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sábado, 13 de agosto de 2011

Resenha Crítica -Ensaio sobre a cegueira - José Saramago



ensaio_cegueira_01O romancista, dramaturgo e poeta português José Saramago é autor de diversas obras, mas em uma delas, denominada “Ensaio sobre a Cegueira”, o autor instiga o leitor a “olhar a visão” e, para tal tarefa, é preciso fechar os olhos, pois a visão não poderia julgar a si mesma. O autor começa o livro com uma imagem ordinária: a cidade barulhenta, trânsito pesado, pessoas disputando, a cada passo, um lugar na rua.
Mas algo incomum acontece com um dos carros parados no semáforo: “[...] logo se notou que não tinham arrancado todos por igual. O primeiro da fila está parado [...]”. (p. 11). Um morador destas megalópoles estranharia esta cena, pois todos estão sempre apresados, adivinhando o momento do sinal verde para sair em disparada: “[...] deve ser um problema mecânico qualquer, o acelerador solto [...]”. (p. 11). Nada disso. O motorista abre a porta e diz: “Estou cego”. (p. 11). Desesperado, em prantos, o primeiro cego grita a mortalidade dos olhos. “[...] quem me diria, quando saí de casa esta manhã, que estava para me acontecer uma fatalidade como esta.” (p. 13). A possibilidade da desgraça é sempre um fato na vida do outro, desde que este outro não seja “eu”. Foi assim que aconteceu o primeiro caso de cegueira dos muitos que haveriam de surgir.
Gradativamente uma espécie de mancha branca ocular (Cf. p. 11) espalhava-se de maneira tão acentuada que o caso poderia tornar-se uma “[...] catástrofe nacional [...]”. (p. 37). Eis o enredo da obra: efetivamente, a catástrofe atingiu proporções nacionais! Diante disso, além de descrever como o Estado em nome da humanidade pode tornar-se desumano, colocando tais discursos demasiadamente humanistas sobre suspeita, Saramago constrói uma antropologia do mal pelos personagens: “É desta massa que nós fomos feitos, metade indiferença e metade de ruindade”. (p. 40). O homem tem em sua estrutura o mal e, para acompanhar isso, o autor cria uma personagem que funcionaria como espiã da desgraça. Trata-se da esposa de um oftalmologista, homem honesto, sincero e fiel à mulher de sua vida. Ela acompanhará todos os cegos desafortunados que serão encarcerados em um manicómio. “Nesse caso, resta o manicómio, Sim, senhor ministro, o manicómio, pois que seja o manicómio, Aliás, a todas as luzes, é o que apresenta melhores condições, porque, a par de estar murado em todo o seu perímetro, ainda tem a vantagem de se compor de duas alas, uma que destinaremos aos cegos propriamente ditos, outras para os suspeitos [...]”. (p. 46). Mentindo sua cegueira, ela será a vista do leitor. Assim, outra “ordem” se constrói dentro do manicómio: em pouco tempo os lugar terá as primeiras discussões, brigas, roubo, racionalização da comida, lixo, doenças, mortes, facções criminosas, armas, mulheres estupradas, etc. É uma nova lógica. “Os cegos aprendem depressa a orientar-se [...]”. (p. 86). Mesmo no manicómio – e não é sem razão que Saramago enterra os cegos neste local – a lógica do mal impera ao ponto de fazer a única personagem que vê gritar: “O mundo está todo aqui dentro”. (p. 102). A cegueira é transmitida nas mesmas proporções que o mal se espalha. Todos pretendem se salvar, mas como cegos, pisam uns sobre os outros. Todavia, neste caso há uma “desculpa”: quem pisa é cego. O ego cega o cego! A única personagem que parece ter compaixão é a esposa do oftalmologista: “[...] recordemos daqueles infelizes condenados que antes ainda viam e agora não vêem, dos casais divididos e dos filhos perdidos, dos lamentos dos pisados e atropelados, alguns duas e três vezes, dos que andam à procura de seus queridos bens e não os encontram, seria preciso ser-se de todo insensível para esquecer, como se nada fosse, a aflição da pobre gente”. (p. 118). Como viver deste modo, senão sendo cego? Quem suportaria sobreviver em tais circunstâncias? A animalidade havia tomado conta: homens violentos buscando salvar-se a si mesmos. Desta maneira, era preciso levantar uma norma. A máxima é fazer de tudo para não vivermos como animais. (p. 119). Todos concordam e só o esforço já concede esperança. Cumprir esta máxima é a nova vista dos cegos, pois a voz é a vista de quem não vê.
Saramago cria um mundo de cegos para mostrar o que é o mundo verdadeiramente. Assim dirá o oftalmologista cego: “[...] só num mundo de cegos as coisas serão o que verdadeiramente são [...]”. O mundo é um palco de seres se devorando, de modo que quando o mundo mostra-se como ele é todos ficam cegos. A esposa do oftalmologista é a única que consegue entender isso: em um mundo de cegos que tem um olho está condenado a ver as desgraças da existência. O medo destas visões cega. (Cf. p. 131). O que resta é uma vida animal na qual os homens devem fazer de tudo para não serem os animais que são. Lutam continuamente, no entanto, a luta não passa de um outro modo de cegueira.
A obra “Ensaio sobre a Cegueira” de José Saramago é um convite a fazer-nos perceber nossa própria cegueira e, antes de tentar recuperá-la, que respeitosamente reconheçamos o heroísmo da pobre esposa do oftalmologista expresso no seguinte adágio:
“Se tu pudesses ver o que eu sou obrigada a ver, quererias estar cego [...]” (p. 135).
SARAMAGO, José. “Ensaio sobre a Cegueira”. São Paulo: Companhia da Letras, 1995.
Andrei Venturini Martins

Um comentário:

Anônimo disse...

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