ele alugou, antes do fim do inverno, todas as prensas de óleo de Mileto e de Quios. Conseguiu-as a bom
preço, porque ninguém oferecera melhor e ele dera algum adiantamento. Feita a colheita, muitas pessoas apareceram ao mesmo tempo para conseguir as
prensas e ele as alugou pelo preço que quis. Tendo ganhado muito dinheiro, mostrou a seus amigos que para os filósofos era muito fácil enriquecer, mas que
eles não se importavam com isso. Foi assim que mostrou sua sabedoria.  Em geral, o monopólio é um meio rápido de fazer fortuna. Assim, algumas cidades, quando precisam de dinheiro, usam desse recurso. Reservam-se a si mesmas a faculdade de vender certas mercadorias e, por conseguinte, de fixar seus preços como querem.
Na Sicília, um homem que obtivera vários depósitos de dinheiro apoderou-se dos ferros das forjas. Quando os mercadores vieram de todas as partes para obtê-los, só ele pôde vendê-los, contentando-se com o dobro, de
maneira que o que lhe custara cinqüenta talentos vendia por cem. Dionísio, o tirano, informado do caso, não confiscou seu lucro, mas ordenou-lhe que saísse
de Siracusa por ter imaginado, para enriquecer, um expediente prejudicial aos interesses do chefe de Estado. Aquele homem tivera a mesma idéia que Tales:
ambos do monopólio fizeram uma arte.
É bom que os que governam os Estados conheçam esse recurso, pois é preciso dinheiro para as despesas públicas e para as despesas domésticas, e o Estado está menos do que ninguém em condições de dispensá-lo. Assim, o
capítulo das finanças é quase o único a que alguns prestam atenção. Dos Poderes Marital e Paternal
Mais acima, dividimos o governo doméstico em três poderes: o do senhor, de que acaba de se tratar, o do pai e o do marido. O pai de família governa sua
mulher e seus filhos como a seres livres, mas cada um de um modo diferente: sua mulher como cidadã, seus filhos como súditos. Na ordem natural, a menos que, como em certos lugares, isto tenha sido derrogado por alguma consideração particular, o macho está acima da fêmea e
o mais velho, quando atinge o termo de seu crescimento, está acima do mais jovem, que ainda não alcançou sua plenitude.
Na ordem política, tal como ela existe na maior parte dos povos, obedece-se e comanda-se alternadamente. Todos  os homens livres são considerados iguais
por natureza e todas as diferenças se eclipsam; tanto que se torna preciso distinguir os que comandam dos seus inferiores por marcas exteriores, os hábitos e as dignidades, como disse Amasis, falando de sua bacia
transformada em deus". Quanto ao sexo, a diferença é indelével: qualquer que seja a idade da
mulher, o homem deve conservar sua superioridade.
A autoridade dos pais sobre os filhos é uma espécie de realeza; todos os títulos ali se encontram: o da geração, o da autoridade afetuosa e o da idade. É
até mesmo o protótipo da autoridade real; foi o que fez com que Homero dissesse de Zeus: É o pai imortal dos homens e dos deuses e, por conseguinte, o rei de todos eles. Pois um rei, se recebeu da natureza alguma superioridade sobre seus súditos, continua a ter o mesmo gênero que eles, como os velhos com relação aos jovens e como um pai com relação a seus filhos.
As Virtudes Próprias aos Diversos Membros da Família
Segue-se do precedente que o governo doméstico exige atenções muito diferentes para o sustento das pessoas e para a posse das coisas inanimadas, para seus costumes e para a acumulação de riquezas, para as pessoas livres e
para os escravos. Primeiramente, podemos exigir dos escravos, além de seus serviços e de suas funções materiais, um mérito mais eminente, por exemplo, a prudência, a coragem, a justiça ou outros hábitos semelhantes? Não basta que eles cumpram
suas funções? A resposta é difícil de ambos os lados. Se exigirmos deles que tenham virtudes, em que diferirão das pessoas livres? Mas, se não precisarem
delas, isto chocará a razão, de que participam como todos os homens. A mesma questão pode ser colocada a respeito das mulheres e das crianças. Devemos exigir delas certas virtudes? Por exemplo, deve uma mulher
ser sábia, corajosa e justa? Deve uma criança ter contenção e sobriedade? Em geral, são necessárias as mesmas virtudes nos que comandam e nos
que obedecem, ou então outras? Se as mesmas qualidades lhes são necessárias, por que então o mando cabe a um e a obediência a outro? A diferença entre os dois não é do mais para o menos, mas sim específica e
produz efeitos essencialmente diversos. Não menos estranho seria exigir virtudes de um lado e não de outro. Se quem comanda não é nem justo, nem
moderado, como é possível que comande bem? Se aquele que obedece carece dessas virtudes, qual não será a obediência de um corrompido e de um mau? É preciso, pois, que ambos tenham virtudes, mas que suas virtudes
tenham caracteres diferentes, da mesma variedade que se observa nos seres nascidos para obedecer.
Isto se vê imediatamente nas faculdades da alma. Dentre estas, uma há que por sua natureza comanda - é aquela que participa da razão - e outras que obedecem: são as que não participam dela. Cada uma tem um tipo de virtude que lhe é próprio. O mesmo ocorre com os seres distintos. Assim como neles se encontram diversas espécies de superioridade e de subordinações determinadas pela natureza, há também várias formas de comando. A maneira de comandar não é
a mesma do homem livre ao seu escravo, do marido à mulher, do homem adulto a seu filho. Todos têm uma alma dotada das mesmas faculdades, mas de modo
diferente: o escravo não deve de modo algum deliberar; a mulher tem direito a isso, mas pouco, e a criança, menos ainda.
Seguem suas virtudes morais a mesma gradação: todos devem possuías, mas somente tanto quanto convém a seu estado. Quem comanda deve possuí-Ias todas no mais alto grau. Sua função é como a do arquiteto, isto é, a
da própria razão; as dos outros se regulam pela conveniência. Todos têm, portanto, virtudes morais, mas a temperança, a força, a justiça não devem ser,
como pensava Sócrates, as mesmas num homem e numa mulher. A força de um homem consiste em se impor; a de uma mulher, em vencer a dificuldade de
obedecer. O mesmo ocorre com as demais virtudes.
Quanto mais refletirmos, mais nos convenceremos disto. É ilusório contentar-se com generalidades sobre esta matéria e dizer vagamente que a virtude consiste nos bons hábitos da alma, ou então no bem agir ou outras
fórmulas do gênero. Mais vale, como Górgias, estabelecer a lista das virtudes do que se deter em semelhantes definições e imitar, no mais, a precisão do poeta
que disse que um modesto silêncio é a honra da mulher
ao passo que não fica bem no homem.
Sendo a criança imperfeita e não podendo ainda encontrar em si mesma a regra de suas ações, sua virtude é ser dócil e submissa ao homem maduro que
cuida de seu acompanhamento. O mesmo acontece com o escravo relativamente a seu senhor: é em bem
fazer o seu serviço que consiste a sua virtude; virtude bem pequena que se reduz a não faltar aos seus deveres nem por má conduta, nem por covardia. Se o que acabamos de dizer é verdade, os artesãos a que muitas vezes
ocorre trocar o trabalho pela farra devem precisar de virtude. Mas ela será de uma espécie muito diferente, pois o escravo vive conosco. O artesão, pelo contrário, está separado, e sua virtude não nos importa senão quando está a nosso serviço. A este respeito, um profissional está numa espécie de servidão limitada; mas a natureza que faz os escravos não faz os sapateiros, nem os
outros artesãos. Quando os empregamos, não é a vontade de quem os ensinou a trabalhar, mas a do senhor que encomenda a obra que eles devem seguir.
Ademais, seria erro proibir, mesmo aos escravos, todo raciocínio e fazer deles, como alguns fazem, simples máquinas de obedecer; é preciso mostrar-lhes seu dever com indulgência ainda maior do que para com as
crianças.
Quanto ao homem e à mulher, ao pai e aos filhos, quais são as virtudes próprias a cada um deles? Qual deve ser a maneira de viverem juntos? O que devem buscar ou evitar? Como devem praticar tal coisa e abster-se de  outra? É o que é indispensável examinar quando tratamos da política. Todos eles fazem parte da família, e a família faz parte do Estado. Ora, o mérito da parte deve
referir-se ao mérito do todo. A educação das mulheres e das crianças deve ser da alçada do Estado, já que importa à felicidade do Estado que as mulheres e
as crianças sejam virtuosas.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Acerca da adolescência e do namoro – uma leitura do momento - (Rosilda da Silva)




A adolescência é uma fase notável na vida. Talvez por ser a etapa do desenvolvimento humano marcada pelas transições que efetivamente promovem o adolescente à juventude.  Nela acontecem as trocas de experiências, descobertas diárias, crises de relacionamentos, oportunidades a todo instante e pra tudo o que se possa imaginar.
Mas tudo mesmo. Tanto é que se podem observar as inúmeras voltas em torno deles mesmos, sem que muitas vezes os adolescentes saibam que direção tomar.   Agem então como se sofressem de insônia, mudando de um lado para o outro até que o cansaço os traga repouso.  Algumas vezes, entretanto, tudo o que querem é interação.  Encontrar com quem partilhar suas experiências; se sentirem parte de um grupo, saber que toda essa profusão de sentimentos, dúvidas, incertezas e transformações também é vivida por outros.
Todavia, nessa busca incessante por seus iguais, acabam deixando-se levar por emoções que lhes atiçam a curiosidade.  São as chamadas primeiras paixões.  Hoje estão loucamente apaixonados por um, amanhã por outro e na próxima semana um rostinho mais bonito e interessante lhes aparece e então, nova paixão.
       Para Sêneca, filósofo renascentista, “a alma humana é de natureza ativa e propensa ao movimento, por isso, toda oportunidade de  exercitar-se e distrair-se lhe é grata, assim como as paixões, cujo tormento equivale à sensação do prazer”.  Mas, acaso esse troca-troca é capaz de temperar o fastio corrosivo que abrasa a alma adolescente?  Será capaz de extirpar o frenesi que neles habita?  Ou será que é somente desse modo que conseguem enfrentar essa fase tão cheia de dificuldades e dilemas que lhes acomete?
       Enxergam tudo com alegria e facilidades sem que tal gozo lhes interesse por um período maior de tempo. 
       E, quando se fala em tempo, vale lembra que houve uma época em que se namorava.  Conhecia-se um ao outro e isso delongava um tempo maior dando aos enamorados a oportunidade de encantamentos e deleite.
       Depois disso veio a fase da paquera.  Período de experimentação com menos compromisso que na fase anterior, mas, no qual ainda mantinha-se certo pudor em relação ao que era conhecido/sabido pela sociedade.
       Passado esse período, reeditou-se novamente o conceito de namoro.  Chegou então o tempo do “ficar”.  E, novamente era mudada a dinâmica das relações interpessoais afastando-se cada vez mais dos padrões considerados bem aceitos socialmente.  Estabeleceu-se a fase do “quem pode mais, beija mais”; sem preocupações, exigências ou compromisso.  A adesão adolescente foi grande e a permissividade por parte dos “ficantes” agregou várias consequências para o público menos experiente que busca de forma equivocada motivação para enfrentar as incertezas e frustrações que a adolescência oferece.
        Mas não parou por aí a “evolução” ameaçadora do que uma vez já foi chamado de namoro.  Estamos agora na época da “pegação”, na qual esquecendo suas personalidades, bem como os valores éticos e morais que norteiam suas vidas, os jovens e adolescentes acabam assumindo não o que os deleita verdadeiramente, mas, sim, o que lhes é imposto pela sociedade midiática, tratando tudo e todos como relativos às circunstâncias e temporais.
        Tamanha é a força destrutiva nessa nova fase de estragos – pegada - que        os relacionamentos não emplacam de forma alguma. Aqui vale lembrar uma música, sucesso de alguns verões passados: “beijo na boca é coisa do passado, a moda agora é, é namorar pelado”, pois, na época da “pegada” o sexo tornou-se banal, as pessoas objetos e os relacionamentos obscuros e inexistentes. Um verdadeiro troca-troca no qual as pessoas não se importam mais umas com as outras e procuram de algum modo fugir de si mesmas.
       Essa prática negativa e tendenciosa serve unicamente para dissimular o retrato da instabilidade emocional pela qual passa a sociedade em crise de valores na qual vivemos.
       Chega dessa multiplicidade de errôneas concepções e dessa fragmentação de sentimentos. De agora em diante o que vale é confiar em si mesmo, sem se deixar levar por desvios ao longo do percurso e fazer da adolescência um período de aprendizado significativo; pois é bem provável que já estejamos trilhando a era Pós-Contemporânea sem nem ao menos nos darmos conta disso.

Barragem abre caminhos - Aluno: Rafael Ribeiro Griep


O progresso e a modernização são processos que, hoje em dia, são comuns
e andam lado a lado, cruzando as linhas do tempo e do espaço. Espaço tal que
pode ser compreendido como o lugar onde vivemos, como, por exemplo, aqui, o
município de Dezesseis de Novembro, onde resido e cujo estereótipo de “cidade
pacata do interior” considero que está prestes a cair.
O fato que está causando opiniões divergentes – não só entre os moradores
daqui da cidade, mas também da região das Missões – é a instalação de uma
usina hidrelétrica, a Barragem do Passo São João, situada entre Dezesseis de
Novembro e a cidade vizinha, Roque Gonzáles. Esse grandioso empreendimento
(gerenciado pela empresa de energia elétrica Eletrosul) propicia enormes
benefícios à região, trazendo empregos e melhorias à infra-estrutura local.
E pude facilmente observar como a Eletrosul está apostando suas fichas na
usina, pois, ao prestar atenção nos “números” da empresa sob a barragem e nos
investimentos dela, percebi o seu entusiasmo. Serão, ao final das obras, 290
milhões de reais investidos e, de acordo com técnicos, a usina terá capacidade
de atender uma cidade de aproximadamente 560 mil habitantes, gerando,
inicialmente, cerca de 39 MW de energia média.
Mas entre a população há quem diga que, talvez devido a essa construção,
poderão ocorrer mudanças climáticas e ambientais no município e que não
desfrutaremos da energia gerada, ou que haverá problemas de deslocamento
entre os municípios atingidos pela represa. Essas pessoas dizem também que
o rio Ijuí (no qual está sendo feita a usina) terá seu nível diminuído e, com isso,
causará um desequilíbrio pluviométrico, tanto aqui na cidade como nos demais
municípios afetados (São Luiz Gonzaga, São Pedro do Butiá e Ralador).
Porém, do meu ponto de vista, essas pessoas não sabem que, antes de ser
iniciado o projeto, a Eletrosul fez inúmeras pesquisas e requisições ao governo,
para que o plano fosse legalizado. Além disso, outros órgãos, como o Ministério
de Minas e Energia, o PAC e a Fepam, analisaram e delegaram medidas de
adequação (meticulosamente estudadas), para que fossem diminuídos ao
máximo os impactos da barragem ao ambiente local.

O inegável é que a Usina Passo São João trará para Dezesseis de Novembro,
com seus pouco mais de 2.800 habitantes, boas oportunidades de emprego (a
pretensão da Eletrosul é de 1.500 empregos na construção, até o fim das obras,
em 2010), possibilidade de desenvolvimento e de importância dentro da região.
Sendo assim, creio que todos esses motivos poderão aumentar a qualidade de
vida da população da cidade, na área cultural, política e turística; também a
possibilidade de economia onde não só aqui, mas todo povo brasileiro, sente
mais peso: no bolso! E, talvez, Dezesseis de Novembro, conhecida como “Capital
Nacional da Alfafa” (leguminosa forrageira), se torne um exemplo de geração de
energia elétrica na região das Missões.

Professora: Rosangela Simioni Saul Escola: E. E. E. M. Padre João Baptista Réus S.J
Cidade: Dezesseis De Novembro – RS

Maracanau em busca dos velhos ares - Aluna: Rafaella Bôto Ferreira Costa


“Minha terra tem palmeiras onde canta o sabiá...”, ou pelo menos tinha antes
de as indústrias se instalarem por aqui!
Antigamente, os versos de Gonçalves Dias retratavam muito bem o ambiente de
nossa cidade, conhecida como “Terra dos maracanãs”. Contudo a urbanização fez
com que lindas árvores e palmeiras fossem substituídas por colunas de concreto
reforçado, o mato verdinho, pelo negro asfalto; e hoje sentimos nossos pulmões
cheios de fumaça ao invés do ar puro de antes. Entretanto a industrialização
trouxe consigo o crescimento urbano e econômico para Maracanaú.
E justamente isso é que faz com que haja controvérsias entre os habitantes
do município onde moro, pois a industrialização não trouxe somente os novos
ares do progresso e desenvolvimento socioeconômico, trouxe justamente uma
fumaça de poluentes para a população local.
A indústria que mais causa polêmica entre os maracanauenses é uma empresa
multinacional de um grupo australiano, produtora de pesticidas e herbicidas.
Essa empresa é sempre alvo de manifestações populares, já que a matéria-prima
utilizada na produção dos defensivos agrícolas tem em sua composição gases
tóxicos que exalam fortes odores e causam diversos problemas de saúde à
população dos bairros localizados nos arredores da indústria.
Esses moradores acabam se dividindo em dois grupos: os que aprovam a
permanência da indústria no município e os que a desaprovam.
Para os que são a favor – incluindo os funcionários da empresa –, se a
fábrica fechasse, o índice de desemprego aumentaria, já que mais de
300 funcionários seriam demitidos. Além disso, o município perderia
economicamente, pois a empresa paga uma grande quantia em impostos.
Por outro lado, os moradores dos bairros adjacentes à indústria sofrem
constantemente de náuseas, irritações, problemas respiratórios, dores de
cabeça, entre outros problemas de saúde. Muitos habitantes já se mudaram
para outras localidades por não agüentar mais conviver com a poluição;
porém, aqueles que não podem trocar de bairro são obrigados a sentir
constantemente o cheiro fétido dos produtos.
Maracanau em busca dos velhos ares
Aluna: Rafaella Bôto Ferreira Costa
Segundo alguns funcionários, a indústria de defensivos agrícolas não está alheia a
tudo isso, ela dispõe de tratamento dos resíduos e utiliza um processo para minimizar
o mau cheiro – sistema de exaustão. Entretanto os gases tóxicos continuam se
dissipando no ar e causando sérios danos à população de Maracanaú.
Penso que os prejuízos causados ao ser humano e ao meio ambiente por esses
produtos trazem conseqüências piores aos maracanauenses do que o fechamento
da indústria.
Na minha opinião, bom seria se as indústrias, em vez de se preocuparem tanto
com o lucro obtido pela venda de seus produtos, se interessassem mais em sanar
os danos causados à natureza e à população de seus arredores. Certamente isso
transformaria nossa cidade em um lugar melhor e mais saudável para se viver, e,
quem sabe, traria os sabiás e as velhas maracanãs de volta à sua terra.

Professora: Maria do Carmo Ferreira Menezes Escola: Liceu de Maracanaú Cidade: Maracanaú – CE

A Rainha da Borborema recebera o Velho Chico - Aluna: Kelly Rayane Soares Cavalcanti


Estamos vivendo um processo de crescimento satisfatório para a economia
regional e nacional. Um desses processos envolve a única fonte de vida de
milhões de nordestinos, especialmente os petrolinenses: o rio São Francisco.
Uma beleza indecifrável pelos poetas e cantores que idolatram a perfeição,
a cultura e a saga dessa maravilha natural manifestada nos cordéis e nas
obras musicais.
Transposição, uma palavra, motivo de muitos calafrios entre a população
ribeirinha, que ecoa de forma diferente no ouvido daqueles que anseiam por
uma nova expectativa de vida. Para alguns o fim; já para outros, a salvação. E
é essa duplicidade de significados que confunde a cabeça de uma parcela da
sociedade brasileira, que se divide entre discordar e concordar com essa obra.
A realidade é a seguinte: a transposição é necessária, porém inadequada
devido à falta de cuidados dos próprios ribeirinhos; talvez se o rio não se
encontrasse tão degradado, esse problema já estaria resolvido sem revoltas,
greves de fome e falta de consciência por ambas as partes, tanto dos contra
quanto dos favoráveis a essa obra polêmica que enfoca uma disputa entre
a razão – defendida pelas famílias que buscam melhorias ao adquirir água
potável – e a emoção de quem busca a proteção contra qualquer tipo de obra
que não seja de revitalização.
Meses atrás foi possível acompanhar pela imprensa a luta do bispo Dom
Luís Cappio, que enfrentou dias de greve de fome, recebendo o apoio dos
esquerdistas contrários à obra. Estes consideraram a greve como um grande
ato heróico; para outros foi um tremendo exagero inútil, pois governo nenhum
desconsideraria um investimento milionário por apenas um indivíduo revoltado
que resolveu agir.
Pode até ser estranho, querido leitor, mas eu, como um cidadão ribeirinho, sou
a favor dessa obra. Defendo o lado da razão, isso porque já vi de perto o quanto
é penosa a vida de quem anda quilômetros para ter em casa a água para fazer o
café da família. Viajo pelo interior do meu município e tenho convicção do que
digo: a transposição é um meio de melhorar vidas.

Já no que se refere à destruição do rio, penso que deverão ser elaboradas metas de
prevenção e revitalização, desbancando assim o comodismo das pessoas.
O pensamento dos “antitransposição” é ter o rio, quando o necessário é mantê-lo
vivo, pensar na ação de hoje e não na possível conseqüência de anos à frente. Por
isso apóio a transposição desde que haja revitalização, pois o Nordeste vai melhorar
com essa obra. Não é dúvida, é certeza.

Professora:Érika Jane Ribeiro Escola: Escola Paul Harris Cidade: Petrolina – PE

Xingu, Morada dos Deuses - Aluno: Rafael Burin Lowenstein



Moro em Altamira, uma cidade situada no oeste do Pará, e todos os dias, ao acordar,
tenho o imenso privilégio de contemplar a beleza do exuberante rio Xingu. Porém, sofro
ao saber que seus dias podem estar contados, porque são muitas as ameaças que cercam
a população, causadas por lixos e esgotos. E uma maior ainda: o Complexo Hidrelétrico
de Belo Monte, que visa a construção de seis barragens na bacia do rio Xingu.
Para alguns essa obra tem como objetivo o progresso do Estado e do Brasil,
pois afirmam que trará a energia de qualidade ao povo brasileiro e gerará
milhares de empregos.
No entanto, sabemos que não é bem assim. A construção desse complexo hidrelétrico
poderá trazer muitos malefícios para os povos que aqui habitam e vivem.
Por saber disso, as associações de indígenas, ribeirinhos, sindicatos, igrejas e outros que
formam a sociedade organizada não estão calados e vêm lutando contra esse problema
há muitos anos, desde 1989, porque sabem que essa hidrelétrica irá gerar energia para
Altamira e municípios vizinhos e não ajudará no desenvolvimento da região amazônica.
Desabrigará comunidades ribeirinhas, povos indígenas e destruirá ainda a fauna
e a flora dessa região, causando assim a migração do campo para a cidade – uma
superpopulação.
Isso poderá trazer uma onda de crimes jamais vista. A prostituição infantil aumentará,
devido à falta de escolas e de oportunidades de trabalho ocasionadas pela migração de
muitas pessoas em busca de emprego.
Segundo as estatísticas de uma pesquisa, no Brasil existem cerca de 2.000 barragens,
mas apenas 200 estão em funcionamento. Será mesmo necessária a construção de Belo
Monte, visto que funcionará apenas durante seis meses por ano? Será preciso destruir
tanto para se produzir tão pouco e beneficiar uma minoria?
Que a barragem trará benefícios, alguns acreditam que sim. Mas, do meu ponto de
vista, seus prejuízos ao povo e ao rio serão irreparáveis.
Por isso não nos deixemos levar por propostas enganosas que tentam ludibriar nosso
povo tão querido e acabar com o nosso Xingu, a Morada dos Deuses.

Professora: Vanja de Fátima Sousa Escola: E. E. M. Polivalente de Altamira Cidade: Altamira – PA


terça-feira, 25 de setembro de 2012

A Política - Aristóteles - parte 2


Pois há inicialmente o comando do senhor, que se exerce sobre o que chamamos de empregados necessários. Não é preciso que aquele que o exerce saiba fazer os trabalhos servis, basta que saiba utilizá-los; cabe a seus
servidores saber a execução. Assim como há vários tipos de funções servis, há também vários tipos de escravos. Entre as pessoas que estão em servidão, é
preciso contar os trabalhadores manuais que vivem, como indica seu nome, do trabalho de suas mãos e os artesãos que se ocupam dos ofícios sórdidos. Assim, em alguns lugares, antigamente, antes que o povo chegasse à extrema licença, os cargos ou poderes públicos não eram conferidos a esse tipo de gente. Suas ocupações não convêm nem ao homem de bem, nem ao alto
funcionário, nem ao bom cidadão, se não for para seu uso pessoal, caso em que ele é ao mesmo tempo senhor e servo.
Mas há um outro tipo de comando que tem por súditos as pessoas livres e de mesma condição: é o que se chama o governo civil. Só se aprende começando por obedecer. Assim, pelo próprio serviço sob as ordens do
hiparca, se aprende a comandar a cavalaria; servindo sob o general e os demais oficiais da infantaria, aprende-se a comandar os diversos graus militares. Existe até uma máxima quanto a isto, que diz que não é possível bem
comandar se antes não se tiver obedecido. Ora, estes são dois gêneros diferentes de mérito, e é preciso que um bom cidadão adquira ambos, saiba obedecer e esteja em condições de comandar. Ambos também convêm ao homem de bem, embora de modo diferente,
pois a temperança e a justiça diferem até entre pessoas livres, das quais uma é superior e a outra inferior, por exemplo, entre homem e mulher. A coragem de
um homem se aproximaria da pusilanimidade se fosse apenas igual à de uma mulher, e a mulher passaria por atrevida se não fosse mais reservada do que um
homem em suas palavras. A administração doméstica, em ambos os casos, também deve apresentar alguma diferença, sendo um encarregado de comprar,
outro de economizar e de conservar. O mérito especial do que comanda é a prudência. As outras virtudes lhe são
comuns com os que obedecem. Estes não precisam de prudência, mas sim de confiança e de docilidade; são como os instrumentos ou então como o
fabricante de alaúdes, e o homem que comanda é como o executante que os toca.  Sabemos, agora, se as qualidades do homem de bem e do bom cidadão
são ou não as mesmas, como elas se assemelham e em que diferem. Da Finalidade do Estado O homem é, por sua natureza, como dissemos desde o começo ao falarmos
do governo doméstico e do dos escravos, um animal feito para a sociedade civil. Assim, mesmo que não tivéssemos necessidade uns dos outros, não deixaríamos de desejar viver juntos. Na verdade, o interesse comum também
nos une, pois cada um aí encontra meios de viver melhor. Eis, portanto, o nosso fim principal, comum a todos e a cada um em particular. Reunimo-nos, mesmo que seja só para pôr a vida em segurança. A própria vida é uma espécie de dever para aqueles a quem a natureza a deu e, quando não é excessivamente cumulada de misérias, é um motivo suficiente para permanecer em sociedade.
Ela conserva ainda os encantos e a doçura neste estado de sofrimento, e quantos males não suportamos para prolongá-la!
Mas não é apenas para viver juntos, mas sim para bem viver juntos que se fez o Estado, sem o quê, a sociedade compreenderia os escravos e até mesmo os outros animais. Ora, não é assim. Esses seres não participam de forma alguma da felicidade pública, nem vivem conforme suas próprias vontades. Os homens tampouco se reuniram para formar uma sociedade militar e se
precaver contra as agressões, nem para estabelecer contratos e fazer trocas de coisas ou outros serviços. Caso contrário, os tirrenianos e os cartagineses e
todos os outros povos que comerciam uns com os outros seriam membros de uma mesma Cidade. Eles possuem tratados redigidos por escrito, com base
nos quais importam e exportam suas mercadorias, garantem-nas uns aos outros, prometendo defendê-las a mão armada. Mas não têm, quanto a esses
objetos, nenhum magistrado que lhes seja comum. Cada um desses povos tem os seus em seu próprio território. Eles não se preocupam com o que os outros
são, nem com o que fazem, se são injustos ou corrompidos como particulares, só fazendo questão da garantia que ambos os povos se deram mutuamente de
não se lesarem. Aqueles, pelo contrário, que se propõem dar aos Estados uma boa constituição prestam atenção principalmente nas virtudes e nos vícios que
interessam à sociedade civil, e não há nenhuma dúvida de que a verdadeira Cidade (a que não o é somente de nome) deve estimar acima de tudo a virtude.
Sem isso, não será mais do que uma liga ou associação de armas, diferindo das outras ligas apenas pelo lugar, isto é, pela circunstância indiferente da proximidade ou do afastamento respectivo dos membros. Sua lei não é senão
uma simples convenção de garantia, capaz, diz o sofista Licefron, de mantê-los no dever recíproco, mas incapaz de torná-los bons e honestos cidadãos.  Para tornar isto mais claro, suponhamos que aproximamos os lugares e que
as cidades de Megara e Corinto se toquem; esta proximidade não fará com que os dois Estados se confundam, mesmo que se acertassem casamentos entre
uma e outra cidade, apesar de este ser um dos laços mais íntimos para a comunicação mútua. Suponhamos, até, alguns homens: um carpinteiro, outro lavrador, outro
sapateiro, um quarto de alguma outra profissão. Suponhamos, se quiser, dez mil deles, residindo separadamente, mas não a uma distância tão grande
que não se possam comunicar. Eles fizeram um pacto de não-agressão no que toca a seus comércios e até prometeram tomar armas para sua mútua defesa,
mas não têm outra comunicação a não ser o comércio e seus tratados. Mais uma vez, esta não será uma sociedade civil. Por quê, então? Nesta hipótese,
não se dirá que estejam afastados demais para se comunicarem.
Aproximando-se assim, a casa de cada um deles assumiria o papel de cidade e eles se prestariam, graças à sua confederação, ajuda contra as agressões injustas. No entanto, se não tivessem nessa aproximação uma comunicação mais importante do que a que têm quando separados, esta ainda não seria exatamente uma Cidade ou uma sociedade civil. A Cidade, portanto, não é
precisamente uma comunidade de lugar, nem foi instituída simplesmente para se defender contra as injustiças de outrem ou para estabelecer comércio. Tudo
isso deve existir antes da formação do Estado, mas não basta para constituí-lo. A Cidade é uma sociedade estabelecida, com casas e famílias, para viver
bem, isto é, para se levar uma vida perfeita e que se baste a si mesma. Ora, isto não pode acontecer senão pela proximidade de habitação e pelos casamentos.
Foi para o mesmo fim que se instituíram nas cidades as sociedades particulares, as corporações religiosas e profanas e todos os outros laços, afinidades ou maneiras de viver uns com os outros, obra da amizade, assim
como a própria amizade é o efeito de uma escolha recíproca. O fim da sociedade civil é, portanto, viver bem; todas as suas instituições não são senão
meios para isso, e a própria Cidade é apenas uma grande comunidade de famílias e de aldeias em que a vida encontra todos estes meios de perfeição e
de suficiência. É isto o que chamamos uma vida feliz e honesta. A sociedade civil é, pois, menos uma sociedade de vida comum do que uma sociedade de
honra e de virtude. As Condições da Felicidade Particular
Cremos ter estabelecido suficientemente em outro lugar em que consiste a felicidade da vida". Contentar-nos-emos aqui em fazer a aplicação de nossos princípios.
Ninguém contestará a divisão, habitual entre os filósofos, dos bens em três classes: os da alma, os do corpo e os exteriores. Todos estes bens devem ser
encontrados junto às pessoas felizes.
Jamais se contará entre elas um homem que não tem coragem, nem temperança, nem justiça, nem prudência; quem tem medo até do voo das
moscas no ar; quem se entrega a todos os excessos da bebida e da comida; quem, pelo mais vil interesse, mataria seus melhores amigos; quem demonstra
ter tão pouca razão quanto as crianças e os furiosos.
Mas, embora estejamos de acordo sobre isso, diferimos quanto ao mais e quanto ao menos. A maioria, pensando que lhes basta ter um pouco de virtude,
deseja ultrapassar infinitamente os outros em riqueza, em poder, em glória e outros que tais. Sobre isto, é fácil saber o que pensar: basta consultar a
experiência. Todos vemos que não é pelos bens exteriores que se adquirem e conservam as virtudes, mas sim que é pelos talentos e virtudes que se adquirem
e conservam os bens exteriores e que, quer se faça consistir a felicidade no prazer ou na virtude, ou em ambos, os que têm inteligência e costumes
excelentes a alcançam mais facilmente com uma fortuna medíocre do que os que têm mais do que o necessário e carecem dos outros bens. Por pouco que atentemos a isto, a razão basta para nos convencer. Os bens
exteriores são apenas instrumentos úteis, conformes a seu fim, mas semelhantes a qualquer outro instrumento, cujo excesso necessariamente é nocivo ou, pelo menos, inútil a quem os manipula. Os bens da alma, pelo
contrário, não são apenas honestos, mas também úteis, e quanto mais excederem a medida comum, mais terão utilidade.
Em geral, as melhores disposições e maneiras de ser seguem entre si as mesmas proporções e desproporções que seus sujeitos; se, portanto, a alma,
por sua natureza e relativamente a nós, tem um valor muito diferente do corpo e dos bens, seus bons costumes ultrapassam igualmente os dessas outras
substâncias. Tais bens só são desejáveis por ela, e todo homem os deseja para a alma, e não a alma para eles. Consideremos, pois, como certo que a cada um
cabe uma felicidade proporcional à virtude e à prudência que tiver, e na medida em que age conformemente a elas. Exemplo e prova disto é Deus, que é feliz
não por algum bem exterior, mas por si mesmo e por seus atributos essenciais.  A felicidade é muito diferente da boa fortuna. vêm-nos da fortuna os bens
exteriores, mas ninguém é justo ou prudente graças a ela, nem por seu meio. Dos mesmos princípios depende a felicidade do Estado. É impossível que
um Estado seja feliz se dele a honestidade for banida. Não há nada de bom a esperar dele, nem tampouco de um particular, sem a virtude e a prudência; a
coragem, a justiça e a prudência têm no Estado o mesmo caráter e a mesma, influência que nos particulares; são exatamente os mesmos que merecem de
nós a reputação de corajosos, justos e prudentes.
Que isto nos sirva de prefácio. Não podemos deixar de lembrar estes princípios. Como, porém, eles pertencem a uma outra teoria, não nos estenderemos mais aqui sobre eles`. Basta-nos agora ter estabelecido que a
melhor existência para cada um em particular e para todos os Estados é a virtude com bastante riqueza para poder praticá-la. Se alguém quiser contestá-lo, nós lhe daremos em seguida uma mais ampla satisfação.

Felicidade Privada e Felicidade Pública
Resta-nos explicar se a felicidade é idêntica para o Estado e para cada particular. Que devemos colocá-la entre os mesmos gêneros de bem é um ponto
sobre o qual todos estão de acordo. Os que colocam a felicidade do homem nas riquezas só consideram felizes os Estados ricos. Os que a colocam no
despotismo e na força pretendem que a suprema felicidade do Estado é dominar vários outros. Os que não veem outra felicidade para o homem que não
a virtude chamam feliz apenas o Estado em que a virtude é honrada. Mas desde o primeiro passo surge uma questão para ser examinada: que
vida preferir, a que toma parte do governo e dos negócios públicos ou a vida retirada e livre de todos os embaraços do gênero? Não entra no plano da Política determinar o que pode convir a cada indivíduo, mas sim o que convém à pluralidade. Em nossa Ética, aliás, tratamos
do primeiro ponto. Portanto, nós o omitiremos aqui para nos determos no outro. Não há nenhuma dúvida de que o melhor governo seja aquele no qual cada
um encontre a melhor maneira de viver feliz. Mas aqueles mesmos que concordam em preferir a vida virtuosa não chegam a um acordo sobre se devemos preferir a vida ativa e política à vida contemplativa e livre da confusão
dos negócios humanos, vida esta que alguns consideram como a única digna do filósofo. Com efeito, estes dois gêneros de vida, a vida filosófica e a carreira
política, foram escolhidos por todos os que, tanto antigos quanto modernos, tiveram a ambição de se distinguir por seus méritos. E certamente não é de
pouca importância saber onde está a verdade.
É próprio da sabedoria, tanto a de cada homem em particular quanto a de todo Estado em geral, dirigir suas ações e sua conduta para o melhor fim. Ora,
muitos pensam que comandar seus semelhantes, se praticado com despotismo, é uma grande injustiça, mas que, se comanda politicamente, não é uma
injustiça, mas somente um obstáculo à própria tranquilidade. Alguns, pelo contrário, julgam que a vida ativa e consagrada aos negócios públicos é a única
digna do homem e que jamais se acharão na vida privada tantas ocasiões de exercer cada virtude quanto no trato dos negócios públicos e no governo do
Estado. Outros chegam a sustentar que o despotismo e o império da força são, para um povo, a única maneira de ser feliz. Vemos, com efeito, que em alguns
Estados o governo e as leis tendem à preocupação única de dominar os vizinhos. Por mais que consideremos todas as constituições espalhadas por diversas regiões, se suas leis, em sua maioria bastante confusas, têm um fim
particular, este fim sempre é dominar. Na Lacedemônia e em Creta, a quase totalidade de sua disciplina e de suas numerosas regras é dirigida para a
guerra. Em todas as nações que têm o poder de crescer, entre os citas, entre os persas, entre os trácios, entre os celtas, não há nenhuma profissão mais
estimada do que a das armas. Em alguns lugares, existem leis para estimular a coragem guerreira. Em Cartago, as pessoas são decoradas com tantos anéis
quantas foram as campanhas que fizeram. Na Macedônia, uma lei pretendia que
aqueles que não houvessem matado nenhum inimigo tivessem que andar de cabresto. Entre os citas, aquele que estivesse nesse caso sofria a afronta de
não beber à roda, na taça das refeições solenes. A Ibéria, nação belicosa, levanta ao redor das tumbas tantos obeliscos quantos inimigos o defunto matou.
Em outras partes, encontramos instituições semelhantes, ordenadas pelas leis ou estabelecidas pelo costume.
Contudo, se quisermos prestar atenção a isto, parecerá muito absurdo que a política ensine a dominar seus vizinhos, com ou sem a força. Com efeito, como
erigirem máxima de Estado ou em lei o que não é nem mesmo lícito? Ora, é lícito comandar sem nenhum direito e ainda mais contra todo direito. Uma vitória
injusta não pode ser um motivo justo. Este absurdo não se observa em nenhuma outra ciência. Não é ofício nem do médico, nem do piloto persuadir ou fazer
violência, um a seus doentes, o outro a seus marinheiros. Mas muitos parecem considerar a dominação como 0 objeto da política, e aquilo que não cremos nem
justo nem útil para nós não temos vergonha de tentar contra os outros. Eles não querem justiça no governo a não ser para eles próprios, mas, se trata de
comandar os outros, ela é a coisa com que menos se preocupam; absurdo revoltante, a menos que a natureza não tenha destinado uns a dominar e não
tenha recusado a outros esta aptidão. Se ela estabeleceu esta distinção, pelo menos não se deve tentar dominar a todos, mas apenas aos que só servem
para serem submetidos. É assim que não se vai à caça para pegar os homens e comê-los ou matá-los, mas apenas para pegar os animais selvagens que são
comestíveis.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A Política - Aristóteles (parte1)


A Política  - Aristóteles
Da Origem do Estado - O Estado e seu Governo

Como sabemos, todo Estado é uma sociedade, a esperança de um bem, seu princípio, assim como de toda associação, pois todas as ações dos homens têm por fim aquilo que consideram um bem. Todas as sociedades, portanto, têm como meta alguma vantagem, e aquela que é a principal e contém em si todas as outras se propõe a maior vantagem possível.
Chamamo-la Estado ou sociedade política.
Enganam-se os que imaginam que o poder de um rei ou de um magistrado de República só se diferencie do de um pai de família e de um senhor pelo número maior de súditos e que não há  nenhuma diferença específica entre seus
poderes. Segundo eles, se tem poucos súditos é um senhor; se tem alguns a mais é um pai de família; se tiver ainda mais é um rei ou um magistrado de República. Como se não houvesse diferença entre uma grande família e um pequeno Estado, nem entre um rei e um magistrado de República.  A distinção seria que um rei governa sozinho perpetuamente, enquanto um magistrado de
República comanda e obedece alienadamente, em virtude da Constituição.
Tudo isso, porém, é errado, como veremos ao examinar esta matéria segundo o método que usamos em nossas outras obras'.
Como não podemos conhecer melhor as coisas compostas do que decompondo-as e analisando-as até seus mais simples elementos, comecemos por detalhar assim o Estado e por examinar a diferença das partes, e procuremos saber se há uma ordem conveniente para tratar de cada uma delas.

A Formação da Cidade
Nesta como em qualquer outra matéria, uma  excelente atitude consiste em remontar à origem. É preciso, inicialmente, reunir as pessoas que não podem passar umas sem as outras, coma o macho e a fêmea para a geração. Esta maneira de se perpetuar não é arbitrária e não pode, na espécie humana assim como entre os animais e as plantas, efetuar-se senão naturalmente. É para a mútua conservação que a natureza deu a um o comando e impôs a submissão ao outro.
Pertence também ao desígnio da natureza que  comande quem pode, por sua inteligência, tudo prover e, pelo contrário, que obedeça quem não
possa contribuir para a prosperidade comum a não ser pelo trabalho de seu corpo. Esta partilha é salutar para o senhor e para o escravo.
A condição da mulher difere da do escravo.  A natureza, com efeito, não age com parcimônia, como os artesãos de Delfos que forjam suas facas para vários fins; ela destina cada coisa a um uso especial; cada instrumento que só tem o seu uso é o melhor para ela. Somente entre os bárbaros a mulher e o escravo estão no mesmo nível. Assim, esses povos não têm o atributo que importa naturalmente a superioridade e sua sociedade só é composta de escravos dos dois sexos. Foi isso que fez com que o poeta acreditasse que os gregos tinham, de direito, poder sobre os bárbaros, como se, na natureza, bárbaros e escravos se confundissem. A principal sociedade natural, que é a
família, formou-se, portanto, da dupla reunião do homem e da mulher, do senhor e do escravo. O poeta Hesíodo tinha razão ao dizer que era preciso
antes de tudo A casa, e depois a mulher e o boi lavrador, já que o boi desempenha o papel do escravo entre os pobres. Assim, a família é a sociedade cotidiana formada pela natureza e composta de pessoas que comem, como diz Carondas, o mesmo pão e se esquentam, como diz
Epimênides de Creta, com o mesmo fogo.
A sociedade que em seguida se formou de várias casas chama-se aldeia e se assemelha perfeitamente à primeira sociedade natural, com a diferença de não ser de todos os momentos, nem de uma frequentação tão contínua. Ela contém as crianças e as criancinhas, todas alimentadas com o mesmo leite.
De qualquer modo, trata-se de uma colônia tirada da primeira pela natureza.
Assim, as Cidades inicialmente foram, como ainda hoje o são algumas nações, submetidas ao governo real, formadas que eram de reuniões de pessoas que já viviam sob um monarca. Com efeito, toda família, sendo governada pelo mais velho como que por um rei, continuava a viver sob a mesma autoridade, por causa da consanguinidade. Este é o pensamento de Homero, quando diz:
Cada um, senhor absoluto de seus filhos e de suas mulheres, Distribui leis a todos...
Isso ocorria porque nos primeiros tempos as famílias viviam dispersas. É ainda por esta razão que todos os homens que antigamente viveram e ainda
vivem sob reis dizem que os deuses vivem da mesma maneira, atribuindo-lhes o governo das sociedades humanas, já que os imaginam sob a forma do homem.
O Homem, "Animal Cívico"
A sociedade que se formou da reunião de várias aldeias constitui a Cidade, que tem a faculdade de se bastar a si mesma, sendo organizada não apenas
para conservar a existência, mas também para buscar o bem-estar. Esta sociedade, portanto, também está nos desígnios da natureza, como todas as outras que são seus elementos. Ora, a natureza de cada coisa é precisamente seu fim2. Assim, quando um ser é perfeito, de qualquer espécie que ele seja - homem, cavalo, família -, dizemos que ele está na natureza. Além disso, a coisa que, pela mesma razão, ultrapassa as outras e se aproxima mais do objetivo proposto deve ser considerada a melhor. Bastar-se a si mesma é uma meta a que tende toda a produção da natureza e é também o mais perfeito estado. É, portanto, evidente que toda Cidade está na natureza e que o homem é naturalmente feito para a sociedade política. Aquele que, por sua natureza e não por obra do acaso, existisse sem nenhuma pátria seria um indivíduo detestável, muito acima ou muito abaixo do homem, segundo Homero: Um ser sem lar, sem família e sem leis.
Aquele que fosse assim por natureza só respiraria a guerra, não sendo detido por nenhum freio e, como uma ave de rapina, estaria sempre pronto para cair sobre os outros.
Assim, o homem é um animal cívico, mais social do que as abelhas e os outros animais que vivem juntos. A natureza, que nada faz em vão, concedeu
apenas a ele o dom da palavra, que não devemos confundir com os sons da voz. Estes são apenas a expressão de sensações agradáveis ou desagradáveis, de que os outros animais são, como nós, capazes. A natureza deu-lhes um órgão limitado a este único efeito; nós, porém, temos a mais, senão o conhecimento desenvolvido, pelo menos o sentimento obscuro do bem e do mal, do útil e do nocivo, do justo e do injusto, objetos para a manifestação dos quais nos foi principalmente dado o órgão da fala. Este comércio da palavra é o laço de toda sociedade doméstica e civil.
O Estado, ou sociedade política, é até mesmo o primeiro objeto a que se propôs a natureza'. O todo existe necessariamente antes da parte. As sociedades domésticas e os indivíduos não são senão as partes integrantes da Cidade, todas subordinadas ao corpo inteiro, todas distintas por seus poderes e suas funções, e todas inúteis quando desarticuladas, semelhantes às mãos e aos pés que, uma vez separados do corpo, só conservam o nome e a aparência, sem a realidade, como uma mão de pedra. O mesmo ocorre com os membros da Cidade: nenhum pode bastar-se a si mesmo. Aquele que não
precisa dos outros homens, ou não pode resolver-se a ficar com eles, ou é um deus, ou um bruto. Assim, a inclinação natural leva os homens a este gênero de sociedade.
O primeiro que a instituiu trouxe-lhe o maior dos bens. Mas, assim como o homem civilizado é o melhor de todos os animais, aquele que não conhece nem justiça nem leis é o pior de todos. Não há nada, sobretudo, de mais intolerável do que a injustiça armada. Por si mesmas, as armas e a força são indiferentes ao bem e ao mal: é o princípio motor que qualifica seu uso. Servir-se delas sem
nenhum direito e unicamente para saciar suas paixões rapaces ou lúbricas é atrocidade e perfídia. Seu uso só é lícito para a justiça. O discernimento e o respeito ao direito formam a base da vida social e os juízes são seus primeiros órgãos.
Do Senhor e do Escravo
Após ter indicado quais são as partes que constituem o Estado, devemos, já que os Estados são formados de famílias, falar primeiro do governo
doméstico.
Uma família completamente organizada compõe-se de escravos e de  pessoas livres. Mas como só se conhece a natureza de um todo pela análise de suas partes integrantes, sem exceção das menores, e como as partes primitivas e mais simples da família são o senhor e o escravo, o marido e a mulher, o pai e os filhos, convém examinar quais devem ser as funções e a condição de cada uma destas três partes.
Chamaremos despotismo o poder do senhor sobre o escravo; marital, o do marido sobre a mulher;  paternal, o do pai sobre os filhos (dois poderes para os quais o grego não tem substantivos).
Alguns fazem também entrar no econômico  a parte relativa aos bens que compõem o patrimônio das famílias e aos meios de adquiri-los. Trata-se até,
segundo outros, do elemento principal.

O Poder do Senhor ou "Despotismo"
Para conhecer o que é indispensável à composição da família, comecemos por falar do poder despótico e da escravidão, e vejamos senão seria possível encontrar sobre esta matéria algo mais satisfatório do que já foi dito até o presente.
Uns, de fato, como já vimos, confundem todos os poderes e compreendem,num só e único sistema, o poder do mestre e a realeza, o governo republicano
e a administração da economia; outros consideram que o poder senhorial não tem nenhum fundamento na natureza e pretendem que esta nos criou a todos
livres, e a escravidão só foi introduzida pela lei do mais forte e é, por si mesma, injusta como um puro efeito da violência.
Quanto à economia, observo que é impossível viver comodamente, ou mesmo simplesmente viver, sem o necessário. Portanto, como os bens fazem parte da casa, os meios de adquiri-los também fazem parte do governo doméstico; e, assim como nenhuma das artes que têm um objeto preciso e
determinado realiza sua obra sem seus instrumentos próprios, a economia também precisa deles para chegar ao seu objetivo.
Existem dois tipos de instrumentos: uns inanimados, outros animados.
Assim é que, para a navegação, o leme é o instrumento inanimado e o piloto, o
instrumento animado. Em todas as artes, o trabalhador é uma espécie de instrumento.
Um bem é um instrumento da existência; as propriedades são uma reunião de instrumentos e o escravo, uma propriedade instrumental animada, como um agente preposto a todos os outros meios. Se cada instrumento pudesse executar por si mesmo a vontade ou a intenção do agente, como faziam,
dizem, as marionetes de Dédalo ou os tripés de Vulcano, que vinham por si mesmos, segundo Homero, aos combates dos deuses, se a lançadeira
tecesse sozinha a tela, se o arco tirasse sozinho de uma cítara o som desejado, os arquitetos não mais precisariam de operários, nem os mestres de escravos.
Chama-se "instrumento" o que realiza o efeito, e "propriedade doméstica" o que ele produz. O tear, por exemplo, e o torno, além do exercício que nos
proporciona seu uso, fornecem-nos ainda pano e camas; ao passo que o pano e a cama que eles nos produzem se imitam ao nosso simples uso.
Há também diferença entre "fazer" e "agir" e, como ambos precisam de instrumentos, deve haver entre seus instrumentos a mesma diferença. A vida
consiste no uso, não na produção. O servidor é o ministro da ação; chamam-no propriedade da casa, como parte dela.
A coisa possuída está para o possuidor assim como a parte está para o todo; ora, a parte não é somente distinta do todo, ela lhe pertence; o mesmo
ocorre com a coisa possuída em relação ao possuidor. O senhor não é senão o proprietário de seu escravo, mas não lhe pertence; o escravo, pelo contrário,não somente é destinado ao uso do senhor, como também dele é parte. Isto basta para dar uma ideia da escravidão e para fazer conhecer esta condição.
O homem que, por natureza, não pertence a si mesmo, mas a um outro, é escravo por natureza: é uma posse e um instrumento para agir separadamente e sob as ordens de seu senhor.

A Servidão Natural
Mas faz a natureza ou não de um homem um escravo? É justa e útil a escravidão ou é contra a natureza? É isto que devemos examinar agora.
O fato e a experiência, tanto quanto a razão, nos conduzirão aqui ao conhecimento do direito.
Não é apenas necessário, mas também vantajoso que haja mando por um lado e obediência por outro; e todos os seres, desde o primeiro instante do
nascimento, são, por assim dizer, marcados pela natureza, uns para comandar, outros para obedecer.
Entre eles, há várias espécies de superiores ou de súditos, e o mando é tanto mais nobre quanto mais elevado é o próprio súdito. Assim, mais vale
comandar homens do que animais. O que se executa mediante melhores agentes é sempre mais bem executado, partindo então a execução do mesmo princípio que o comando; ao passo que, quando aquele que manda e aquele que obedece são de espécies diferentes, cada um sacrifica algo de seu.
Em tudo o que é composto de várias partes, quer contínuas, quer disjuntas, mas tendentes a um fim comum, sempre notamos uma parte eminente à qual as outras estão subordinadas, e isso não apenas nas coisas animadas, mas também nas que não o são, tais como os objetos suscetíveis de harmonia.
Mas, aqui, me afastarei por certo de meu objetivo.
O animal compõe-se primeiro de uma alma, depois de um corpo: a primeira, por sua natureza, comanda e o segundo obedece. Digo "por sua
natureza", pois é preciso considerar o mais perfeito como tendo emanado dela, e não o que é degradado e sujeito à corrupção. O homem, segundo a natureza, é aquele que é bem constituído de alma e de corpo. Se nas coisas viciosas e depravadas o corpo não raro parece comandar a alma, é certamente por erro e contra a natureza.
É preciso, portanto, como dissemos, considerar nos seres animados a autoridade do senhor e a do magistrado: a primeira é a da alma sobre o corpo;
a segunda exerce sobre as paixões humanas o poder da razão. É claro que o comando, nestas duas espécies, é conforme à natureza, assim como ao
interesse de todas as partes, e a igualdade ou a alternância seriam muito nocivas a ambas.
O mesmo ocorre com o homem relativamente aos outros animais, tanto os que se domesticam quanto os que permanecem selvagens, a pior das duas
espécies. Para eles é preferível obedecer ao homem; seu governo é-lhes salutar.
A natureza ainda subordinou um dos dois animais ao outro. Em todas as espécies, o macho é evidentemente superior à fêmea: a espécie humana não é exceção.
Assim, em toda parte onde se observa a mesma distância que há entre a alma e o corpo, entre o homem e o animal, existem as mesmas relações; isto é, todos os que não têm nada melhor para nos oferecer do que o uso de seus corpos e de seus membros são condenados pela natureza à escravidão. Para eles, é melhor servirem do que serem entregues a si mesmos. Numa palavra, é
naturalmente escravo aquele que tem tão pouca alma e poucos meios que resolve depender de outrem. Tais são os que só têm instinto, vale dizer, que percebem muito bem a razão nos outros, mas que não fazem por si mesmos uso dela. Toda a diferença entre eles e os animais é que estes não participam de modo algum da razão, nem mesmo têm o sentimento dela e só obedecem a suas sensações. Ademais, o uso dos escravos e dos animais é mais ou menos o mesmo e tiram-se deles os mesmos serviços para as necessidades da vida.
A natureza, por assim dizer, imprimiu a liberdade e a servidão até nos hábitos corporais. Vemos corpos robustos talhados especialmente para carregar fardos e outros usos igualmente necessários; outros, pelo contrário, mais disciplinados, mas também mais esguios e incapazes de tais trabalhos, são bons apenas para a vida política, isto é, para os exercícios da paz e da guerra. Ocorre muitas vezes, porém, o contrário: brutos têm a forma exterior da liberdade e outros, sem aparentar, só têm a alma de livre.
Limitando-nos aos aspectos materiais, como no caso das estátuas dos deuses, não hesitamos em acreditar que os indivíduos inferiores devem ser
submissos. Se isto é verdade quando se trata do corpo, por mais forte razão devemos di-lo da alma; mas a beleza de um não é tão fácil de discernir quanto a da outra.